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segunda-feira, 1 de março de 2010

Brasil deixa de punir quem pratica desvios financeiros e levará bomba de grupo internacional

Pais tem 60,7 mil processos em varas especializadas em apenas 14 estados e no DF
 
Alana Rizzo
Maria Clara Prates
Publicação: 01/03/2010 08:04 Atualização: 01/03/2010 08:24
 
 reprovação do Brasil no processo de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrrorismo pelo Grupo de Ação Financeira Internacional (1) (Gafi), prevista para acontecer em junho, em Amsterdã, na Holanda, é inevitável e de fácil entendimento para qualquer cidadão. Levantamento do número de processos em tramitação nos Tribunais Regionais Federais deixa claro que a aplicação de punição aos réus acusados desse tipo de crime é praticamente impossível no país em razão da falta de estrutura do Judiciário para a análise das ações, além de deficiências na legislação específica. Hoje, são 60,7 mil processos em tramitação nas varas especializadas em lavagem de dinheiro, instaladas em 14 estados e no Distrito Federal, sendo que, em alguns estados, como Minas Gerais, até o fim do ano passado um único juiz era responsável pela instrução de quase 6 mil ações, ou seja, 10% do total no país.

O Gafi produziu o relatório parcial sobre o Brasil depois de ouvir várias pessoas envolvidas no combate ao crime de lavagem de dinheiro. Nele, o grupo cita como exemplo de casos de impunidade a paralisação de ações contra o banqueiro Daniel Dantas, do Grupo Opportunity, e contra a empreiteira Camargo Corrêa, suspensas por determinação das cortes superiores. O relatório do grupo faz menção ainda ao grande escândalo do Banestado, envolvendo remessas ilegais de divisas da ordem US$ 19 bilhões para os Estados Unidos na década de 1990 e descoberta em 2003, mas até hoje sem punições efetivas. O Brasil ainda tem direito de defesa, mas dificilmente reverterá a situação. Na verdade, o puxão de orelhas representará um retrocesso, já que, no passado, o país conseguiu arrancar do rigoroso Gafi um elogio em razão da criação, na Justiça Federal de 1ª instância, das varas especializadas no combate à lavagem de dinheiro.

Questionários
Para fundamentar seu paracer, o Gafi — que tem 40 recomendações para o combate eficaz do crime — preparou relatórios que foram respondidos por representantes de diferentes agências de controle e repressão brasileiros, como o Ministério Público Federal, por meio dos procuradores Carla de Carli, do Rio Grande do Sul, e Vladimir Aras, da Bahia, dois dos integrantes do Grupo de Trabalho em Crimes Financeiros e Lavagem de Dinheiro da Procuradoria da República. Além deles, participaram do trabalho o corregedor do Conselho Nacional de Justiça e ministro do Superior Tribunal de Justiça, Gilson Dipp; o delegado federal Ricardo Saadi chefe da delegacia de Combate aos Crimes Financeiros de São Paulo; o juiz federal Sérgio Moura, responsável pela instrução do caso Banestado; entre outros. Todos os ouvidos agora têm a oportunidade de analisar as conclusões e apresentar seus questionamentos, antes da consolidação final do documento.

Em favor do Brasil, a única mudança de cenário possível é a instalação de mais 230 varas da Justiça Federal em todo o país, a partir do ano que vem. A criação já está aprovada, mas agora um grupo formado por juízes vai decidir quais os estados serão beneficiados. Na verdade, o que se vê é uma guerra nos bastidores em busca de apoio político para a expansão da Justiça Federal nos estados. Em Minas, a reivindicação é que a 4ª Vara da Justiça Federal — especializada em lavagem de dinheiro e a única de um estado com 853 municípios — se torne exclusiva. Além de receber processos de outros crimes, ela também funciona como juizado especial criminal. Até o fim do ano passado, 5.637 ações estavam em tramitação. Agora, com a criação de uma nova vara criminal, o número de processos sobre a lavagem de dinheiro caiu para 1,2 mil. Ainda assim, todos para serem analisados por um único juiz.

Metas específicas
De todas as recomendações do Gafi, o Brasil cumpriu apenas sete. Isso significa dizer que, caso o relatório seja aprovado, ele passará para o regime de follow up, ou seja, passa a ser monitorado, e o país terá que cumprir metas específicas. A queda na conceituação do Gafi , entretanto, pode ter consequências graves, como a redução da credibilidade brasileira nas agências de análise de risco e, ainda, diretamente na vida do cidadão, que pode não ter o paralisamento de obras em razão da negativa de empréstimos internacionais. De acordo com o documento a ser analisado em plenário na Holanda, o grande problema não está na Justiça de 1ª instância e sim nos tribunais superiores, onde, segundo o grupo, falta experiência para tratar os casos.

Além disso, para os representantes do Gafi, que visitaram no Brasil nos meses de outubro e novembro, o excesso de recursos permitidos pela legislação é outro grande entrave. “Há elementos estruturais no sistema jurídico e institucional da Justiça criminal que prejudicam a capacidade das autoridades de perseguir e obter condenações definitivas para os crimes de lavagem e financiamento de terrorismo”, diz o texto. “O Brasil possui um complexo sistema de recursos judiciais, de regras de prescrição e uma aplicação extremamente liberal dos direitos do réu”, acrescenta.


1 - Fiscalização
O Gafi é um órgão intergovernamental criado por países do G7 com o objetivo de fixar e fiscalizar a política global de combate à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo. Atualmente, são membros do Gafi a União Europeia e outros 34 países, incluindo o Brasil, organismos internacionais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Além disso, 180 países seguem as normas estabelecidas pelo grupo. Países que não cumprem as determinações podem ser punidos com sanções econômicas e passam a ser monitorados por membros do Gafi.

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