GRÃO MESTRE
Ferreira Leite, acusado de desviar verba do Tribunal para a maçonaria; abaixo, a sede da entidade, em Cuiabá
Ferreira Leite, acusado de desviar verba do Tribunal para a maçonaria; abaixo, a sede da entidade, em Cuiabá
Desembargadores e juízes são afastados sob a acusação de desviar verbas da Justiça para a ordem
Ana Aranha e Danilo Venticinque
Por dois anos, entre 2003 e 2005, era difícil discernir, dentro do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, quem era da hierarquia do Judiciário de quem era da cúpula da maçonaria no Estado. O desembargador José Ferreira Leite era presidente do tribunal e grão-mestre da ordem maçônica. Os juízes Horácio da Silva Neto e Marcelo Barros, auxiliares de Ferreira no tribunal, eram também seus assessores jurídicos na maçonaria. E os juízes Irênio Lima Fernandes e Marcos Aurélio dos Reis Ferreira, ocupavam, respectivamente, os cargos de presidente do Tribunal Eleitoral Maçônico e deputado da Assembleia Legislativa Maçônica.
Desde terça-feira passada, eles se encontram apenas na maçonaria. Todos foram afastados de suas funções pelo Conselho Nacional de Justiça, junto com outros dois desembargadores e três juízes. Foi a maior punição coletiva aplicada a magistrados. Eles são acusados de desviar para a maçonaria mais de R$ 1,4 milhão do Tribunal de Justiça do Mato Grosso.
O processo do CNJ revela como a mistura entre público e privado teria criado condições para o esquema. Segundo a acusação, o grupo agia para cobrir um rombo milionário gerado pela quebra de uma cooperativa de crédito da maçonaria. Criada em 2003, as cotas foram adquiridas por maçons do Mato Grosso, entre eles membros do Judiciário. A cooperativa durou pouco mais de um ano e foi descredenciada pelo Banco Central por falta de liquidez. Para reparar o prejuízo, os magistrados teriam recorrido à liberação de verbas do TJ, com a autorização de Ferreira Leite. Os créditos eram justificados como benefícios atrasados, como auxílio-transporte e moradia, pagos com correção monetária. Um privilégio a que apenas esse grupo tinha acesso. Só em janeiro de 2005, 14 compensações dessa natureza, somando R$ 1 milhão, caíram na conta dos juízes e desembargadores ligados à maçonaria ou a Ferreira Leite. Ao receber o dinheiro, os beneficiados fariam empréstimos à entidade maçônica, supostamente a pedido de Ferreira Leite.
O CNJ investiga outra acusação sobre as ligações entre a maçonaria e a Justiça do Mato Grosso. A denúncia que desencadeou o processo sobre a cooperativa de crédito trazia informações sobre um suposto superfaturamento e desvio de materiais da obra do Fórum de Cuiabá para a construção da sede da maçonaria no estado. Segundo a denúncia, Ferreira Leite também estaria por trás desse esquema. Ele nega. “Como maçom, contribuí com o fundo para a construção da sede. Como desembargador, nunca utilizei meu cargo para arrecadar”. Ele diz que a sede foi construída com a contribuição dos maçons, que somaram R$ 1,8 milhão, e a venda de imóveis da entidade.
A punição aos dez magistrados foi a aposentadoria compulsória, a pena máxima de processos administrativos que o CNJ pode julgar. Mesmo afastados, continuarão a receber. “É um paradoxo. Uma pena que, na verdade, é um prêmio”, afirma Ives Gandra Martins, conselheiro do CNJ e relator do processo. “A punição máxima deveria ser a perda do cargo, mas isso depende da mudança da lei da magistratura”. Enquanto a lei não muda, uma punição mais severa depende de inquérito criminal que investiga peculato, apropriação de dinheiro público. A pena é de dois a 12 anos de prisão, mas não se aplica a réus primários. Se condenados, os magistrados maçons podem seguir livres para continuar o trabalho na entidade privada – mas sem a aposentadoria pública.
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