FABRÍCIA PEIXOTO
da BBC Brasil, em Brasília
da BBC Brasil, em Brasília
A visita ao Brasil da secretária de Estado americana, Hillary Clinton, ocorre em um momento de divergências com os Estados Unidos sobre como lidar com o Irã e seu programa nuclear --um dos pontos de atrito na relação bilateral que se tornaram mais evidentes no último ano.
Enquanto os Estados Unidos defendem a imposição de sanções econômicas ao Irã, o governo brasileiro argumenta que a medida poderá "isolar" Teerã, dificultando as negociações.
As polêmicas na relação entre os dois países vão além, incluindo temas recentes como a recuperação do Haiti, a situação política de Honduras e retaliações comerciais.
De acordo com o Itamaraty, mesmo os assuntos "delicados" serão tratados em um clima de "total cortesia" entre a secretária Clinton e o chanceler Celso Amorim.
Entenda quais são os pontos de atrito entre Brasil e Estados Unidos:
Programa nuclear do Irã
Desde que o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, anunciou, em fevereiro, a ampliação de seu programa nuclear, os Estados Unidos passaram a defender a imposição de sanções econômicas a Teerã.
Um dos argumentos do governo americano é de que o Irã estaria "disfarçando" a construção de armamentos nucleares por meio de um programa nuclear supostamente pacífico.
Na avaliação do governo brasileiro, porém, a adoção de sanções econômicas ao Irã pode ter um resultado "negativo".
O chanceler Celso Amorim tem dito que essas "penalidades" podem acabar "isolando" o governo iraniano, dificultando as negociações. Para o ministro, a fase do diálogo "ainda não está encerrada".
Além disso, o Brasil defende que o Irã tem o direito de enriquecer urânio a 20%, limite ainda permitido pelo Tratado de Não-Proliferação Nuclear, assinado no âmbito das Nações Unidas.
Segundo Amorim, o Brasil "se preocupa" com as atividades nucleares no Irã, mas é preciso "respeitar" o direito do Irã de gerar a energia para fins pacíficos.
O governo americano confirmou que a secretária Clinton tentará convencer o governo brasileiro a mudar sua posição quanto às sanções.
Na semana passada, o secretário-assistente do governo americano para assuntos da América Latina, Arturo Valenzuela, disse que os Estados Unidos ficarão "desapontados" se o Brasil não usar sua influência para fazer com que o Irã cumpra suas obrigações internacionais.
Recuperação do Haiti
O terremoto que devastou o Haiti, deixando mais de 200 mil mortos, tornou-se um dos principais temas na agenda do Brasil com os Estados Unidos.
Se por um lado, a liderança dos dois países na recuperação do Haiti é dada como certa, ainda não está claro como essa parceria será colocada em prática.
De acordo com o Itamaraty, um dos desafios será o de definir uma estratégia conjunta para a reconstrução do país caribenho, evitando, assim, que uma posição seja "sobreposta" a outra.
Há seis anos, o Brasil chefia as tropas da missão de paz da ONU no Haiti (Minustah) e, segundo a diplomacia brasileira, essa é uma chance de "consolidar" a liderança do país na região.
Quinze dias após o grande tremor do dia 12 de janeiro, cerca de 10 mil militares americanos já estavam em território haitiano, número que surpreendeu as tropas brasileiras.
Na época, o chanceler Celso Amorim negou que houvesse algum tipo de "disputa" entre Brasil e Estados Unidos quanto à liderança na recuperação haitiana.
As tropas do Brasil, porém, chegaram a organizar uma megaoperação de distribuição de alimentos com o objetivo de "marcar posição" frente à presença americana, como disse o chefe da Minustah, general Floriano Peixoto.
Honduras
Tanto o Brasil como os Estados Unidos condenaram a deposição do então presidente de Honduras, Manuel Zelaya, como um "golpe de Estado". Desde então, o país está suspenso da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Mas a eleição de um novo governo, em novembro passado, dividiu opiniões entre brasileiros e americanos.
Na avaliação dos Estados Unidos, a eleição de Porfírio "Pepe" Lobo ocorreu um ambiente "democrático", abrindo caminho para que o governo eleito seja imediatamente reconhecido pelos outros países da região.
O embaixador americano no Brasil, Thomas Shannon, disse no mês passado que a eleição de Lobo foi o "melhor feito" em Honduras e que o assunto deve ser discutido "sem retóricas".
Já o Brasil é contrário ao reconhecimento "imediato" do novo governo e diz esperar "sinais de mudança" em Honduras antes de mudar sua posição.
O argumento do Itamaraty é de que a situação de Honduras só deve ser regularizada com certas condições - uma delas seria a criação de uma comissão da verdade, com o objetivo de investigar os episódios que marcaram a crise política hondurenha.
"Se não for assim, ficará um mau exemplo na região, de que golpes são facilmente perdoados", diz um diplomata.
Disputa comercial
No mês passado, a Câmara de Comércio Exterior (Camex), órgão ligado ao Ministério da Indústria e Comércio, aprovou uma retaliação comercial aos Estados Unidos no valor de US$ 560 milhões.
A medida é resultado de uma disputa que começou em 2002, quando o Brasil foi à Organização Mundial de Comércio (OMC) acusar os Estados Unidos de adotarem práticas que favoreciam seus produtores de algodão.
Com o aval da OMC, o Brasil agora está prestes a definir que produtos americanos terão de pagar mais impostos para entrar no mercado brasileiro.
O governo brasileiro diz que ainda está disposto a negociar, mas, segundo o Itamaraty, os Estados Unidos ainda não ofereceram uma contraproposta que evite as retaliações.
O chanceler Celso Amorim disse, no mês passado, que o Brasil "não prefere" a via do contencioso, mas que o país "não pode se curvar" diante de nações mais fortes.
Esse, porém, não é o único atrito comercial entre os dois países. No ano passado, o Brasil voltou a acionar a OMC contra os Estados Unidos, dessa vez em função de uma suposta prática antidumping no suco de laranja importado do Brasil.
O Brasil, por sua vez, é frequentemente criticado no meio empresarial americano por não respeitar as regras internacionais de propriedade intelectual.
Há dois anos, o Brasil foi retirado da lista americana que reúne os maiores mercados piratas do mundo, mas associações industriais dos Estados Unidos estariam pressionando seu governo a incluir novamente o Brasil no grupo, como forma de pressionar pela suspensão das retaliações.
Bases militares na Colômbia
Um dos principais atritos entre Brasil e Estados Unidos, a instalação de bases militares americanas na Colômbia foi extremamente criticada pelo governo brasileiro.
Segundo o governo da Colômbia, o acordo com os Estados Unidos, que veio a público em julho passado, teria como objetivo facilitar as operações contra o terrorismo e a produção de drogas.
O governo brasileiro, no entanto, criticou a "falta de transparência" do acordo militar e pediu explicações tanto à Colômbia como aos Estados Unidos.
Um dos argumentos do Itamaraty era de que as bases aumentariam as "desconfianças" entre os países, contribuindo para um clima de "insegurança".
A preocupação acabou levando os 12 países da União das Nações Sul-Americanas (Unasul) a convocarem uma reunião extraordinária para discutir o assunto.
A ideia era pedir "garantias formais" tanto da Colômbia como dos Estados Unidos de que a operação militar ficaria limitada a questões do narcotráfico.
A secretária Hillary Clinton chegou a enviar uma carta a diversos países da região "garantindo" que não seriam atacados.
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