Não conheço missão maior e mais nobre que a de dirigir as inteligências jovens e preparar os homens do futuro disse Dom Pedro II

quinta-feira, 24 de maio de 2012

#RIOmais20 - Desmatamento ZERO em oposição ao Código Florestal, defende presidente mundial do Greenpeace


Para Kumi Naidoo, a credibilidade do governo foi afetada pela tramitação da lei no Congresso


Para Kumi Naidoo, diretor-executivo do Greenpeace International, a Rio+20 corre o risco de fracassar, ser mais uma oportunidade perdida de mudar a maneira como lidamos com o planeta Terra
HEIKE GRASSER / FOTO GREENPEACE

RIO e SÃO PAULO — O diretor-executivo do Greenpeace Internacional, o cientista político sul-africano Kumi Naidoo, 47 anos, não é exatamente um entusiasta do governo da presidente Dilma Rousseff quando o assunto é meio ambiente. A presidente, para ele, é adepta de uma visão desenvolvimentista da economia típica da década de 1970, quando a luta pela miséria e contra a pobreza valia qualquer desmatamento ou destruição ambiental. Ele considera que o projeto de Desmatamento Zero proposto pelo Greenpeace para a Amazônia é a única forma de manter a floresta de pé, o que o faz um defensor do movimento "Veta, Dilma!", que propõe o veto total ao novo Código Florestal aprovado no Congresso.

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Naidoo iniciou sua militância pelos direitos humanos aos 15 anos, quando entrou na luta contra o apartheid e, por conta disso, foi preso várias e teve que exilar-se em 1987 no Reino Unido. Quando Nelson Mandela foi solto, em 1990, ele retornou à África do Sul para ajudar a criar e implementar a nova estrutura eleitoral do país. O cabeça do Greenpeace também não vê com entusiasmo a realização da Rio+20, cujo texto critica por falta de ambição:

— O texto é tão fraco que nem descreve corretamente o estado atual do planeta a respeito do uso de energias renováveis. Ele mostra a falta de ambição, liderança e visão dos governos.

O GLOBO: O senhor diz que os negociadores dos países devem sofrer de algum tipo de doença porque não ouvem bem. Os organizadores da Rio+20 são capazes de ouvir o que quer a sociedade ou continuam surdos?

KUMI NAIDOO: O documento oficial editado pela ONU não é sobre o mundo que queremos, mas sobre o mundo sobre o qual a burocracia global consegue concordar. O texto é tão fraco que nem descreve corretamente o estado atual do planeta a respeito do uso de energias renováveis. Ele mostra a falta de ambição, liderança e visão dos governos. Então o que começou como um caso de surdez está evoluindo para um caso mais sério de "zumbificação". É triste porque a Rio+20 corre o risco de fracassar, ser mais uma oportunidade perdida de mudar a maneira como lidamos com o planeta Terra. Estes encontros são fóruns que o mundo criou para discutir um novo futuro. É uma pena não usá-los com este propósito real.

Depois de anos lutando contra o apartheid você assumiu o leme do Greenpeace no mundo. Desde então, fala-se que o ponto de vista europeu, que sempre prevaleceu na ONG, está enfraquecido. O que realmente mudou?

NAIDOO: Todos no Greenpeace reconhecem que os esforços dos emergentes serão críticos para as futuras gerações. Estamos direcionando mais recursos, tempo e esforços para China, Brasil e Índia, por um lado, mas também estamos nos associando a aliados e trabalhando juntos nas mudanças. A necessidade de trabalhar com líderes de associações comerciais, grupos religiosos, movimentos indígenas e movimentos pelos direitos das mulheres é muito clara, especialmente quando se trata de emergentes.

Vinte anos atrás, a Rio 92 enfatizava que a proteção ambiental e o desenvolvimento eram complementares, não antagônicos. Estamos conseguindo crescer com sustentabilidade?

NAIDOO: Houve de fato uma mudança na sociedade. Mas ela falhou ao não incluir os líderes. Desde a Rio 92, o meio ambiente não vem sofrendo menos. O desmatamento ainda é uma praga em países tropicais e no Brasil, onde parecia que estava sendo controlado. O novo Código Florestal provavelmente vai piorar a situação. O consumo de combustíveis fósseis subiu, na última vezes, três vezes acima do nível em que estava na Rio 92. Tudo isso mostra que estamos longe de uma economia sustentável.

É possível defender temas ambientais ignorando variáveis sociais, como a pobreza extrema?

NAIDOO: Sempre dissemos que a erradicação da pobreza e a proteção ambiental precisam ser resolvidas juntos, então é bem-vindo esse foco mais amplo. Mas ficamos horrorizados quando tentam argumentar que o meio ambiente é menos importante. O meio ambiente é a base de nossa sobrevivência, e isso é especialmente verdadeiro para os povos indígenas e para os pobres. Uma das mensagens chaves da Rio 92 foi que proteção ao meio ambiente e o desenvolvimento caminham juntos e este recado continua relevante hoje.

Você acha que o Brasil, como anfitrião da Rio+20, chega ao encontro com sua autoridade arranhada por conta do novo Código Florestal?

NAIDOO: A credibilidade de seu governo foi afetada pelo que aconteceu durante a votação do Código Florestal no Congresso. Ele ameaça a continuidade de uma onda positiva na última década, quando o Brasil conseguiu reduzir o desmatamento enquanto encolhia a diferença entre ricos e pobres. As mudanças que foram feitas no código original irão, além do perdão a criminosos ambientais, abrir milhões de hectares para novos desmatamentos. As consequências desta lei já foram sentidas. Pela primeira vez em vários anos, o desmatamento em alguns estados amazônicos parecem subir novamente. O Ipea calcula que emissões adicionais resultantes da nova lei tornarão impossível a meta de redução que o ex-presidente Lula se comprometeu na Cúpula do Clima em Copenhague, em 2009. Cerca de 80% dos brasileiros se opõem ao danoso novo Código Florestal e cidadãos não apenas do Brasil, mas do mundo, vêm pedindo à presidente Dilma Rousseff que vete totalmente o código e se comprometa com a meta de Desmatamento Zero até 2015. Mas nada disso parece possível, pelo menos até a Rio+20. Se for assim, a presidente Dilma, como anfitriã e líder de um dos últimos países do mundo com grandes florestas, não terá nada a dizer no encontro.

