Não conheço missão maior e mais nobre que a de dirigir as inteligências jovens e preparar os homens do futuro disse Dom Pedro II

quinta-feira, 4 de março de 2010

CAIXA DE PANDORA - Em julgamento histórico, o STF decide hoje se Arruda deve ou não continuar na Polícia Federal

Ana Maria Campos
Publicação: 04/03/2010 07:00

 
Preso há exatas três semanas na Superintendência da Polícia Federal (PF), o governador afastado José Roberto Arruda (sem partido) encaminhou no fim da tarde de ontem à Câmara Legislativa pedido de licença voluntária do cargo até as conclusões do Inquérito nº 650, conhecido como Operação Caixa de Pandora. Arruda busca assim sensibilizar os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento histórico, marcado para esta tarde, em que será discutida a legalidade da decretação de sua prisão preventiva pelo Conselho Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Pela primeira vez desde a redemocratização, o STF vai apreciar o habeas corpus em favor de um governador preso no exercício do mandato. A anunciada licença de Arruda não sensibiliza o relator do caso, ministro Marco Aurélio Mello. Para não comprometer o julgamento, ele não antecipa seu voto desta tarde. Poderá manter posição anterior, quando negou a liminar pedida pelos advogados do governador no dia da decretação da prisão, ou mudar o entendimento com base no memorial distribuído ontem pela equipe do advogado Nélio Machado aos 11 ministros da Corte. “Isso já aconteceu nas turmas”, afirmou Marco Aurélio ao Correio.

Uma coisa é certa: para o ministro-relator, o afastamento ou permanência de Arruda no cargo de governador não tem qualquer influência na decisão de mantê-lo ou não na cadeia. “Ele não foi preso por ser governador. Há casos de prisão preventiva decretada de cidadãos comuns, sem cargo público, pelos mesmos argumentos. Vamos, na verdade, apreciar a legalidade da prisão”, explica o ministro. Em 11 de fevereiro, 12 dos 15 ministros do Conselho Especial do STJ acataram pedido do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, e determinaram a reclusão do governador sob o fundamento de que ele estaria obstruindo o funcionamento da Justiça. O relator do processo no STJ, ministro Fernando Gonçalves, disse que o monitoramento telefônico de Arruda indicava que ele não tinha qualquer respeito pela Justiça.

A acusação é de que o governador, hoje afastado e preso, usou intermediários para subornar uma testemunha do Inquérito nº 650, o jornalista Edson Sombra, parceiro de Durval Barbosa, o colaborador do Ministério Público e da Polícia Federal no caso. Foi Sombra quem intermediou a delação premiada de Durval, pela qual o ex-secretário de Relações Institucionais denunciou a existência de um suposto esquema de corrupção no GDF que envolveria o próprio Arruda, deputados distritais, secretários e empresas prestadoras de serviço.

Mérito

Arruda foi preso preventivamente sob a acusação de atrapalhar o andamento da Justiça, crime considerado gravíssimo por magistrados que o classificam como uma ofensa ao próprio Poder Judiciário. Na sessão de hoje, no entanto, o que estará principalmente em questão não é o mérito dessa acusação. A defesa vai sustentar falta de elementos de prova. Mas o ponto central é matéria constitucional: se haveria ou não necessidade de prévia autorização da Câmara Legislativa para a decretação da prisão do governador.

Esse tipo de autorização é exigida pela Lei Orgânica do DF no caso de abertura de um eventual processo penal contra Arruda no STJ. Nesse caso, o recebimento de denúncia contra o governador está condicionado à autorização de dois terços dos deputados distritais. Mas a lei está sendo questionada no próprio STF, em uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) promovida pela Procuradoria-Geral da República (PGR).

Por conter matéria constitucional, o julgamento de hoje ganha ainda mais importância e poderá contar com a participação do presidente do STF, Gilmar Mendes. Pelo ineditismo, formará precedente para outros casos a partir de agora. Por isso, políticos de todo o país têm interesse no resultado. Entre os 11 ministros que compõem o plenário, apenas Eros Grau já antecipou que por força de outros compromissos não poderá participar do julgamento. Logo, o quorum será de 10 ministros. Em caso de empate, prevalece o interesse de quem está preso e é autorizada a sua liberação da cadeia.

