Paloma Oliveto
Publicação: 05/03/2010 07:00
Publicação: 05/03/2010 07:00
O rotineiro exame de sangue vem com uma alteração. A taxa de glicemia não está tão alta quanto a de um diabético, mas também ultrapassou o limite da normalidade. Pelo menos 7,8% da população brasileira entre 30 e 69 anos encontra-se nesse estágio, um verdadeiro limbo entre o organismo saudável e o diabetes melito, problema que requer acompanhamento médico para não evoluir. Porém, a falta de sintomas e a displicência dos pacientes faz com que eles ignorem a anomalia e sigam adiante, comendo doces, carboidratos e se candidatando fortemente a entrar para o grupo das pessoas que têm resistência à ação da insulina.
Um estudo que será publicado no mês que vem pelo periódico norte-americano American Journal of Preventive Medicine mostra que o problema não é apenas dos brasileiros. Depois de investigar dados de 1.402 adultos pré-diabéticos que participaram da Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição do país, um grupo de médicos ligados a vários órgãos estatais, incluindo o Instituto Nacional de Diabetes dos EUA, descobriu que essas pessoas não tomam precauções adequadas visando evitar a evolução para a doença.
De acordo com os pesquisadores, 29,6% dos americanos com mais de 20 anos são pré-diabéticos, mas apenas 7,3% sabiam disso, e menos da metade dos adultos nessa condição mediram o nível de açúcar no sangue nos últimos três anos. Além disso, apenas 50% dos pré-diabéticos tentaram fazer regime ou exercícios físicos nos 12 meses anteriores à pesquisa, o que mostra o descuido com a própria saúde. O estudo também identificou que os pré-diabéticos tinham mais fatores de risco para doenças cardiovasculares, incluindo excesso de peso e pressão alta.
No Brasil, a quantidade de pessoas no estágio intermediário entre a normalidade e a doença pode ser maior que os 7,8% identificados pelo Censo Nacional de Diabetes. O estudo, promovido pelo Ministério da Saúde, foi realizado há 22 anos e, desde então, apenas iniciativas locais mediram o tamanho do problema. Sem uma ideia de prevalência recente e com falta de informação, os brasileiros correm riscos de se tornarem diabéticos e serem vítimas de complicações, como infecções recorrentes, cegueira, doenças cardíacas e mesmo morte, caso não tratadas.
Estágio inicial
O presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes e do Departamento de Diabetes Melito da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, Saulo Cavalcanti, nem sequer gosta do termo “pré-diabetes”. “Quando se fala ‘pré’, significa que uma coisa não existe ainda. Precisaríamos de um termo mais chamativo”, diz. Em janeiro, ele publicou um artigo em um periódico internacional defendendo que a condição já deve ser considerada uma doença em estágio inicial, pois o nível anormal de glicose pode provocar lesões arteriais e aumentar as taxas lipídicas, independentemente de o paciente já ser ou não portador de diabetes melito.
O exame de sangue é o primeiro passo para a identificação do problema. Quando a pessoa faz o teste em jejum de oito horas, o nível de glicemia não pode ser maior que 99. Acima de 125, significa que tem diabetes melito. “E aí fica essa turminha da coluna do meio, que é chamada de pré-diabética. Por ano, 10% dos pré-diabéticos desenvolvem diabetes melito. No total, 70% terão a doença. Então, não se pode dizer que eles não têm nada”, defende Saulo Cavalcanti.
É consenso entre os médicos brasileiros que os pacientes precisam mudar os hábitos, ajustando o peso e saindo do sedentarismo. Nos EUA, porém, isso não basta. Lá, a Associação de Diabetes apregoa, desde 2008, a prescrição de medicamentos para evitar a evolução da doença. “Eu receito remédio para meus pacientes. É preciso tratar o mais cedo possível. O diabetes é uma doença grave e crônica. Geralmente, quando chega ao consultório, o paciente já está cheio de complicações”, lembra o presidente da SBD.
Cavalcanti diz que o diabetes é uma “doença covarde”, que chega sem apresentar sintomas. Como também não provoca dor, o indivíduo só desconfia que alguma coisa está errada quando o exame de sangue indica uma taxa anormal de glicose. Mesmo assim, por não sentir incômodos, a pessoa acha que não tem motivos para se preocupar. “Estamos mexendo com uma doença que pode demorar 20, 25, 30 anos para se manifestar”, diz o médico.
