O Ministério Público pediu à Justiça a quebra do sigilo bancário da Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo (Bancoop) na sexta-feira (6/3). O pedido do promotor José Carlos Blat visa auxiliar na investigação dos dirigentes da cooperativa que estariam envolvidos em esquema de desvio de dinheiro. As informações são da revista Veja.
De acordo com as investigações do MP, as oito mil páginas de transações bancárias da Bancoop feitas entre 2001 e 2008 dão indícios de envolvimento com doações ilegais à campanha eleitoral de Lula em 2002, formando um "caixa dois" para o PT. Nos extratos, o MP identificou saques milionários em dinheiro feitos com cheques emitidos pela própria Bancoop, o que apaga rastros do destino das quantias. Ao menos R$ 31 milhões foram sacados na boca do caixa.
Leia a reportagem:
A casa caiu
O Ministério Público quebra sigilo da Bancoop e descobre que dirigentes da Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo lesaram milhares de associados, para montar um esquema de desvio de dinheiro que abasteceu a campanha de Lula em 2002 e encheu os bolsos de dirigentes do PT. Eles sacaram ao menos 31 milhões de reais na boca do caixa
Por Laura Diniz
Depois de quase três anos de investigação, o Ministério Público de São Paulo finalmente conseguiu pôr as mãos na caixa-preta que promete desvendar um dos mais espantosos esquemas de desvio de dinheiro perpetrados pelo núcleo duro do Partido dos Trabalhadores: o esquema Bancoop. Desde 2005, a sigla para Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo virou um pesadelo para milhares de associados. Criada com a promessa de entregar imóveis 40% mais baratos que os de mercado, ela deixou, no lugar dos apartamentos, um rastro de escombros. Pelo menos 400 famílias movem processos contra a cooperativa, alegando que, mesmo tendo quitado o valor integral dos imóveis, não só deixaram de recebê-los como passaram a ver as prestações se multiplicar a ponto de levá-las à ruína . Agora, começa-se a entender por quê.
Na semana passada, chegaram às mãos do promotor José Carlos Blat mais de 8 000 páginas de registros de transações bancárias realizadas pela Bancoop entre 2001 e 2008. O que elas revelam é que, nas mãos de dirigentes petistas, a cooperativa se transformou num manancial de dinheiro destinado a encher os bolsos de seus diretores e a abastecer campanhas eleitorais do partido. "A Bancoop é hoje uma organização criminosa cuja função principal é captar recursos para o caixa dois do PT e que ajudou a financiar inclusive a campanha de Lula à Presidência em 2002." Na sexta-feira, o promotor pediu à Justiça o bloqueio das contas da Bancoop e a quebra de sigilo bancário daquele que ele considera ser o principal responsável pelo esquema de desvio de dinheiro da cooperativa, seu ex-diretor financeiro e ex-presidente João Vaccari Neto. Vaccari acaba de ser nomeado o novo tesoureiro do PT e, como tal, deve cuidar das finanças da campanha eleitoral de Dilma Rousseff à Presidência.
Um dos dados mais estarrecedores que emergem dos extratos bancários analisados pelo MP é o milionário volume de saques em dinheiro feitos por meio de cheques emitidos pela Bancoop para ela mesma ou para seu banco: 31 milhões de reais só na pequena amostragem analisada. O uso de cheques como esses é uma estratégia comum nos casos em que não se quer revelar o destino do dinheiro. Até agora, o MP conseguiu esquadrinhar um terço das ordens de pagamento do lote de trinta volumes recebidos. Metade desses documentos obedecia ao padrão destinado a permitir saques anônimos. Já outros cheques encontrados, totalizando 10 milhões de reais e compreendidos no período de 2003 a 2005, tiveram destino bem explícito: o bolso de quatro dirigentes da cooperativa, o ex-presidente Luiz Eduardo Malheiro e os ex-diretores Alessandro Robson Bernardino, Marcelo Rinaldo e Tomas Edson Botelho Fraga – os três primeiros mortos em um acidente de carro em 2004 em Petrolina (PE). Eles eram donos da Germany Empreiteira, cujo único cliente conhecido era a própria Bancoop. Segundo o engenheiro Ricardo Luiz do Carmo, que foi responsável por todas as construções da cooperativa, as notas emitidas pela Germany para a Bancoop eram superfaturadas em 20%. A favor da empreiteira, no entanto, pode-se dizer que ela ao menos existia de fato. De acordo com a mesma testemunha, não era o caso da empresa de "consultoria contábil" Mizu, por exemplo, pertencente aos mesmos dirigentes da Bancoop e em cuja contabilidade o MP encontrou, até o momento, seis saídas de dinheiro referentes ao ano de 2002 com a rubrica "doação PT", no valor total de 43 200 reais. Até setembro do ano passado, a lei não autorizava cooperativas a fazer doações eleitorais.