Os advogados também vão tentar sensibilizar os ministros quanto ao tempo em que Arruda já está no cárcere: 21 dias. “Ele prioriza a volta ao lar, a volta a sua família e a reconstrução de sua vida, atuando na sua defesa ao lado de seus advogados. Se trata de algo desumano imaginar que ele possa voltar ao governo, depois de todo esse sofrimento, de toda essa via crúcis, em uma prisão na qual não se permitiu que ele fosse assistido por seus médicos pessoais nem ver sua família”, disse ontem Nélio Machado.

Apesar de ser a véspera de um dia decisivo para o destino de Arruda, além de sua mulher, Flávia Peres Arruda, que todos os dias leva seu almoço, apenas a advogada Luciana Lossio esteve no Comando de Operações Táticas (COT) da PF, local da sala onde Arruda se encontra. A advogada chegou por volta das 11h30 e permaneceu por 45 minutos. “Ele está bem e ansioso pelo julgamento do habeas corpus”, disse.


Colaboraram Edson Luiz e Diego Abreu

» O tema central

Apesar da estratégia dos advogados do governador afastado José Roberto Arruda (sem partido) baseada no argumento de que ele não poderá mais usar a máquina administrativa para atrapalhar as investigações em decorrência da licença do cargo por período indeterminado, o tema central do debate de hoje no Supremo Tribunal Federal (STF) será a necessidade ou não de prévia autorização da Câmara Legislativa para decretação da prisão preventiva. Veja o que dizem as partes sobre o tema:

Defesa

A Lei Orgânica do Distrito Federal estabelece que a abertura de ação penal contra governador do Distrito Federal depende de prévia autorização de dois terços da Câmara Legislativa, ou seja, voto de 16 dos 24 deputados distritais. O raciocínio é de quem pode mais (autorizar início do processamento da ação penal), pode menos (decretação da prisão). Na avaliação dos advogados, a prisão de um homem público, com mandato eletivo, é ainda mais grave do que a própria ação penal porque antecipa uma punição que só ocorreria em caso de condenação, depois da tramitação do processo com licença dos deputados distritais.

No aditivo ao habeas corpus protocolado pelos advogados, consta posições dessa natureza defendidas no Superior Tribunal de Justiça (STJ) pelos ministros Nilson Naves, Teori Zavascki, Castro Meira e João Otávio de Noronha. Os advogados questionam: “Se o processo for obstado mais adiante, do que terá servido a prisão preventiva? O investigado terá ficado preso, inclusive com prejuízo do exercício de seu cargo, inutilmente?”. Em seu voto, em 11 de fevereiro, Zavascki considerou que se tratava de decisão gravíssima. Ele considerou que a prisão preventiva não pode ser decretada quando a instauração da ação penal futura é incerta.

Ministério Público Federal

A questão da prévia licença da Câmara Legislativa para decretação da prisão preventiva de governador foi discutida pelo Conselho Especial do STJ, no dia da prisão do governador José Roberto Arruda. Dos 15 ministros que participaram do julgamento, 11 consideraram que não há necessidade de licença dos deputados distritais para essa finalidade, uma vez que a prisão preventiva ocorre ainda numa fase preliminar do processo, durante a investigação, justamente para resguardar a coleta de provas que poderá fundamentar no futuro a ação penal.

Para o Ministério Público, se a Constituição Federal e a Lei Orgânica do DF permitem a abertura de investigação contra o governador sem prévia autorização da Câmara Legislativa, fica claro que a prisão preventiva, medida cautelar prevista para garantir o inquérito, não dependeria também do crivo político. Um ponto defendido pela Procuradoria-Geral da República e confirmado pelo ministro Marco Aurélio Mello é o de que a proibição de prisão de governador estava prevista na Lei Orgânica do DF, mas foi derrubada em ação direta de inconstitucionalidade julgada pelo próprio Supremo Tribunal Federal.

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