Filha de uma portadora de diabetes, Terezinha de Jesus de Almeida Stracquadanio, 58 anos, sempre esteve no limiar da pré-diabetes. Há poucos dias, ela fez um novo exame de sangue e constatou que a taxa pulou de 100 para 117. “Antes, eu me preocupava pouco. Mas, na minha idade, não posso mais brincar. Uma luzinha vermelha acendeu”, diz.
Terezinha está com a consulta médica agendada. Como a mãe tinha a doença, ela já sabe como é o controle das taxas e, por conta própria, mede com um aparelho o nível de glicemia diariamente. “Já me considero diabética”, diz. Antes do resultado do exame, a aposentada, que tem formação em biomedicina, já se exercitava: faz natação e corre. Porém, admite que andou exagerando nos doces e, de vez em quando, tomava uma cervejinha. Itens que, agora, estão cortados do cardápio. Ela espera perder 5kg, mas diz que está tranquila mesmo diante da possibilidade de ter a doença. “É o estágio natural das coisas”, afirma.
» Palavra de especialista
Opte pelos integrais
Os pré-diabéticos devem evitar doces, carboidratos simples, batata e pão francês, e dar preferência aos alimentos integrais. Eles têm fibras, que diminuem a absorção de açúcar no organismo, ao mesmo tempo que saciam. Com isso, sente-se menos fome. A fibra também acelera o metabolismo do intestino. Sucos de laranja, melancia e abacaxi, por conterem muito açúcar, devem ser evitados. Melhor substituir por maracujá e limão. Quanto às bebidas alcoólicas, a recomendação é um máximo de um copo de cerveja ou uma taça de vinho por dia para mulheres, e uma lata de cerveja ou duas taças de vinho para os homens. E é preciso se exercitar para queimar os triglicérides. Quando a pessoa come muito açúcar, os depósitos de gordura do organismo ficam cheios, e os triglicérides vão parar no sangue. Depois de 40 minutos de atividade física, o músculo começa a gastar triglicérides para funcionar, daí a importância de não ser sedentário.
Lívia Zimmerman é membro da diretoria da Associação Brasileira de Nutrologia
» Curva glicêmica
Um dos exames que os pré-diabéticos precisam fazer é o da curva glicêmica, indicado para pessoas que estão com os níveis acima do normal ou que possuam fatores de risco (veja quadro). O médico Ivan Ferraz, membro do Departamento de Diabetes da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, explica que o teste pode confirmar ou descartar a condição de pré-diabetes e ainda diagnosticar o diabetes melito, mesmo que o primeiro exame de sangue comum não tenha indicado anomalias.
A curva é feita em laboratório, com o paciente em jejum há oito horas. Depois da primeira amostra colhida, ele toma uma solução de água com açúcar e fica em repouso por 120 minutos. Passado esse tempo, o exame é refeito. Se o resultado for maior ou igual a 200, a pessoa está com diabetes melito. A condição de pré-diabetes é caracterizada pela taxa de 140 a 199. Já se der menos de 139, o paciente pode ficar tranquilo, pois não está sequer no estágio que pode desencadear a doença.
Ivan Ferraz explica que a curva pode ser negativa para pessoas cujo exame anterior acusou pré-diabetes porque, às vezes, embora o nível de glicemia ultrapasse os valores de referência, pode estar dentro de uma margem de confiança. “O médico também vai analisar outros fatores, como obesidade e casos na família”, diz.
Assim como o presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes, Saulo Cavalcanti, ele é favorável ao uso de medicamentos por pessoas pré-diabéticas. “Uma pesquisa canadense com mais de mil pré-diabéticos mostrou que, comparando com os que não tomaram remédio, os pacientes que tiveram intervenção terapêutica evoluíram menos para o diabetes. Embora não haja consenso, eu já recomendo medicamento para os pacientes. Acho que, em pouco tempo, o tratamento vai ser incorporado no Brasil”, diz.
