Não conheço missão maior e mais nobre que a de dirigir as inteligências jovens e preparar os homens do futuro disse Dom Pedro II

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Segurança Pública: Os números não mentem?


Enviado por Ana Paula Miranda -Jornal Extra - 09.02.2010 - 9h12m
Há um ditado no meio policial que diz que “qualquer número bem torturado diz qualquer coisa”. A ilustração da matéria de hoje (9/02/10) do Jornal O Globo parece levar essa idéia ao pé da letra.
Começa com um gráfico com as taxas de homicídio nos últimos dez anos no estado para mostrar a queda. Abaixo apresenta um gráfico com os números absolutos do homicídio doloso, onde se pode verificar que a variação tem sido pequena. Até aí tudo bem, mas a ausência da informação sobre a população não permite ao leitor levantar a hipótese de que a redução dos homicídios pode estar relacionada ao aumento da população.
O problema é um pequeno gráfico com a comparação entre Rio de Janeiro e São Paulo, que é feito com os números absolutos. O objetivo é sinalizar que houve um crescimento de mortes em São Paulo e uma queda no Rio, no comparativo dos anos 2008 e 2009. Estranhamente essa comparação não é feita com as taxas. Trata-se de uma “baranja”, ou seja, uma comparação de bananas com laranjas, que todos sabem que são frutas, mas que não são iguais.
Esse suposto esquecimento pretende induzir o leitor a pensar que estamos lidando com fenômenos iguais. Sem entrar na discussão se os números estão corretos ou não, o caso é que se comparou o estado do Rio, cuja população é estimada pelo ISP em 16.860.909 habitantes, com o estado de São Paulo, que tem uma população estimada de 41.941.251 pela Fundação SEADE. Ou seja, o Rio tem menos da metade dos habitantes e registrou mais mortes, portanto sua taxa de homicídios é muito maior do que a de São Paulo, cuja taxa é de 10,9, enquanto no Rio a taxa é de 34,6.
Outra manipulação da informação pode ser vista no gráfico que se refere ao total de furtos e total de roubos. Todos os outros gráficos da ilustração se referem ao período de 2000-2009, enquanto esses dois estranhamente começam no ano de 2006. A série da forma como está apresentada fica parecendo que o crescimento tem sido pequeno, e apenas é sinalizada a redução de 2009 em relação a 2008. O total de roubos registrados no estado em 2009 foi de 138.280, enquanto que em 2000 o total foi de 83.243, o que representa um aumento de 66,1%.
A mesma manobra pode ser observada no tratamento dos registros de furtos. Aparecem apenas os dados referentes ao período de 2006-2009. Em 2000 o total de furtos registrados foi de 88.358, já em 2009 alcançou-se a cifra de 170.245, o que representa um crescimento de 92,7%!
A ausência da série história da década não permite que seja identificado que a situação tem se mantido numa tendência de crescimento, que a pequena redução na comparação dos dois últimos anos não representou ainda uma modificação da tendência.
Por outro lado, a escolha do ano de 2006 não parece ser aleatória, pois representa o último ano do governo Rosinha. Se nos basearmos nessa referência o aumento dos registros de furtos no estado foi de 20,8%, enquanto o aumento de registros de roubos foi de 10,9%.
Um tratamento tão direcionado da informação jamais aconteceria dessa forma na seção de economia, onde os dados costumam receber uma análise mais técnica e menos política. Alguns poderiam dizer que é uma questão do espaço do jornal, mas para isso bastava diminuir o tamanho do primeiro gráfico e apresentar os outros dados completos.
É claro que essa disputa entre os dados do Rio e de São Paulo está relacionada ao ano eleitoral, pois as campanhas já estão nas ruas. A população ganharia mais se as análises fossem mais aprofundadas e realmente representasse uma cobrança de resultados.
 

Por fim, vale a pena lembrar que os dados de São Paulo, divulgados em três de fevereiro deste ano no Globo, apresentam um erro grosseiro no que se refere ao latrocínio. A ilustração apresenta um total de 304 mil casos para o ano de 2009. De acordo com os dados divulgados no site da SSP-SP foram contabilizadas 308 vítimas de latrocínio. O mesmo erro aparece no texto da matéria. A mesma matéria afirma que foram registrados no estado 257.004, o que cria a absurda situação de ter mais gente supostamente morta em assalto do que registros de roubos.
A segurança tem se tornado um dos problemas mais graves que afeta e preocupa a população, em função de sua gravidade. Por isso, a cobertura do tema deveria ser alvo de uma atenção mais cuidadosa e menos marcada por interesses privados. A população do Rio e de São Paulo agradeceriam. 
Nenhum número é uma tradução da realidade, ele sempre representa uma construção baseada em escolhas de fatos e de categorias, que são as chaves para explicar os fatos. Não ter o cuidado devido com essas escolhas é uma velha técnica de manipular informações, ou como diz Darrell Huff, de mentir com estatísticas.

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