Não conheço missão maior e mais nobre que a de dirigir as inteligências jovens e preparar os homens do futuro disse Dom Pedro II

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

O berço do esquema do panetone

Carta de um ex-deputado ao governador Arruda lança suspeitas sobre o governo de Joaquim Roriz
Andrei Meireles e Marcelo Rocha

Época - 22/01/2040 - 22:28 - Atualizado em 22/01/2010 - 22:22

Sergio Lima
COBRANÇA
Pedro Passos, mesmo sem mandato, pediu a Arruda uma mesada de R$ 100 mil
Sergio Lima
PAGAMENTO
O ex-governador Joaquim Roriz. Ele nega ter pagado propina em sua gestão
A Operação Caixa de Pandora, da Polícia Federal, revelou ao país cenas estarrecedoras sobre um esquema de caixa dois e pagamentos de propinas a políticos de Brasília. Primeiro, surgiram os vídeos de políticos escondendo dinheiro em sacolas, meias e até na cueca. Em seguida, a insólita declaração, às vésperas do Natal, de que o dinheiro nas mãos do governador de Brasília, José Roberto Arruda, se destinava à compra de panetones. Agora, a PF investiga documentos e anotações apreendidos nas casas e nos gabinetes dos principais assessores de Arruda. Na casa de Domingos Lamoglia, ex-chefe de gabinete de Arruda, os policiais encontraram duas cartas que têm potencial para ganhar lugar de destaque no acervo das peças sobre corrupção no país. Investigadores afirmam que o autor das cartas é Pedro Passos, um empresário que ganhou fama na capital ao ter sido acusado de grilar terras públicas, depois vendidas como lotes urbanos. Passos tornou-se político apoiado pelo ex-governador Joaquim Roriz. Em 2002, foi eleito deputado distrital. Reeleito quatro anos depois, acabou renunciando em agosto de 2007, após ser acusado pela PF de receber propina em outro escândalo de corrupção.
Nas duas correspondências não datadas apreendidas pela PF o autor relata a Arruda suas dificuldades financeiras, causadas, escreve ele, por estar há 18 meses sem receber propina. Em seguida, pede dinheiro ao governador. Numa das cartas, endereçada a Arruda, ele diz que, para aliviar o aperto em suas finanças, precisa de “R$ 1.500 agora, o mais rápido possível, urgente” e “R$ 100 por mês, por mais ou menos um ano”. Segundo os investigadores, os valores seriam, na realidade, R$ 1,5 milhão e R$ 100 mil. Numa tentativa de sensibilizar o governador, o autor das cartas descreve como funcionava seu fluxo de caixa no governo Roriz e o espaço político que ele ocupava. Diz o documento:
“Reprise da minha situação anterior:
1º - Detran: + ou - 150 mês.
2º - Valério: 50 mês.
3º - Estrutura da CLDF.
4º - Maior espaço no GDF.
5º - Diversos outros negócios decorrentes do mandato.”
De acordo com os investigadores, o “Valério” da carta seria Valério Neves, ex-chefe de gabinete de Roriz no governo de Brasília e no Senado e, há muitos anos, assessor de confiança do ex-governador. ÉPOCA ouviu ex-secretários e assessores que tiveram forte influência nas administrações de Roriz. Sob a condição de não ser identificados, eles disseram que havia uma mensalidade paga a deputados distritais e até a conselheiros do Tribunal de Contas do Distrito Federal. Esses ex-colaboradores afirmam que Valério era o responsável pela operação. Os valores mensais, de acordo com eles, variavam de R$ 30 mil a R$ 70 mil, de acordo com a importância do político. Por esse critério, Pedro Passos, com seus R$ 50 mil, estaria cotado numa posição intermediária. Roriz negou a ÉPOCA ter pagado qualquer propina.
Entre as anotações com registros de nomes e valores apreendidas na casa de Lamoglia, aparece a inscrição “PP – 30”. Os investigadores suspeitam que seria a contabilidade de um pagamento de R$ 30 mil para Passos. Passos nega que tenha recebido mesada de Valério ou propina por contratos com o Detran. “Que eu tivesse conhecimento, isso não existiu no governo Roriz. Eu nunca mexi com isso, nem com deputados nem com conselheiros”, afirmou.