Outro frequente agraciado com cheques da Bancoop tornou-se nacionalmente conhecido na esteira de um dos últimos escândalos que envolveram o partido. Freud "Aloprado" Godoy – ex-segurança das campanhas do presidente Lula, homem "da cozinha" do PT e um dos pivôs do caso da compra do falso dossiê contra tucanos na campanha de 2006 – recebeu, por meio da empresa que dirigia até o ano passado, onze cheques totalizando 1,5 milhão de reais, datados entre 2005 e 2006. Nesse período, a Caso Sistemas de Segurança, nome da sua empresa, funcionava no número 89 da Rua Alberto Frediani, em Santana do Parnaíba, segundo registro da Junta Comercial. Vizinhos dizem que, além da placa com o nome da firma, nada indicava que houvesse qualquer atividade por lá. O único funcionário visível da Caso era um rapaz que vinha semanalmente recolher as correspondências num carro popular azul. Hoje, a Caso se transferiu para uma casa no município de Santo André, na região do ABC.
Depoimentos colhidos pelo MP ao longo dos últimos dois anos já atestavam que o dinheiro da Bancoop havia servido para abastecer a campanha petista de 2002 que levou Lula à Presidência da República . VEJA ouviu uma das testemunhas, Andy Roberto, que trabalhou como segurança da Bancoop e de Luiz Malheiro entre 2001 e 2005. Em depoimento ao MP, Roberto afirmou que Malheiro, o ex-presidente morto da Bancoop, entregava envelopes de dinheiro diretamente a Vaccari, então presidente do Sindicato dos Bancários e indicado como o responsável pelo recolhimento da caixinha de campanha de Lula. Em entrevista a VEJA, Roberto não repetiu a afirmação categoricamente, mas disse estar convicto de que isso ocorria e relatou como, mesmo depois da eleição de Lula, entre 2003 e 2004, quantias semanais de dinheiro continuaram saindo de uma agência Bradesco do Viaduto do Chá, centro de São Paulo, supostamente para o Sindicato dos Bancários, então presidido por Vaccari. "A gente ia no banco e buscava pacotes, duas pessoas escoltando uma terceira." Os pacotes, afirmou, eram entregues à secretária de Luiz Malheiro, que os entregava ao chefe. "Quando essas operações aconteciam, com certeza, em algum horário daquele dia, o Malheiro ia até o Sindicato dos Bancários. Ou, então, se encontrava com o Vaccari em algum lugar."
Os depoimentos colhidos pelo MP indicam que o esquema de desvio de dinheiro da Bancoop obedeceu a uma trajetória que já se tornou um clássico petista. Começou para abastecer campanhas eleitorais do partido e acabou servindo para atender a interesses particulares de petistas. Entre os cheques em poder do MP, por exemplo, está um em que a empresa Mizu, de "consultoria contábil", doa 7 000 reais a um certo Centro Espírita Redenção, em 2003. Muitas vezes, dirigentes da Bancoop nem se preocuparam em usar as empresas "prestadoras de serviços" que montaram com o objetivo de sugar a coo-perativa para esconder sua ganância. O MP encontrou quatro cheques da Bancoop, totalizando 35 000 reais, para uma ONG de Luiz Malheiro em São Vicente dedicada a deficientes auditivos – curiosamente, o mesmo endereço do centro espírita. Os cheques foram emitidos entre novembro de 2003 e março de 2005.
Tanta lambança, aliada a uma gestão ruinosa, fez com que a Bancoop mergulhasse num estado de pré-liquidação. Em 2004, com Lula já eleito, Luiz Malheiro foi pedir ao "chefe" Berzoini, então ministro do Trabalho, "ajuda" para reerguer a cooperativa. Quem relatou o episódio ao MP foi seu irmão, Hélio Malheiro. Em 2008, dizendo-se sob ameaça de morte, Hélio Malheiro ingressou no Programa de Proteção à Testemunhas da secretaria estadual de justiça de São Paulo, no qual se encontra até hoje. Em dezembro de 2004, depois que Luiz Malheiro já havia morrido, a "ajuda" chegou à Bancoop. Com apoio de Berzoini e corretagem da Planner (investigada pela CPI dos Correios sob a acusação de ter causado um prejuízo de 4 milhões de reais ao fundo de pensão da Serpro), a cooperativa associou-se a um Fundo de Investimentos em Direito Creditórios (FIDC), entidade que negocia recebíveis, e captou 43 milhões de reais no mercado – 85% dos papéis foram adquiridos por fundos de pensão de estatais controlados por petistas ligados ao grupo de Berzoini e Vaccari. O investimento resultou na abertura de um inquérito pela Polícia Federal por suspeita de que os fundos de pensão teriam sido prejudicados para favorecer a Bancoop.
