Filha de desembargador recebia 12 vezes a pensão média do RioPrevidência
Somada a pensão do Fundo Especial do TJ, Márcia ganhava R$ 43,2 mil por mês, o equivalente a 22 vezes os R$ 1.950 pagos, em média pelo órgão
Raphael Gomide, iG Rio de Janeiro
Foto: Reprodução do Facebook de Márcia CoutoSó do RioPrevidência,
Márcia Couto recebia R$ 24 mil, o equivalente a 12 vezes a pensão
média paga pelo órgão
A pensão que a dentista Márcia Couto recebia só do RioPrevidência, R$ 24 mil, equivale a 12 vezes o valor médio pago pelo órgão aos seus cerca de 93 mil pensionistas, de R$ 1.950.
Filha do desembargador José Erasmo Couto, morto em 1982, Márcia ganhava duas pensões do Estado do Rio: uma do RioPrevidência e outra do Fundo Especial do Tribunal de Justiça (R$ 19,2 mil). Somadas, chegavam a R$ 43,2 mil por mês.
Se for levado em consideração essa soma, o total das pensões equivale a 22 vezes o benefício médio dos pensionistas do RioPrevidência, R$ 1.950.
Nesta terça-feira, (22), dia seguinte ao iG revelar o caso, a juíza Alessandra Tufvesson cancelou o pagamento das pensões, mas não determinou – como pediam a autora popular e a Procuradoria Geral do Estado – a devolução dos valores recebidos nos últimos cinco anos.
Aos 52 anos, Márcia recebe o montante apesar de ter sido casada e excluída do RioPrevidência, razões que a impediriam de voltar a receber o benefício. Como mostra certidão anexada à ação popular, ela se casou no religioso em 1990, mas não no civil. Após a exclusão, em 2010, ela recorreu e o desembargador Pedro Saraiva Andrade Lemos determinou que o órgão voltasse a pagar o montante. Desde 82, ela recebe os recursos do Fundo Especial. Até a morte da mãe, em 2004, 50%; após reivindicar a reversão, de forma integral.
Foto: Salvador Scofano/Divulgação RioPrevidênciaPresidente do RioPrevidência,
Gustavo Barbosa. Órgão cortou 1.100 pensões de filhas solteiras
Segundo a autora popular, Thatiana Travassos, e a Procuradoria Geral do Estado, que representa o RioPrevidência, ela não se casou oficialmente com o “único intuito” de manter a pensão.
No Estado do Rio, as 32.112 “filhas solteiras” representam mais de um terço (34%) do total de 93.395 pensionistas, ao custo de R$ 34,4 milhões mensais, ou R$ 447 milhões por ano – e R$ 2,235 bilhões em cinco anos –, segundo o RioPrevidência.
As autoridades desconfiam que muitas delas, como Márcia, formam família mas evitam se casar oficialmente, com o único objetivo de não perder a pensão. Segundo a lei 285/79, o matrimônio “é causa extintiva do recebimento de pensão por filha solteira”. O expediente é visto como “fraude à lei” pela ação popular e pela PGE.
Contra fraudes, RioPrevidência faz recadastramento e auditoria
O RioPrevidência, órgão previdenciário do Estado do Rio, afirmou ao iG que está fazendo um recadastramento e auditoria nos benefícios pagos, para identificar eventuais fraudes.
O órgão já cortou administrativamente a pensão de cerca de 1.100 “filhas solteiras” que se recusaram a assinar um termo declarando, “sob as penas da lei”, que não são nem foram casada ou viveram em união estável desde que se habilitaram como pensionistas. Márcia Couto foi uma dessas.
Foto: Reprodução de documento do RioPrevidência
Documento do RioPrevidência alerta às "filhas solteiras"
que é crime prestar informações falsas
Entre as mudanças implantadas, estão a revisão de pensão de mais de 60 mil pessoas, elevando o valor médio pago de R$ 890, em 2007, para R$ 1.950, em 2012 – pela correção pelo IGP-M (FGV), o valor seria inferior, R$ 1.218,36; e a concessão de pensão em 30 minutos.
Como medidas para evitar fraudes, o RioPrevidência está fazendo uma atualização de dados cadastrais dos servidores ativos, inativos e pensionistas e a auditoria de benefícios, para identificar se há erros no pagamento de benefícios.
De acordo com o órgão, as ações corrigiram falhas e resultaram até na exclusão de pagamentos irregulares.
O RioPrevidência também informou estar fazendo o controle dos óbitos dos beneficiários usando o Sistema de Óbitos do governo federal – Sisob – , para evitar fazer pagamentos indevidos após a morte do pensionista.
Ainda em 2012, o Estado e o Ministério da Previdência Social vão fazer cruzamento de dados previdenciários dos servidores da União, Estado e regime geral de Previdência Social para identificar pagamentos equivocados.
Advogado diz que Márcia Couto “jamais descumpriu a lei”
Por telefone, a reportagem falou com o advogado José Roberto de Castro Neves, que defende Márcia na ação popular. Segundo ele, “Márcia jamais descumpriu a lei”. Ele admite a legitimidade do debate sobre a questão da pensão para “filha solteira” e a lei vigente, mas salientou que a cliente “sempre agiu de acordo com a lei”.
“Se as pessoas entendem que a lei é boa ou ruim (é outra questão)... Mas ela sempre agiu de acordo com a lei, que dá direito ao benefício”, disse.
Como na ação, Castro Neves afirmou que Márcia não foi casada e sim “mãe solteira” de dois filhos e é “uma pessoa boníssima e generosa”.
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