RIO - Era para ser uma noite de diversão para Laís de Melo Rodrigues, de 21 anos. Mas o encontro com as amigas num shopping da Barra da Tijuca teve desfecho trágico para a estudante de história da arte da Uerj. Ela foi uma das 13 pessoas queimadas na noite desta terça-feira no micro-ônibus incendiado por traficantes da Cidade de Deus, em represália à prisão de Leandro de Oliveira da Silva, de 19 anos, por policiais da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP).
(Veja imagens do micro-ônibus incendiado) (Vídeo: cinegrafista amador registra incêndio em ônibus) (Leia mais: Polícia já tem suspeitos de terem incendiado ônibus na Cidade de Deus) Uma das vítimas em estado mais grave, Laís teve 48% do corpo queimados, com ferimentos nas pernas, no tórax e nas mãos, segundo a Secretaria municipal de Saúde. Após ser atendida no Hospital Lourenço Jorge, na Barra (para onde foram levados os feridos), ela foi transferida para o Centro de Tratamento de Queimados (CTQ) do Souza Aguiar, no Centro.
Mesmo debilitada, Laís contou à família que viveu momentos de terror para escapar do veículo em chamas. Segundo o irmão da jovem, Rogério de Melo Rodrigues, ela viajava distraída no ônibus da linha 701 (Alvorada-Madureira), quando, na Estrada Marechal Miguel Salazar Mendes de Moraes, que corta a Cidade de Deus, os passageiros foram surpreendidos por pedradas.
- No início, ela disse ter pensado que era um assalto. Mas logo viu o incêndio no corredor e correu. Ela achava que fosse morrer e atravessou as labaredas para sobreviver. É revoltante. Espero que os culpados sejam punidos. Dá vontade de chorar ao ver minha irmã, cheia de sonhos, dessa forma - lamentou Rogério.
Laís, que pretende ser professora de artes, não costumava passar pelo lugar do atentado. De acordo com seu irmão, ela só fez aquele trajeto porque era caminho do shopping para sua casa, no Jardim Boiúna, área de classe média na Taquara.
Quatro continuam em estado graveAlém dela, dos 12 feridos atendidos no Lourenço Jorge, cinco tiveram que ser encaminhados para outros hospitais. Na unidade da Barra, segue internada, em estado grave, Nara Martins, de 27 anos, com queimaduras em 27% do corpo. Já cinco pacientes receberam alta: Luciana Fernandes da Silva (com 9% do corpo queimados); Anne Andrade (com 11%); Ronaldo Luiz Costa Ferreira (9%); Gabriel Lima de Andrade (20%); e Edilene Ferreira (9%). Uma 13ª vítima, entre os 20 passageiros do veículo, foi medicada no próprio local e liberada.
Dos que foram transferidos para outras unidades, um já foi liberado e três permanecem com um quadro grave, incluindo Laís, e dois em estado estável. Também no CTQ do Souza Aguiar, está Paula Núbia Rodrigues, de 23 anos. Ela sofreu queimaduras em 25% do corpo (no rosto, no pescoço, nas mãos e no tórax).
Diferentemente de Laís, Paula passava diariamente pela Estrada Marechal Miguel Salazar Mendes de Moraes. A mãe dela, Maria Vânia da Silva, diz que sempre esperava, apreensiva, pela filha em casa, na Praça Seca, por saber que ela precisava fazer esse caminho à noite. Mas nunca imaginou uma barbaridade como a de anteontem, às vésperas do aniversário da filha, na próxima segunda-feira.
" Batalhadora, ela trabalha como concierge num condomínio da Barra pela manhã e à noite cursa administração "
- Estou desnorteada. Ela havia acabado de voltar de férias, há três dias. Minha filha costuma passar o dia inteiro fora de casa. Batalhadora, ela trabalha como concierge num condomínio da Barra pela manhã e à noite cursa administração na Universidade Estácio de Sá - disse Vânia, dizendo que os bandidos teriam jogado gasolina sobre Paula.
Já Glória de Souza, mãe de outra jovem universitária vítima do atentado, Ana Sheila de Souza, de 21 anos, lembra que teve um pressentimento ruim na noite anterior ao ataque. A filha, no entanto, a tranquilizara. Um dia depois, a estudante teve 40% do corpo queimados e continua internada, em estado grave, num hospital particular de Ipanema. Ela trabalha de dia, como operadora de telemarketing na Barra, para pagar a faculdade de direito, na Estácio, à noite. Por isso, Ana normalmente sai de casa, em Realengo, por volta das 5h e só chega às 23h30m.
" É uma menina humilde, que só pensa nos estudos e em crescer pessoal e profissionalmente "
- É uma menina humilde, que só pensa nos estudos e em crescer pessoal e profissionalmente - afirmou a avó dela, Ana Maria da Silva.
Continuam hospitalizados ainda Antonio Carlos de Godoy, de 58 anos, transferido para o CTQ do Hospital Geral do Andaraí, com 26% do corpo queimados; e Cristiane da Silva Maciel, de 26, levada para o Hospital Central da Polícia Militar (HCPM), no Estácio. Ambos estão fora de perigo. Rosângela dos Santos Silva, de 44 anos, que havia sido internada no HCPM, recebeu alta.
- Parecia que estávamos num micro-ondas - disse ela.
Uma das vítimas, a estudante de teatro e moradora de Madureira Luciana Fernandes, prestou depoimento nesta quarta na 32ª DP (Taquara). Ela afirmou que os bandidos jogaram algo que parecia uma bomba de fabricação caseira no micro-ônibus:
- Eles gritavam "sai, sai!". Mas as chamas lamberam o ônibus muito rapidamente. Tentei proteger meu rosto e pulei pela parte de cima da janela, até cair no chão. Quando me levantei, vi que havia pessoas sem a pele nas mãos e nas pernas. Queimei o braço e meu cabelo. Mas poderia ter morrido.
O mesmo pânico foi relatado pelo motorista, Edson de Souza Cerqueira, que também prestou depoimento.
- Foi uma maldade muito grande. Consegui sair e pegar meu casaco para tentar apagar o fogo no corpo das pessoas.
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