João Vaccari Neto é do tipo que se orgulha de ser chamado de "um petista histórico", o que, no jargão do partido, significa, entre outras coisas, que ganhou boa parte da vida dirigindo entidades de classe e do partido. Aos 19 anos, começou a trabalhar como escriturário do Banespa. Ficou lá apenas dois anos. Depois disso, entrou no sindicato de sua categoria e nunca mais pegou no pesado. Participou de três diretorias da Central Única dos Trabalhadores (CUT), foi secretário de relações internacionais da entidade e presidiu o Dieese. Atuou sempre como braço de apoio de Berzoini, a quem sucedeu na presidência do Sindicato dos Bancários de São Paulo em 1998. Apesar de não ter a projeção política do amigo, Vaccari conquistou a amizade de Lula, coisa que Berzoini jamais conseguiu obter. Vaccari, como mostra agora a investigação do MP, tem mais em comum com seu antecessor, Delúbio Soares, do que a barba grisalha. E, como Freud Godoy, está mergulhado até os últimos e ralos fios de cabelo no escândalo dos aloprados (veja o quadro abaixo).
Há duas semanas, um juiz de primeira instância contrariou de-cisão do Tribunal Superior Eleitoral e determinou a cassação do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, por suposto recebimento ilegal de doação de campanha. A sentença, que colocou em risco a segurança jurídica, foi suspensa. Na semana passada, o TSE divulgou as regras que vão orientar as eleições deste ano. São medidas moralizadoras, que incluem a obrigatoriedade da divulgação de quaisquer processos ou acusações criminais que pesem sobre o candidato e que dificultam manobras de doadores que tenham por finalidade esconder a origem do dinheiro. Tudo isso mostra quanto o país está interessado em aprimorar seu sistema de financiamento eleitoral e proteger-se dos efeitos tão deletérios como conhecidos que sua distorção pode causar. Ao indicar pessoalmente alguém com o prontuário de João Vaccari para tomar conta das finanças do PT e da campanha eleitoral de Dilma Rousseff, o presidente Lula sinaliza que, ao contrário do resto do Brasil, não está nem um pouco empenhado em colaborar na faxina.
Uma pergunta que continua no ar
Quem deu o dinheiro para o dossiê dos aloprados? Entre os envolvidos, Vaccari era o único sentado numa montanha de reais
João Vaccari Neto e Freud Godoy, envolvidos agora no esquema Bancoop, já atuaram juntos em passado recente. Pelo menos é o que sugere o registro dos telefonemas trocados pela dupla às vésperas do estouro do escândalo dos "aloprados" – como ficaram conhecidos os petistas apontados pela Polícia Federal como integrantes da quadrilha que tentou comprar um dossiê supostamente comprometedor para tucanos durante a campanha presidencial de 2006. No caso de Vaccari, então presidente da Bancoop, os vestígios de participação no caso guardam cheiro de tinta fresca. Foi para ele que Hamilton Lacerda – na ocasião coordenador de comunicação da campanha do senador Aloizio Mercadante – telefonou uma hora antes de fazer a entrega de parte do 1,7 milhão de reais que seria usado para comprar o dossiê.
O episódio teve início quando a família de Luiz Antônio Vedoin, chefe da máfia dos sanguessugas, ofereceu a petistas documentos que supostamente comprometeriam tucanos. Deles, faria parte uma entrevista em que os Vedoin acusariam o candidato do PSDB, José Serra, de envolvimento na máfia que distribuía dinheiro a políticos em troca de emendas ao Orçamento para compras de ambulância. Ricardo Berzoini, então presidente do PT, foi acusado de ter dado a autorização para a compra do dossiê. Valdebran Padilha da Silva, filiado ao PT do Mato Grosso, e Gedimar Pereira Passos, advogado e ex-policial federal, seriam os encarregados de pagar os Vedoin com o dinheiro levado por Hamilton Lacerda. Valdebran e Gedimar foram presos pela PF num hotel Íbis, em São Paulo, depois de terem recebido o dinheiro de Lacerda e antes de entregá-lo aos Vedoin. Jorge Lorenzetti, churrasqueiro do presidente Lula, e Oswaldo Bargas, ex-secretário de Berzoini no Ministério do Trabalho, também estiveram envolvidos no episódio. Eles tentaram negociar com a revista Época uma entrevista em que os Vedoin fariam falsas acusações de corrupção contra Serra. A entrevista acabou sendo publicada pela revista Istoé.