ÉPOCA também ouviu Passos sobre os pedidos feitos a Arruda. Ele confirmou que, após deixar a Câmara, mandou recados ao governador para cobrar compromissos políticos – inclusive ajuda financeira – assumidos durante as eleições. “Parte das coisas que estão aqui (nas cartas) são cobranças que eu fiz mesmo”, diz. Apesar de todas as evidências, Passos afirma que não foi o redator das cartas. “Se foi o Domingos (Lamoglia) , não sei”, diz. Passos diz que, apesar das várias cobranças, não recebeu dinheiro de Arruda.
Alguns dos mais influentes assessores de Arruda nestes três anos de governo afirmaram a ÉPOCA que, em janeiro de 2007, ao chegar ao Palácio do Buriti, Arruda mandou suspender o pagamento de propina a deputados. O resultado, segundo eles, teria sido ruim para o governo. Projetos importantes teriam sido engavetados e dificuldades de todo tipo teriam sido criadas por políticos da base governista. Arruda, então, teria começado a fazer acertos individuais, com pagamentos pontuais para cada projeto que conseguia aprovar. Seis meses depois, Arruda teria concluído que esse tipo de negociação saía mais caro que o método atribuído a Roriz. Dessa forma, ele teria restabelecido o pagamento das mensalidades.
Em uma das cartas a Arruda, Passos pede “R$ 1.500 agora,
o mais rápido possível, urgente”
Nos dois governos, de acordo com as suspeitas, a principal fonte do dinheiro seria a cobrança de propina de empresas com contratos de prestação de serviços de informática ao governo. O esquema teria vigorado desde 1999, operado durante todos esses anos pelo delegado de polícia Durval Barbosa, o delator do escândalo do panetone.
Em depoimento ao Ministério Público, Durval afirmou que, há dez anos, recebeu orientação do então secretário do governo, Benjamin Roriz, primo do ex-governador, para criar um mecanismo capaz de burlar licitações e arrecadar dinheiro para campanhas eleitorais. Segundo Durval, parte desse dinheiro financiou as campanhas de Roriz, em 2002, e de Arruda, em 2006.
As fraudes operadas por Durval foram descobertas pelo MP, que apresentou à Justiça dezenas de ações contra ele. Em duas delas, Roriz também foi denunciado. Num dos vídeos divulgados por Durval, aparece o ex-presidente da Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal José Luiz Vieira Naves recebendo dinheiro de Durval. A gravação é de 2006. Ao MP, Durval disse que fez pagamentos a Naves porque ele ajudou a captar recursos para a campanha de Arruda. A versão de Naves é diferente. Em depoimento prestado à Corregedoria do governo de Brasília, ele diz que os maços de dinheiro eram parte de um acerto de Durval com Roriz. Segundo Naves, Durval lhe entregava R$ 40 mil por mês, pagos em duas parcelas quinzenais, para coordenar, na periferia de Brasília, as campanhas de Roriz ao Senado e da tucana Maria de Lourdes Abadia – adversária de Arruda – ao governo do Distrito Federal. “Como secretário do meu governo, Naves participou da campanha conjunta que fiz com Roriz”, diz Abadia.
Na segunda-feira, época.com.br divulgou um laudo do perito Ricardo Molina, professor da Universidade de Campinas, que atestou que os registros numa agenda sobre pagamentos encontrada na casa de Lamoglia foram feitos pelo próprio Arruda. Dias antes, em nota encaminhada a ÉPOCA, a assessoria de Arruda disse que o governador não faria comentários sobre “papéis” e “anotações” de terceiros.
Em seus depoimentos à PF e ao MP, Durval tem esmiuçado suas denúncias de corrupção no governo Arruda. Até agora, pouco falou sobre as irregularidades nas gestões de Roriz. Os investigadores esperam que, numa segunda etapa, ele faça revelações sobre o governo anterior. A cada dia, as novas revelações mostram como a PF foi feliz ao batizar a operação de Caixa de Pandora.
Fernando Bizerra A PROVA
A carta apreendida pela Polícia Federal, com detalhes sobre como teria funcionado o pagamento de propina no governo Roriz
(clique na imagem para ampliar)






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