Não conheço missão maior e mais nobre que a de dirigir as inteligências jovens e preparar os homens do futuro disse Dom Pedro II

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Escândalo Brasileiros - A máfia da Loteria Esportiva (No.9)



Matérias da Revista Placar lembram os escândalos da Máfia da Loteria Esportiva no Brasil.
Escândalos da Máfia da Loteria (parte 1)

Nos últimos sete anos, a imprensa brasileira vem divulgando com freqüência crescente a existência da chamada “Máfia da Loteria”. Placar, a partir de dois escândalos ocorridos no final do ano passado (o caso Flávio Moreira, atualmente sendo investigado pela Policia Federal, no Rio de Janeiro, e o caso Negreiros, em Santos), passou a investigar a presença dessa nebulosa instituição, buscando trazer a público os nomes de seus chefes, que permaneceram anônimos por todos esses anos, protegidos pela lendária lei mafiosa do silêncio.

Hoje, depois de ouvidos jornalistas, técnicos de futebol e dirigentes de clubes em vários Estados do Brasil e contando com a colaboração profissional do radialista Flávio Moreira, Placar está pronta para denunciar - esses cidadãos acima de qualquer suspeita – que criaram e sustentaram uma invejável rede de corrupção que chega a estender seus fios para além das fronteiras do país, para provocar resultados surpreendentes em testes da Loteria Esportiva, burlando a boa-fé dos apostadores e a impecável seriedade da Caixa Econômica Federal.

Como diz o arrependido Flávio Moreira, que viu sua carreira profissional desmoronar a partir da denúncia do ex-presidente do Botafogo Charles Borer – a Loteria Esportiva é séria até a bola rolar. A Caixa procura dar o máximo de segurança aos apostadores, mas que quando as partidas são iniciadas nos fins de semana ela não pode evitar que árbitros, técnicos, dirigentes e jogadores envolvem-se com a complexa engrenagem de suborno montada pelos “zebrões”.

Essa engrenagem, azeitada por gordas quantias de dinheiro, começa a funcionar no exato momento da escolha dos 13 jogos que irão compor os testes. Foi assim durante os quase sete anos em que Flávio Moreira trabalhou na agência de noticias Sport Press, sediada no Rio e encarregada de propô-los semanalmente á Caixa Econômica. Tudo leva a crer que o esquema continua funcionando ainda hoje com a mesma eficiência. Como chefe do setor de loterias da Sport Press, Flávio Moreira organizava os testes escolhendo alguns jogos que interessavam aos grupos para os quais trabalhava, mandando-os para aprovação em Brasília. Esses jogos determinados envolviam clubes nos quais os vários grupos que formavam a “Máfia da Loteria” tinham facilidade de acesso.

Flávio Moreira chegara ao Rio logo após a Copa do Mundo de 1974 e alguns meses depois recebia um telefonema de Alberto Damasceno, radialista cearense com quem tinha amizade. – “Flávio, uma pessoa de São Paulo quer falar contigo” – disse Damasceno, atualmente supervisor e arrendatário do América de Fortaleza. Dias depois, Flávio mantinha seu primeiro encontro com João Nunes Filho, na época gerente do Banco Econômico, agência Pinheiros, em São Paulo, que se dizia representante de um grupo que jogava pesado na Loteria Esportiva. Com o tempo, Flávio descobriu que Nunes era o próprio chefe do grupo e não apenas um mero representante. E, aos poucos, a participação de Flávio deixou de ficar restrita á escolha dos jogos nos testes que preparava. Passou a ser, na verdade, o principal contato do grupo na fabricação dos resultados inesperados nos campos de futebol do país. – “Era uma bola de neve”, compara o radialista. “A cada dia ficava mais envolvido e consciente de que não dava mais para sair”.

Alguns anos depois da criação da Loteria Esportiva, em 1970, surgiram boatos de manipulação de resultados em alguns testes. Em 1981 os rumores cresceram e Placar designou o repórter Sergio Martins para mergulhar no caso. Ao cabo de um ano de investigação, com a colaboração de um arrependido da Máfia , o radialista Flavio Moreira, Sérgio trouxe á luz a reportagem que abalou uma instituição nacional, a Loteca. Placar desmascarou 125 envolvidos. Eram jogadores, juizes, dirigentes e jornalistas. O processo se arrastou na Justiça, com poucos resultados concretos. Em compensação, desde de então a Loteca nunca mais foi a mesma.

Em dezembro de 1985, a Policia Federação finalmente anunciava a conclusão do inquérito sobre a Máfia da Loteria. Dos 125 acusados na reportagem de Placar, apenas 20 pessoas foram iniciadas, pelas dificuldades de encontrar provas, e apesar do grande número de evidências. A lista era encabeçada pelos comerciantes Ary Gil Cahet, Manoel Rodrigues Mansur, Roque Antonio Pereira Pires, Leon Barg e Aziz Abdalla Domingos, indiciados como membros das ramificações carioca e paranaense do esquema.