Nas investigações que se seguiram à prisão de Valdebran e Gedimar, a PF identificou uma intensa troca de telefonemas entre os envolvidos, incluindo diversas ligações de Berzoini para a empresa Caso Sistemas de Segurança, hoje em nome da mulher de Freud Godoy. Godoy seria o contato de Gedimar no alto escalão do PT. Quanto a Vaccari, bem, até onde se sabe, era o único dos aloprados que estava sentado sobre uma montanha de dinheiro, a Bancoop. O fato de Hamilton Lacerda ter ligado para ele logo depois de ter cumprido a sua missão faz fervilhar a imaginação dos que até hoje se perguntam: de onde, afinal, veio o dinheiro dos aloprados?
Campanha com verba pública
Por Ronaldo Soares
Com uma trajetória pública marcada pelo populismo, por práticas fraudulentas e até por um processo em que responde por formação de quadrilha armada, o ex-governador Anthony Garotinho (PR-RJ) está enredado em mais um escândalo de corrupção, trazido à tona pelo Ministério Público do Rio de Janeiro na semana passada. O esquema chama atenção por envolver e beneficiar, diretamente, a ele próprio e sua mulher, Rosinha – ambos denunciados com mais 86 nomes, entre eles o da atriz Deborah Secco, todos com os bens bloqueados pela Justiça. A investigação concluiu que, durante os quatro anos do governo de Rosinha, 58 milhões de reais foram surrupiados dos cofres do estado, dos quais 600 000 reais seguiram para o caixa da pré-campanha de Garotinho. Ele planejava sair candidato nas eleições presidenciais de 2006, mas, sob acusações variadas e depois de uma greve de fome que o expôs ao ridículo, acabou fora do páreo. Diz a VEJA o promotor Eduardo Carvalho, à frente do caso: "Poucas vezes numa investigação dessas foi possível rastrear o caminho do dinheiro desviado com tamanha precisão e riqueza de detalhes. Os fatos são irrefutáveis". O próximo passo do Ministério Público será apurar se houve participação de líderes evangélicos no esquema, sobre a qual há indícios.
Já está bem claro, no entanto, de onde as verbas do estado eram subtraídas e como, depois, chegavam à campanha de Garotinho e ao bolso dos demais envolvidos. A operação tinha como ponto de partida a Fundação Escola de Serviço Público (Fesp), órgão do próprio governo estadual ao qual Rosinha autorizou, por lei, contratar serviços terceirizados – repassados a ONGs – para atender às várias secretarias. Essas ONGs, por sua vez, forjavam contratos com empresas, pelo menos três delas de fachada, para executar projetos que jamais saíram do papel. O Ministério Público concluiu que o operador do esquema era Ricardo Secco, pai da atriz Deborah Secco. As contas-correntes dela registram depósitos provenientes de duas dessas empresas, no valor de 321 000 reais. Defende-se a atriz: "Nunca tive nenhum envolvimento com política. De minha parte, estou inteiramente tranquila". Com a denúncia, Garotinho, que até então se apresentava como candidato ao governo do estado, e Rosinha, atual prefeita da cidade de Campos, perigam ter, enfim, seus direitos políticos cassados na próxima década.
O pavor do despejo
"O sindicato sempre foi um defensor da minha classe. Por isso, na hora de fazer um financiamento com eles, não tive dúvidas. Comecei a pagar um apartamento de 45 000 reais em 1997. Suei para honrar as prestações. Vendia coxinha e bolo para complementar a renda. Esse imóvel representava muito para a minha família. Onde morávamos, meus filhos dormiam na sala. Em 2000, quitei o apartamento e nós nos mudamos. Seis anos depois, porém, passei a receber boletos com o valor de 470 reais. Eles diziam que precisavam cobrir gastos excedentes. Até pagaria, se pudesse. Mas a minha renda era de 600 reais. Em 2008, a Bancoop entrou com uma ação de despejo contra mim. Ela não foi concluída, mas, desde então, vivo o pesadelo de eles tirarem o meu único bem material. Durmo sob o efeito de calmantes," diz Maria de Fátima Bonfim, de 55 anos, bancária aposentada.