As lideranças brasileiras são criticadas por tentarem evitar tocar em assuntos controversos na Rio+20, como desmatamento. Você concorda?

NAIDOO: O desmatamento no Brasil recuou, mas ainda é responsável por 75% das emissões anuais de carbono e é o que mantém o Brasil entre os cinco maiores emissores do mundo, junto com a China e os EUA. E deve ficar pior se a presidente não vetar o código e não instaurar um política de desmatamento zero. E a verdade é que seu governo está longe de fazer as duas coisas, muito pelo contrário. Enquanto ao Congresso foi dada a liberdade de acabar com a proteção à floresta, Dilma está abrindo os parques nacionais para grandes obras de infraestrutura, como represas. Ela parece ter uma visão retrógrada de desenvolvimento, típica dos anos 70. Então evidentemente ela está tentando evitar discussões que se referem a construir um novo futuro.

Podemos esperar algum marco nesse encontro?

NAIDOO: Por hora, o nível de vontade política dos chefes de Estado, o número dos que confirmaram presença e as conversas nos encontros preparatórios sugerem um final de encontro desapontador. O que é preciso é coragem e honestidade sobre questões em que vamos mal, como a destruição oceânica. Nós achamos que os líderes vão falhar, mas temos esperança de que o mundo acorde para essa falha e redobre os esforços. Um exemplo é a campanha pelo Desmatamento Zero feita por cidadãos brasileiros. O fechamento do Acordo sobre a Biodiversidade em Alto Mar poderia ser uma boa notícia. Ele ainda está sendo negociado então não podemos descartá-lo. Mas mesmo um acordo seria apenas o começo de um esforço para que o ocidente selvagem não explore o alto mar. A imagem é de que nossos líderes políticos estão sofrendo de alguma forma de dissonância cognitiva, eles sabem racionalmente que a situação é séria, mas estão estrangulados por um pensamento de curto prazo e pelo dinheiro das corporações.

Você disse que, para ter credibilidade, a Rio+20 deveria apoiar uma revolução energética baseada no uso de energia renovável e na eficiência no gasto. Nós rumamos para isso?

NAIDOO: Há ganhos aqui e ali. A China se tornou uma potência em energia renovável, eclipsando a Europa. No Brasil, energia eólica se tornou uma das fontes mais baratas de eletricidade. Mas de um modo geral, estamos longe de sermos eficientes e de desenvolvermos o uso de renováveis. China e Brasil são bons exemplos, mas a despeito de todo o progresso tecnológico, a China ainda depende de carvão para obter a maior parte da sua energia, enquanto o Brasil subutiliza seu potencial para uso de recursos renováveis. Perto de metade dos investimentos brasileiros em energia na próxima década será em combustíveis fósseis, especialmente no desenvolvimento das reservas do pré-sal. Se essa reservas forem exploradas totalmente nos próximos 40 anos, vão emitir algo entre 35 bilhões e 55 bilhões de toneladas de carbono na atmosfera. Na próxima década, a questão de como o Brasil vai lidar com seu petróleo será crucial para determinar se o país será um líder ou um perdedor em termos de sustentabilidade. Se o Brasil seguir o desenvolvimento planejado do pré-sal, se tornará um dos cinco maiores produtores de petróleo em 2020. Nós sabemos que as mudanças climáticas sabotarão nossas economias se nada for feito. Então a questão que o Brasil tem que resolver não é quanto petróleo há nas suas reservas, mas como trazer prosperidade para as pessoas num mundo em que já não se consegue mais suportar a queima de combustíveis fósseis. O Brasil tem a habilidade para mostrar o caminho. O mix de energia hoje é um dos de menor emissão de carbono no mundo. Se investirmos o dinheiro que hoje vai para desmatamento e exploração de petróleo em desmatamento zero e na revolução das energias renováveis, podemos entregar energia para todos com desmatamento zero e empregos verdes.

O que podemos esperar da China e dos EUA, os maiores poluidores do planeta?

NAIDOO: Esperamos que seus líderes demonstrem vontade e urgência para fazer as mudanças acontecerem. E isso inclui dividir inovação e expertise tecnológica, mas também decisões políticas firmes. Um fator crítico aqui é o histórico, o que coloca nas mãos dos EUA uma boa dose de responsabilidade. Enquanto é verdade que a poluição agregada da China é enorme, os EUA detém uma fatia maior do problema numa análise per capita. Ainda assim, eles têm sido uma decepção, para dizer o mínimo, particularmente na oposição ao Acordo de Biodiversidade em Alto Mar. O que serve para provar, de novo, que eles são um dos maiores obstáculos à salvação do meio ambiente. A China precisa agir mais rapidamente e decisivamente na redução de seu vício em carvão. Resumindo: esperamos que ambos se tornem campeões de um ambicioso tratado climático e que briguem pelos oceanos e contra o desmatamento.

É possível os países concordarem na criação de um instrumento que puna as grandes corporações que causam danos ao meio ambiente?

NAIDOO: É possível. É preciso. A recente crise financeira indicou a necessidade de mais fiscalização e regulação. No entanto, parece que não há apetite dos governos para encarar o poder das grandes corporações.

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