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Escândalos da Máfia da Loteria (2)

A Superintendência da Policia Federal do Rio de Janeiro ouviu os jogadores Adeir Pinheiro e Sérgio Pereira sobre seus envolvimentos com a Máfia da Loteria, já que os dois foram acusados oficialmente por ex-companheiros de equipe da Desportiva Ferroviária de terem pretendido manipular o resultado da partida Desportiva x Ordem e Progresso, jogo 4 do teste 568 do dia 11.10.1981.

A denuncia ocorreu na manhã no dia 7 de dezembro de 1984, quando o goleiro Rogério, o zagueiro Edmar e o técnico Elcib Rodrigues depuseram na Superintendência Federal do Espírito Samto e testemunharam que Aldeir e Sérgio, ambos oriundos do Vasco da Gama, tentaram subornar o goleiro Rogério com 300 mil cruzeiros a fim de que facilitasse a derrota da Desportiva, no que seria a maior zebra do teste. O goleiro pediu um pouco de tempo para pensar e procurou Edmar, capitão do time. Juntos, foram ao treinador Elci Rodrigues, que os levou ao presidente Salustiano Sánchez. Aldeir e Sérgio tiveram seus contratos rescindidos imediatamente.

Adeir sempre negou seu envolvimento no episódio. Segundo ele, o jogo em que vários jogadores estavam zebrados foi Desportiva x Guarapari do dia 5.7.1981 no teste 554. “Um companheiro que não quero dedurar me confessou que haviam recebido 300 mil cruzeiros cada para perderem a partida”, defendeu-se Adeir.

As investigações da Revista Placar soube onde os zebrões descarregavam suas apostas em São Paulo. Tratava-se da Loteria Esportiva Bom Retiro, de propriedade de Francisco Aspis. É nesta loteria que o diretor de futebol do Colorado, Aziz Domingos, o comerciante paranaense Leon Barg e o carioca Manoel Rodrigues Masur, o Nelito, jogam com freqüência, segundo o próprio Aspis.

Num espaço de 120 testes, de 30.12.1979 a 30.04. 1982 essa lotérica teve cartões ganhadores em 15 testes, o que é razoável. Intrigante, porém, é que destes 15 testes, nada menos de 10 foram denunciados a Placar como tendo sido mutretados, num total de prêmios que ultrapassaram os 140 milhões de cruzeiros. Só em um desses testes, a loteria de Aspis teve sete cartões premiados totalizando 62.861.183 cruzeiros. Sabe-se que as zebras deste teste – Chapecoense 5 x Figueirense 2. Avaí 1 x Joaçaba 1. ABC 0 x Alecrim 2 e Bonsucesso 2 x Portuguesa 3, foram produzidas por Leon Barg e o carioca Nelito. Não por coincidência, Barg e Aziz Domingos fizeram os 13 pontios naquela ocasião na lotérica paulista. Segundo um membro da Máfia, Leon Barg não só fazia jogos por telefone na loja de Aspis como também venderia as zebras para um joalheiro chamado Ernani, cliente da loja. Aspis nega. “De fato, tenho um cliente chamado Ernani, mas ele nem sabe jogar. Ganha muito porque tem sorte”.


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Escândalos da Máfia da Loteria (3)

Na época dos jornais exploraram o assunto com grandes manchetes.

“Nunca fui acusado de nada, todos sempre medula espinhal respeitavam”, indignou-se terça feira passada o lateral direito Paulo Maurício, do Fast Clube, de Manaus. É bem diferente, contudo, sua reputação em outros Estados, a começar pelo Ceará. Nelson, zagueiro do Fortaleza, por exemplo, testemunhou um episódio dramático, em agosto passado. Seu relato ao repórter Luciano Luque:
- No dia 13 de agosto, Paulo Mauricio ofereceu seis milhões de cruzeiros a mim, ao lateral esquerdo Clésio, ao central Lineu e o centro avante Miltão, para que entregássemos uma partida que faríamos no dia 15 contra o Tiradentes (jogo 6 do teste 611). Não somente respondi que não topava o negócio, como contei tudo para o presidente Silvio Carlos e para o técnico Moésio Gomes.
Silvio Carlos confirmou a história:
- Mandei chamar o jogador, rescindi seu contrato e o mandei embora – lembra.
Mas essa não é a única acusação que pesa contra Paulo Mauricio. Para defender-se das denúncias de Placar o médico e ex-presidente do Vitória, Rui Ribeiro Rosal, conta que, quando estava afastado de seu clube, soube que, as vésperas de um jogo contra o Serrano, de Petrópolis (RJ) pela Taça Ouro do ano passado, quatro jogadores do Vitória estava subornados. O rubro negro baiano perdeu levando dois gols “estranhos”, em que toda a defesa falhou – e, por coincidência, o lateral direito, naquela partida, era exatamente Paulo Mauricio.