De acordo com as investigações do MP, as oito mil páginas de transações bancárias da Bancoop feitas entre 2001 e 2008 dão indícios de envolvimento com doações ilegais à campanha eleitoral de Lula em 2002, formando um "caixa dois" para o PT. Nos extratos, o MP identificou saques milionários em dinheiro feitos com cheques emitidos pela própria Bancoop, o que apaga rastros do destino das quantias. Ao menos R$ 31 milhões foram sacados na boca do caixa.
Leia a reportagem:
A casa caiu
O Ministério Público quebra sigilo da Bancoop e descobre que dirigentes da Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo lesaram milhares de associados, para montar um esquema de desvio de dinheiro que abasteceu a campanha de Lula em 2002 e encheu os bolsos de dirigentes do PT. Eles sacaram ao menos 31 milhões de reais na boca do caixa
Por Laura Diniz
Depois de quase três anos de investigação, o Ministério Público de São Paulo finalmente conseguiu pôr as mãos na caixa-preta que promete desvendar um dos mais espantosos esquemas de desvio de dinheiro perpetrados pelo núcleo duro do Partido dos Trabalhadores: o esquema Bancoop. Desde 2005, a sigla para Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo virou um pesadelo para milhares de associados. Criada com a promessa de entregar imóveis 40% mais baratos que os de mercado, ela deixou, no lugar dos apartamentos, um rastro de escombros. Pelo menos 400 famílias movem processos contra a cooperativa, alegando que, mesmo tendo quitado o valor integral dos imóveis, não só deixaram de recebê-los como passaram a ver as prestações se multiplicar a ponto de levá-las à ruína . Agora, começa-se a entender por quê.
Na semana passada, chegaram às mãos do promotor José Carlos Blat mais de 8 000 páginas de registros de transações bancárias realizadas pela Bancoop entre 2001 e 2008. O que elas revelam é que, nas mãos de dirigentes petistas, a cooperativa se transformou num manancial de dinheiro destinado a encher os bolsos de seus diretores e a abastecer campanhas eleitorais do partido. "A Bancoop é hoje uma organização criminosa cuja função principal é captar recursos para o caixa dois do PT e que ajudou a financiar inclusive a campanha de Lula à Presidência em 2002." Na sexta-feira, o promotor pediu à Justiça o bloqueio das contas da Bancoop e a quebra de sigilo bancário daquele que ele considera ser o principal responsável pelo esquema de desvio de dinheiro da cooperativa, seu ex-diretor financeiro e ex-presidente João Vaccari Neto. Vaccari acaba de ser nomeado o novo tesoureiro do PT e, como tal, deve cuidar das finanças da campanha eleitoral de Dilma Rousseff à Presidência.
Um dos dados mais estarrecedores que emergem dos extratos bancários analisados pelo MP é o milionário volume de saques em dinheiro feitos por meio de cheques emitidos pela Bancoop para ela mesma ou para seu banco: 31 milhões de reais só na pequena amostragem analisada. O uso de cheques como esses é uma estratégia comum nos casos em que não se quer revelar o destino do dinheiro. Até agora, o MP conseguiu esquadrinhar um terço das ordens de pagamento do lote de trinta volumes recebidos. Metade desses documentos obedecia ao padrão destinado a permitir saques anônimos. Já outros cheques encontrados, totalizando 10 milhões de reais e compreendidos no período de 2003 a 2005, tiveram destino bem explícito: o bolso de quatro dirigentes da cooperativa, o ex-presidente Luiz Eduardo Malheiro e os ex-diretores Alessandro Robson Bernardino, Marcelo Rinaldo e Tomas Edson Botelho Fraga – os três primeiros mortos em um acidente de carro em 2004 em Petrolina (PE). Eles eram donos da Germany Empreiteira, cujo único cliente conhecido era a própria Bancoop. Segundo o engenheiro Ricardo Luiz do Carmo, que foi responsável por todas as construções da cooperativa, as notas emitidas pela Germany para a Bancoop eram superfaturadas em 20%. A favor da empreiteira, no entanto, pode-se dizer que ela ao menos existia de fato. De acordo com a mesma testemunha, não era o caso da empresa de "consultoria contábil" Mizu, por exemplo, pertencente aos mesmos dirigentes da Bancoop e em cuja contabilidade o MP encontrou, até o momento, seis saídas de dinheiro referentes ao ano de 2002 com a rubrica "doação PT", no valor total de 43 200 reais. Até setembro do ano passado, a lei não autorizava cooperativas a fazer doações eleitorais.