Segundo ele, falar em cura é complicado, tendo em vista que o pré-diabetes não é considerado uma doença. Porém, é possível reverter o quadro. “Se você pega um paciente de 140kg com glicose 108, que faz a curva glicêmica e dá 160, ele não é diabético, mas também não é normal, tem intolerância glicídica. Mas, se perder 40kg, as taxas podem voltar ao normal. Então, podemos, sim, dizer que ele vai ficar curado”, afirma. (PO)
Leia uma publicação da Sociedade Brasileira de Diabetes
Um estudo que será publicado no mês que vem pelo periódico norte-americano American Journal of Preventive Medicine mostra que o problema não é apenas dos brasileiros. Depois de investigar dados de 1.402 adultos pré-diabéticos que participaram da Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição do país, um grupo de médicos ligados a vários órgãos estatais, incluindo o Instituto Nacional de Diabetes dos EUA, descobriu que essas pessoas não tomam precauções adequadas visando evitar a evolução para a doença.
De acordo com os pesquisadores, 29,6% dos americanos com mais de 20 anos são pré-diabéticos, mas apenas 7,3% sabiam disso, e menos da metade dos adultos nessa condição mediram o nível de açúcar no sangue nos últimos três anos. Além disso, apenas 50% dos pré-diabéticos tentaram fazer regime ou exercícios físicos nos 12 meses anteriores à pesquisa, o que mostra o descuido com a própria saúde. O estudo também identificou que os pré-diabéticos tinham mais fatores de risco para doenças cardiovasculares, incluindo excesso de peso e pressão alta.
No Brasil, a quantidade de pessoas no estágio intermediário entre a normalidade e a doença pode ser maior que os 7,8% identificados pelo Censo Nacional de Diabetes. O estudo, promovido pelo Ministério da Saúde, foi realizado há 22 anos e, desde então, apenas iniciativas locais mediram o tamanho do problema. Sem uma ideia de prevalência recente e com falta de informação, os brasileiros correm riscos de se tornarem diabéticos e serem vítimas de complicações, como infecções recorrentes, cegueira, doenças cardíacas e mesmo morte, caso não tratadas.
Estágio inicial
O presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes e do Departamento de Diabetes Melito da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, Saulo Cavalcanti, nem sequer gosta do termo “pré-diabetes”. “Quando se fala ‘pré’, significa que uma coisa não existe ainda. Precisaríamos de um termo mais chamativo”, diz. Em janeiro, ele publicou um artigo em um periódico internacional defendendo que a condição já deve ser considerada uma doença em estágio inicial, pois o nível anormal de glicose pode provocar lesões arteriais e aumentar as taxas lipídicas, independentemente de o paciente já ser ou não portador de diabetes melito.
O exame de sangue é o primeiro passo para a identificação do problema. Quando a pessoa faz o teste em jejum de oito horas, o nível de glicemia não pode ser maior que 99. Acima de 125, significa que tem diabetes melito. “E aí fica essa turminha da coluna do meio, que é chamada de pré-diabética. Por ano, 10% dos pré-diabéticos desenvolvem diabetes melito. No total, 70% terão a doença. Então, não se pode dizer que eles não têm nada”, defende Saulo Cavalcanti.
É consenso entre os médicos brasileiros que os pacientes precisam mudar os hábitos, ajustando o peso e saindo do sedentarismo. Nos EUA, porém, isso não basta. Lá, a Associação de Diabetes apregoa, desde 2008, a prescrição de medicamentos para evitar a evolução da doença. “Eu receito remédio para meus pacientes. É preciso tratar o mais cedo possível. O diabetes é uma doença grave e crônica. Geralmente, quando chega ao consultório, o paciente já está cheio de complicações”, lembra o presidente da SBD.
Cavalcanti diz que o diabetes é uma “doença covarde”, que chega sem apresentar sintomas. Como também não provoca dor, o indivíduo só desconfia que alguma coisa está errada quando o exame de sangue indica uma taxa anormal de glicose. Mesmo assim, por não sentir incômodos, a pessoa acha que não tem motivos para se preocupar. “Estamos mexendo com uma doença que pode demorar 20, 25, 30 anos para se manifestar”, diz o médico.
