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domingo, 15 de abril de 2012

GREVE NO RIO - obras paradas, insatisfação em alta. Local é um barril de pólvora

Em greve, trabalhadores se queixam de falta de alojamento, salário baixo, comida ruim e dificuldade para visitar a família
Bruno Villas Bôas


Operários do COMPERJ de outros estados têm que pagar aluguel: são nove numa casa e dois são obrigados a dormir em redes na varanda
Agência O Globo / Rafael de Andrade


ITABORAÍ
- O clima crescente de insatisfação começa a tomar conta do canteiro de obras do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) e a preocupar autoridades. Localizado a menos de uma hora do Centro do Rio, o empreendimento tem sido alvo de denúncias normalmente só vistas nas regiões mais remotas do país: falta de alojamentos adequados, alimentação ruim, descumprimento de “baixas de campo” (folga a trabalhadores de outros estados), salários desiguais para mesmas funções e agenciamento pelos chamados “gatos”, comuns nos flagrantes de trabalho escravo na zona rural. Na última semana, 15 mil trabalhadores cruzaram os braços por um aumento de 12% no piso salarial de R$ 860 e de 42% no vale alimentação, atualmente em R$ 210.


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O clima ficou mais tenso na última quarta-feira, quando carros de funcionários da Petrobras foram atacados, sem feridos, num piquete de cinco mil grevistas na Rodovia Tanguá (RJ-116), uma das vias de acesso às obras do complexo.

Segundo especialistas, a onda de greves que se espalhou em grandes canteiros país afora nas últimas semanas — como canteiros de estádios da Copa na Bahia e no Ceará, além da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará — mostra as dificuldades das empresas em administrar grandes obras e dar condições necessárias para atender às migrações de mão de obra que elas provocam.

Agenciadores prometem “mundos e fundos”
João Benigno, natural de Pinheiro, no Maranhão, foi chamado por uma agência de emprego em sua cidade natal para trabalhar de pedreiro numa das empreiteiras que atuam no Comperj, com salário de R$ 1.302 e alojamento no Rio. O salário está sendo pago. O alojamento, não. Segundo Benigno, a empresa informou que houve um equívoco da agência que o sondou. Ele gasta agora R$ 400 de aluguel para morar em Itaboraí, na região metropolitana do Rio, próximo do canteiro.

— Vim porque o salário é maior do que em Pinheiro, de R$ 700. Tenho mãe, pai e irmã no Maranhão. Vou esperar o fim da greve. Dependendo de como terminar, vou decidir se fico ou volto — conta ele.

Já o goiano Glenio das Dores Ferreira, que trabalha na área de montagem, queixa-se que não recebeu reembolso prometido das passagens para vir ao Rio trabalhar nas obras:

— Quando chamam a gente para trabalhar aqui, prometem muita coisa. Quando a gente chega, tudo muda.

Segundo Luiz Augusto Rodrigues, secretário-geral do Sindicato dos Trabalhadores da Construção, Montagem, Manutenção e Mobiliário de São Gonçalo, Itaboraí e Região (Sinticom), os funcionários chamados por “gatos” — como são chamados os agenciados de mão de obra — são maioria nas obras do Comperj.

— As empreiteiras preferem gente treinada, acostumada com trabalho pesado, e trouxeram muita gente de fora para a obra. Essas pessoas estão tendo uma série de direitos desrespeitados, o que gera insatisfação e tensão — diz Rodrigues.

Sem alojamento adequado oferecido pelas empresas, os trabalhadores do Comperj se instalaram por conta própria em Itaboraí e outros municípios da região, como Cachoeiras de Macacu, Magé e São Gonçalo. Moradores construíram “puxadinhos” no terreno de suas casas e passaram a alugá-los. No bairro de Vila Rica, em Itaboraí, há quase um ano, nove conterrâneos de Tabuleiro do Norte, município no Ceará, dividem uma casa de dois cômodos e um banheiro. Dois dormem em redes, na varanda. E como há muita gente na casa, às vezes, são obrigados a usar um bueiro como banheiro. Há um fogão e uma geladeira antigos, com a porta fechada por uma amarração de fios. Eles pagam R$ 580 de aluguel do próprio bolso.

— O trabalho não é bom de boca (o salário não é suficiente para se manter e mandar dinheiro para família) e a gente não consegue juntar dinheiro. Deixei mulher e filho no Ceará. Tem que sobrar para mandar para eles. Mas não penso em voltar agora. Estamos acostumados a viver no mundo — diz o cearense Sandro Maia, que trabalha na carpintaria do Comperj.

Para Atnágoras Lopes, coordenador da Central Sindical Popular Conlutas, a desilusão dos trabalhadores do Comperj é também sentida em obras como da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Embora não haja o mesmo grau de isolamento do trabalhador, ele explica que existem semelhanças com o trabalho degradante.

— Em obras urbanas, como o Comperj, essa condição não é vista geralmente no canteiro ou nos alojamentos próprios das empresas, mas de forma indireta, nos operários que precisam se virar por conta própria — explica Lopes, que acompanhou os conflitos de Belo Monte e passou a semana no Rio, na greve no Comperj. — Os empregadores precisam rever as relações de trabalho nos canteiros.

Para empresas, não existem irregularidades
O cearense David Alves, de 36 anos, veio para o Rio há cerca de um ano trabalhar como armador nas obras do complexo da Petrobras. Ele afirma que, deste então, não recebeu “baixa de campo” e a passagem aérea, um direito de trabalhadores de outros estados. Para piorar, o contracheque de março veio com descontos de 30% por causa das greve no complexo em fevereiro, que foi considerada abusiva pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT):

— Já trabalhei em obras em Alagoas, Rio Grande do Norte, Goiás. Tem obras boas. Em Goiás, voltei com R$ 10 mil no bolso .

Em nota, o Sindemon e o Sinicon, que representam as empreiteiras, dizem desconhecer “qualquer queixa de empregados e de sindicalistas relacionada a irregularidades nos reembolsos de passagens, alojamentos e uso de agenciadores em outros estados”. Sobre alimentação, informam que “em hipótese alguma seriam servidas refeições de má qualidade, pois além de haver cláusula contratual exigindo qualidade, a saúde do trabalhador é primordial”.

Segundo o delegado da 71ª DP (Itaboraí), Wellington Vieira, a criminalidade está aumentando em Itaboraí. E explica que a Polícia Militar não tem efetivo suficiente na região:

— A região está virando um barril de pólvora



Fonte O Globo Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/economia/comperj-obras-paradas-insatisfacao-em-alta-4649596#ixzz1s6nomb8j

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