Outro frequente agraciado com cheques da Bancoop tornou-se nacionalmente conhecido na esteira de um dos últimos escândalos que envolveram o partido. Freud "Aloprado" Godoy – ex-segurança das campanhas do presidente Lula, homem "da cozinha" do PT e um dos pivôs do caso da compra do falso dossiê contra tucanos na campanha de 2006 – recebeu, por meio da empresa que dirigia até o ano passado, onze cheques totalizando 1,5 milhão de reais, datados entre 2005 e 2006. Nesse período, a Caso Sistemas de Segurança, nome da sua empresa, funcionava no número 89 da Rua Alberto Frediani, em Santana do Parnaíba, segundo registro da Junta Comercial. Vizinhos dizem que, além da placa com o nome da firma, nada indicava que houvesse qualquer atividade por lá. O único funcionário visível da Caso era um rapaz que vinha semanalmente recolher as correspondências num carro popular azul. Hoje, a Caso se transferiu para uma casa no município de Santo André, na região do ABC.
Depoimentos colhidos pelo MP ao longo dos últimos dois anos já atestavam que o dinheiro da Bancoop havia servido para abastecer a campanha petista de 2002 que levou Lula à Presidência da República . VEJA ouviu uma das testemunhas, Andy Roberto, que trabalhou como segurança da Bancoop e de Luiz Malheiro entre 2001 e 2005. Em depoimento ao MP, Roberto afirmou que Malheiro, o ex-presidente morto da Bancoop, entregava envelopes de dinheiro diretamente a Vaccari, então presidente do Sindicato dos Bancários e indicado como o responsável pelo recolhimento da caixinha de campanha de Lula. Em entrevista a VEJA, Roberto não repetiu a afirmação categoricamente, mas disse estar convicto de que isso ocorria e relatou como, mesmo depois da eleição de Lula, entre 2003 e 2004, quantias semanais de dinheiro continuaram saindo de uma agência Bradesco do Viaduto do Chá, centro de São Paulo, supostamente para o Sindicato dos Bancários, então presidido por Vaccari. "A gente ia no banco e buscava pacotes, duas pessoas escoltando uma terceira." Os pacotes, afirmou, eram entregues à secretária de Luiz Malheiro, que os entregava ao chefe. "Quando essas operações aconteciam, com certeza, em algum horário daquele dia, o Malheiro ia até o Sindicato dos Bancários. Ou, então, se encontrava com o Vaccari em algum lugar."
Os depoimentos colhidos pelo MP indicam que o esquema de desvio de dinheiro da Bancoop obedeceu a uma trajetória que já se tornou um clássico petista. Começou para abastecer campanhas eleitorais do partido e acabou servindo para atender a interesses particulares de petistas. Entre os cheques em poder do MP, por exemplo, está um em que a empresa Mizu, de "consultoria contábil", doa 7 000 reais a um certo Centro Espírita Redenção, em 2003. Muitas vezes, dirigentes da Bancoop nem se preocuparam em usar as empresas "prestadoras de serviços" que montaram com o objetivo de sugar a coo-perativa para esconder sua ganância. O MP encontrou quatro cheques da Bancoop, totalizando 35 000 reais, para uma ONG de Luiz Malheiro em São Vicente dedicada a deficientes auditivos – curiosamente, o mesmo endereço do centro espírita. Os cheques foram emitidos entre novembro de 2003 e março de 2005.
Tanta lambança, aliada a uma gestão ruinosa, fez com que a Bancoop mergulhasse num estado de pré-liquidação. Em 2004, com Lula já eleito, Luiz Malheiro foi pedir ao "chefe" Berzoini, então ministro do Trabalho, "ajuda" para reerguer a cooperativa. Quem relatou o episódio ao MP foi seu irmão, Hélio Malheiro. Em 2008, dizendo-se sob ameaça de morte, Hélio Malheiro ingressou no Programa de Proteção à Testemunhas da secretaria estadual de justiça de São Paulo, no qual se encontra até hoje. Em dezembro de 2004, depois que Luiz Malheiro já havia morrido, a "ajuda" chegou à Bancoop. Com apoio de Berzoini e corretagem da Planner (investigada pela CPI dos Correios sob a acusação de ter causado um prejuízo de 4 milhões de reais ao fundo de pensão da Serpro), a cooperativa associou-se a um Fundo de Investimentos em Direito Creditórios (FIDC), entidade que negocia recebíveis, e captou 43 milhões de reais no mercado – 85% dos papéis foram adquiridos por fundos de pensão de estatais controlados por petistas ligados ao grupo de Berzoini e Vaccari. O investimento resultou na abertura de um inquérito pela Polícia Federal por suspeita de que os fundos de pensão teriam sido prejudicados para favorecer a Bancoop.