Filha de uma portadora de diabetes, Terezinha de Jesus de Almeida Stracquadanio, 58 anos, sempre esteve no limiar da pré-diabetes. Há poucos dias, ela fez um novo exame de sangue e constatou que a taxa pulou de 100 para 117. “Antes, eu me preocupava pouco. Mas, na minha idade, não posso mais brincar. Uma luzinha vermelha acendeu”, diz.
Terezinha está com a consulta médica agendada. Como a mãe tinha a doença, ela já sabe como é o controle das taxas e, por conta própria, mede com um aparelho o nível de glicemia diariamente. “Já me considero diabética”, diz. Antes do resultado do exame, a aposentada, que tem formação em biomedicina, já se exercitava: faz natação e corre. Porém, admite que andou exagerando nos doces e, de vez em quando, tomava uma cervejinha. Itens que, agora, estão cortados do cardápio. Ela espera perder 5kg, mas diz que está tranquila mesmo diante da possibilidade de ter a doença. “É o estágio natural das coisas”, afirma.
» Palavra de especialista
Opte pelos integrais
Os pré-diabéticos devem evitar doces, carboidratos simples, batata e pão francês, e dar preferência aos alimentos integrais. Eles têm fibras, que diminuem a absorção de açúcar no organismo, ao mesmo tempo que saciam. Com isso, sente-se menos fome. A fibra também acelera o metabolismo do intestino. Sucos de laranja, melancia e abacaxi, por conterem muito açúcar, devem ser evitados. Melhor substituir por maracujá e limão. Quanto às bebidas alcoólicas, a recomendação é um máximo de um copo de cerveja ou uma taça de vinho por dia para mulheres, e uma lata de cerveja ou duas taças de vinho para os homens. E é preciso se exercitar para queimar os triglicérides. Quando a pessoa come muito açúcar, os depósitos de gordura do organismo ficam cheios, e os triglicérides vão parar no sangue. Depois de 40 minutos de atividade física, o músculo começa a gastar triglicérides para funcionar, daí a importância de não ser sedentário.
Lívia Zimmerman é membro da diretoria da Associação Brasileira de Nutrologia
» Curva glicêmica
Um dos exames que os pré-diabéticos precisam fazer é o da curva glicêmica, indicado para pessoas que estão com os níveis acima do normal ou que possuam fatores de risco (veja quadro). O médico Ivan Ferraz, membro do Departamento de Diabetes da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, explica que o teste pode confirmar ou descartar a condição de pré-diabetes e ainda diagnosticar o diabetes melito, mesmo que o primeiro exame de sangue comum não tenha indicado anomalias.
A curva é feita em laboratório, com o paciente em jejum há oito horas. Depois da primeira amostra colhida, ele toma uma solução de água com açúcar e fica em repouso por 120 minutos. Passado esse tempo, o exame é refeito. Se o resultado for maior ou igual a 200, a pessoa está com diabetes melito. A condição de pré-diabetes é caracterizada pela taxa de 140 a 199. Já se der menos de 139, o paciente pode ficar tranquilo, pois não está sequer no estágio que pode desencadear a doença.
Ivan Ferraz explica que a curva pode ser negativa para pessoas cujo exame anterior acusou pré-diabetes porque, às vezes, embora o nível de glicemia ultrapasse os valores de referência, pode estar dentro de uma margem de confiança. “O médico também vai analisar outros fatores, como obesidade e casos na família”, diz.
Assim como o presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes, Saulo Cavalcanti, ele é favorável ao uso de medicamentos por pessoas pré-diabéticas. “Uma pesquisa canadense com mais de mil pré-diabéticos mostrou que, comparando com os que não tomaram remédio, os pacientes que tiveram intervenção terapêutica evoluíram menos para o diabetes. Embora não haja consenso, eu já recomendo medicamento para os pacientes. Acho que, em pouco tempo, o tratamento vai ser incorporado no Brasil”, diz.
Segundo ele, falar em cura é complicado, tendo em vista que o pré-diabetes não é considerado uma doença. Porém, é possível reverter o quadro. “Se você pega um paciente de 140kg com glicose 108, que faz a curva glicêmica e dá 160, ele não é diabético, mas também não é normal, tem intolerância glicídica. Mas, se perder 40kg, as taxas podem voltar ao normal. Então, podemos, sim, dizer que ele vai ficar curado”, afirma. (PO)
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