Não conheço missão maior e mais nobre que a de dirigir as inteligências jovens e preparar os homens do futuro disse Dom Pedro II

domingo, 7 de fevereiro de 2010

CPI colheu 25 mil denúncias de abuso contra crianças e adolescentes no Pará em cinco anos

 
 
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pedofilia da Assembleia Legislativa do Pará chega á reta final com 25 mil denúncias de abuso contra crianças e adolescentes no Pará catalogadas entre 2005 e 2009, boa parte delas nos municípios situados na Ilha de Marajó.

A CPI confirmou que, nesse tipo de crime, praticado entre quatro paredes, sem testemunha e sem flagrante, o abusador geralmente tem relação de poder ou parentesco com a vítima. Pelos constrangimentos causados, o número real de casos pode ser bem maior do que os registrados. A estimativa é que apenas um em cada quatro casos seja denunciado no Pará.

A comissão verificou que o abuso sexual é um crime familiar e masculino. “Cerca de 80% dos casos identificados no Pará foram praticados pelo pai, padrasto, avô, tio, irmão, e isso gera um constrangimento para se impetrar a denúncia. Para cada registro desse, há, segundo uma convenção nacional, pelos menos quatro ou cinco crimes não registrados. Vamos chegar a uma estimativa de mais de 100 mil casos de abuso de menores aqui no Pará nos últimos cinco anos. É um dado assustador”, afirmou o relator da CPI, deputado estadual Arnaldo Jordy (PPS-PA).

Em termos de posição social, os abusadores do Pará não têm perfil definido. Várias denúncias revelam o envolvimento de agentes públicos que deveriam zelar pela proteção das crianças e adolescentes.

“O perfil desse abusador não tem um estereótipo definido. Já investigamos um caso de deputado, que acabou renunciando para não ser cassado, já tivemos prefeito, vereador, empresário, peão, letrado, analfabeto, gente de família tradicional, professor, padre, pastor, policial militar. Teve também o irmão da governadora denunciado pela mãe da vítima. Ele foi ouvido duas vezes na CPI”, diz Jordy.

Segundo o parlamentar, o constrangimento gerado pelo abuso se torna mais grave quando há uma dependência da vítima e de outros parentes em relação ao abusador. A fragilidade econômica acaba como impulsionadora do silêncio que, ao lado da ineficiência do Estado, faz perpetuar a impunidade.

Jordy citou a situação hipotética de uma família carente, na qual uma mãe que tem três filhos toma conhecimento de que uma de suas filhas foi abusada pelo padrasto. Além da relação afetiva com o agressor, a mulher tem uma dependência econômica, porque geralmente ele é o provedor, sustenta a casa, a comida, a luz, a água e o gás.

[SAIBAMAIS]“Como ela vai fazer? O Estado está falido e não tem uma casa abrigo ou de passagem para receber a vítima com sua mãe, para ela pensar o que fazer da vida. Há muitos casos em que a mãe silencia, trinca os dentes, afoga o seu pranto e convive com a situação para não denunciar o companheiro, jogando a sujeira para debaixo do tapete e até reprimindo a criança. Mas os traumas são irreversíveis, não se apagam facilmente”, descreve o parlamentar.

Jordy confirmou que o problema é mais grave na Ilha de Marajó, onde estão alguns dos municípios paraenses com os mais baixos índices de desenvolvimento humano.

“Onde tem precariedade econômica, dependência e miséria, nessas camadas se agrava [o problema]. No Marajó já apareceu mulher vendendo sua filha numa noite por duas ou três cervejas ou dando a menina por R$ 500. Há também a impunidade da sociedade. Quando tem um cara poderoso, com dinheiro e bom advogado, maior é a impunidade pelo tráfico de influência e pela corrupção”, assinala.

O parlamentar, entretanto, não aceita a tese de que o aumento de denúncias indique um problema de ordem cultural do Norte do país, fruto de uma postura machista na família. Para ele, basta a eficiência de políticas públicas para pôr fim ao problema.

“É um elemento que pode ser superado se o Estado der prioridade, se tiver políticas públicas para denunciar, se a sociedade tiver informação suficiente e quebrar o tabu deste debate com crianças e adolescentes vulneráveis a esse tipo de abordagem. Não se trata de um elemento meramente cultural.”

Na capital, Belém, as denúncias são igualmente graves. Por ano, mais de 60 crianças de até 2 anos são vítimas de abuso sexual e metade delas faz cirurgia de recomposição de órgãos e tecidos.

No próximo dia 25, a CPI da Pedofilia no Pará apresentará relatório com as denúncias e sugestões de como combater o crime e acelerar as investigações. O documento também vai abordar a prevenção de crimes, assim como a estruturação e o funcionamento de órgãos públicos na proteção de crianças e adolescentes.

O texto será remetido ao Ministério Público, á governadora Ana Júlia Carepa (PT) e ao Tribunal de Justiça. Segundo o relator, também serão cobradas providências do Poder Público municipal. “Temos que exigir dos prefeitos um apoio mais consistente aos conselhos tutelares. Você não pode imaginar um conselho que não tenha um telefone, um computador. Não falo nem de carro, ás vezes se recorre a carro da polícia para fazer um resgate sob risco, mas falo de não ter estrutura. Assistimos a isso de forma torrencial aqui. Estamos anos-luz do que poderia ser admitido como razoável”, afirma Jordy.

A Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Pará instalará uma subcomissão específica para continuar acompanhando denúncias de abuso sexual e monitorando a ação do Poder Público.

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