João Vaccari Neto é do tipo que se orgulha de ser chamado de "um petista histórico", o que, no jargão do partido, significa, entre outras coisas, que ganhou boa parte da vida dirigindo entidades de classe e do partido. Aos 19 anos, começou a trabalhar como escriturário do Banespa. Ficou lá apenas dois anos. Depois disso, entrou no sindicato de sua categoria e nunca mais pegou no pesado. Participou de três diretorias da Central Única dos Trabalhadores (CUT), foi secretário de relações internacionais da entidade e presidiu o Dieese. Atuou sempre como braço de apoio de Berzoini, a quem sucedeu na presidência do Sindicato dos Bancários de São Paulo em 1998. Apesar de não ter a projeção política do amigo, Vaccari conquistou a amizade de Lula, coisa que Berzoini jamais conseguiu obter. Vaccari, como mostra agora a investigação do MP, tem mais em comum com seu antecessor, Delúbio Soares, do que a barba grisalha. E, como Freud Godoy, está mergulhado até os últimos e ralos fios de cabelo no escândalo dos aloprados (veja o quadro abaixo).
Há duas semanas, um juiz de primeira instância contrariou de-cisão do Tribunal Superior Eleitoral e determinou a cassação do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, por suposto recebimento ilegal de doação de campanha. A sentença, que colocou em risco a segurança jurídica, foi suspensa. Na semana passada, o TSE divulgou as regras que vão orientar as eleições deste ano. São medidas moralizadoras, que incluem a obrigatoriedade da divulgação de quaisquer processos ou acusações criminais que pesem sobre o candidato e que dificultam manobras de doadores que tenham por finalidade esconder a origem do dinheiro. Tudo isso mostra quanto o país está interessado em aprimorar seu sistema de financiamento eleitoral e proteger-se dos efeitos tão deletérios como conhecidos que sua distorção pode causar. Ao indicar pessoalmente alguém com o prontuário de João Vaccari para tomar conta das finanças do PT e da campanha eleitoral de Dilma Rousseff, o presidente Lula sinaliza que, ao contrário do resto do Brasil, não está nem um pouco empenhado em colaborar na faxina.
Uma pergunta que continua no ar
Quem deu o dinheiro para o dossiê dos aloprados? Entre os envolvidos, Vaccari era o único sentado numa montanha de reais
João Vaccari Neto e Freud Godoy, envolvidos agora no esquema Bancoop, já atuaram juntos em passado recente. Pelo menos é o que sugere o registro dos telefonemas trocados pela dupla às vésperas do estouro do escândalo dos "aloprados" – como ficaram conhecidos os petistas apontados pela Polícia Federal como integrantes da quadrilha que tentou comprar um dossiê supostamente comprometedor para tucanos durante a campanha presidencial de 2006. No caso de Vaccari, então presidente da Bancoop, os vestígios de participação no caso guardam cheiro de tinta fresca. Foi para ele que Hamilton Lacerda – na ocasião coordenador de comunicação da campanha do senador Aloizio Mercadante – telefonou uma hora antes de fazer a entrega de parte do 1,7 milhão de reais que seria usado para comprar o dossiê.
O episódio teve início quando a família de Luiz Antônio Vedoin, chefe da máfia dos sanguessugas, ofereceu a petistas documentos que supostamente comprometeriam tucanos. Deles, faria parte uma entrevista em que os Vedoin acusariam o candidato do PSDB, José Serra, de envolvimento na máfia que distribuía dinheiro a políticos em troca de emendas ao Orçamento para compras de ambulância. Ricardo Berzoini, então presidente do PT, foi acusado de ter dado a autorização para a compra do dossiê. Valdebran Padilha da Silva, filiado ao PT do Mato Grosso, e Gedimar Pereira Passos, advogado e ex-policial federal, seriam os encarregados de pagar os Vedoin com o dinheiro levado por Hamilton Lacerda. Valdebran e Gedimar foram presos pela PF num hotel Íbis, em São Paulo, depois de terem recebido o dinheiro de Lacerda e antes de entregá-lo aos Vedoin. Jorge Lorenzetti, churrasqueiro do presidente Lula, e Oswaldo Bargas, ex-secretário de Berzoini no Ministério do Trabalho, também estiveram envolvidos no episódio. Eles tentaram negociar com a revista Época uma entrevista em que os Vedoin fariam falsas acusações de corrupção contra Serra. A entrevista acabou sendo publicada pela revista Istoé.
Nas investigações que se seguiram à prisão de Valdebran e Gedimar, a PF identificou uma intensa troca de telefonemas entre os envolvidos, incluindo diversas ligações de Berzoini para a empresa Caso Sistemas de Segurança, hoje em nome da mulher de Freud Godoy. Godoy seria o contato de Gedimar no alto escalão do PT. Quanto a Vaccari, bem, até onde se sabe, era o único dos aloprados que estava sentado sobre uma montanha de dinheiro, a Bancoop. O fato de Hamilton Lacerda ter ligado para ele logo depois de ter cumprido a sua missão faz fervilhar a imaginação dos que até hoje se perguntam: de onde, afinal, veio o dinheiro dos aloprados?
Campanha com verba pública
Por Ronaldo Soares
Com uma trajetória pública marcada pelo populismo, por práticas fraudulentas e até por um processo em que responde por formação de quadrilha armada, o ex-governador Anthony Garotinho (PR-RJ) está enredado em mais um escândalo de corrupção, trazido à tona pelo Ministério Público do Rio de Janeiro na semana passada. O esquema chama atenção por envolver e beneficiar, diretamente, a ele próprio e sua mulher, Rosinha – ambos denunciados com mais 86 nomes, entre eles o da atriz Deborah Secco, todos com os bens bloqueados pela Justiça. A investigação concluiu que, durante os quatro anos do governo de Rosinha, 58 milhões de reais foram surrupiados dos cofres do estado, dos quais 600 000 reais seguiram para o caixa da pré-campanha de Garotinho. Ele planejava sair candidato nas eleições presidenciais de 2006, mas, sob acusações variadas e depois de uma greve de fome que o expôs ao ridículo, acabou fora do páreo. Diz a VEJA o promotor Eduardo Carvalho, à frente do caso: "Poucas vezes numa investigação dessas foi possível rastrear o caminho do dinheiro desviado com tamanha precisão e riqueza de detalhes. Os fatos são irrefutáveis". O próximo passo do Ministério Público será apurar se houve participação de líderes evangélicos no esquema, sobre a qual há indícios.
Já está bem claro, no entanto, de onde as verbas do estado eram subtraídas e como, depois, chegavam à campanha de Garotinho e ao bolso dos demais envolvidos. A operação tinha como ponto de partida a Fundação Escola de Serviço Público (Fesp), órgão do próprio governo estadual ao qual Rosinha autorizou, por lei, contratar serviços terceirizados – repassados a ONGs – para atender às várias secretarias. Essas ONGs, por sua vez, forjavam contratos com empresas, pelo menos três delas de fachada, para executar projetos que jamais saíram do papel. O Ministério Público concluiu que o operador do esquema era Ricardo Secco, pai da atriz Deborah Secco. As contas-correntes dela registram depósitos provenientes de duas dessas empresas, no valor de 321 000 reais. Defende-se a atriz: "Nunca tive nenhum envolvimento com política. De minha parte, estou inteiramente tranquila". Com a denúncia, Garotinho, que até então se apresentava como candidato ao governo do estado, e Rosinha, atual prefeita da cidade de Campos, perigam ter, enfim, seus direitos políticos cassados na próxima década.
O pavor do despejo
"O sindicato sempre foi um defensor da minha classe. Por isso, na hora de fazer um financiamento com eles, não tive dúvidas. Comecei a pagar um apartamento de 45 000 reais em 1997. Suei para honrar as prestações. Vendia coxinha e bolo para complementar a renda. Esse imóvel representava muito para a minha família. Onde morávamos, meus filhos dormiam na sala. Em 2000, quitei o apartamento e nós nos mudamos. Seis anos depois, porém, passei a receber boletos com o valor de 470 reais. Eles diziam que precisavam cobrir gastos excedentes. Até pagaria, se pudesse. Mas a minha renda era de 600 reais. Em 2008, a Bancoop entrou com uma ação de despejo contra mim. Ela não foi concluída, mas, desde então, vivo o pesadelo de eles tirarem o meu único bem material. Durmo sob o efeito de calmantes," diz Maria de Fátima Bonfim, de 55 anos, bancária aposentada.
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