O zagueiro Sapatão, outro dos 125 acusados por Placar, hoje técnico das equipes inferiores do Bahia, preferiu rir das denúncias, sem considerar que existe, no Departamento de Polícia Federal do Ceará, uma representação do Fortaleza, assinada presidente Fares Lopes, datada de 23/7/1981, acusando-o de ter tentado subornar o zagueiro Alexandre para que este provocasse a derrota de seu clube num jogo contra o Guarani de Sobral, incluída na Loteria Esportiva.

Sapatão, logicamente, tem outra versão do episódio. Ele admite que esteve na concentração do Fortaleza ás vésperas do jogo contra o Guarani, mas apenas para “cobrar uma dívida de Cr$ 200.000,00 que o clube tinha comigo”. Sua história, no entanto, não se sustenta. O jogador Alexandre confirma que houve a tentativa de suborno e, além disso, se ele fosse inocente, como alega, por que teria deixado Fortaleza e voltado para Salvador ás pressas, com a polícia cearense em seu encalço ?

O Caso Macrini
Três dias após a denúncia de Placar, o centro avante Tadeu Macrini, um dos envolvidos, voltou ás manchetes. Na cidade de Franca, a 400km de São Paulo, o presidente da Associação Atlética Francana, José Corrêa Neves, fez uma representação á Delegacia de Polícia local, solicitando abertura de inquérito para apurar um caso de suborno envolvendo o jogo disputado entre a sua equipe e o São Paulo F.C. no último dia 10. A denúncia de Corrêa Neves cita, como subornador, o diretor de futebol do São Paulo, Marcelo Martins, e, como subornado exatamente o atacante Tadeu Macrini. A Francana, que lutava para fugir ao rebaixamento, perdeu a partida por 1x0.

Assim que soube da acusação, o diretor tricolor mostrou-se surpreso, negou qualquer envolvimento e pediu a exibição de provas. Mal sabia que, naquele momento, Tadeu Macrini, em depoimento assinado perante o delegado de polícia Naur Apparecido Cerissi, confirmava haver recebido, minutos antes da partida, das mãos de Marcelo Martins, um envelope com 300 mil cruzeiros em notas de 5 mil – “para serem distribuídos aos jogadores da Francana como prêmio pela vitória conseguida, no domingo anterior, sobre o Corinthians (1x0)”. Macrini, então, comunicou o fato ao treinador Alfredinho. Em seguida, diz o depoimento, ambos relataram tudo ao zagueiro Zé Mauro, capitão da equipe. Ouvido por Placar, o zagueiro explicou, no sábado:
- Pouco antes do aquecimento, os dois me chamaram num canto e disseram – “Olha, neste envelope amarelo tem uma grana oferecida pelo São Paulo pela nossa vitória sobre o Corinthians”. Eu estranhei um pouco, porque nesta vida de boleiro raras vezes vi um cartola pagar prêmio atrasado, principalmente esses prêmios “de incentivo”. Mas enfim, vi eles contarem a grana. Tinha 300 mil e decidimos avisar o pessoal que o dinheiro seria distribuído para todos após o jogo – jogadores, técnicos, roupeiro, massagista e preparador físico, num total de 30 pessoas.
O presidente Corrêa Neves, um jornalista veterano e cartola principiante, só soube de tudo quando viu o dinheiro sendo distribuído, após a derrota, não ficou só na estranheza: - Pelo menos psicologicamente os nossos jogadores entraram em campo condicionado a não render tudo o que podiam. Como dividir mais virilmente uma bola com um adversário que acaba de nos dar um presente? Além disso, comecei a ligar o fato a algumas atitudes do Macrini, que veio para cá gordo, fora de forma, e, em um mês e meio, não chegou a jogar um total de 90 minutos. Mas justamente nesse jogo contra o São Paulo ele fez questão de jogar, fez questão de ser escalado ao menos para o banco de reservas. Ora, por que o diretor do São Paulo não procurou um dirigente do Francana para falar sobre esse “bicho”, ou o técnico Alfredinho, ou o capitão do time? Por que escolheu logo Tadeu Macrini ? Ele entrou no finzinho do jogo e perdeu um gol, cara a cara com Valdir Peres. O passa tempo dele era comprar ouro, jóias e dólar no câmbio negro.

Em São Paulo, os dirigentes do tricolor contra-atacaram. Marcelo Martines acusa o presidente Neves: - “É um homem despreparado, que inventou essa infâmia para tentar justificar o rebaixamento do seu time. É um desequilibrado mental”. Mas não negou o encontro com Tadeu Macrini – Eu não o conhecia, fui apresentado a ele na saída do vestiário. Na noite de sexta-feira, porém, Martines afirmou ao programa “Na Marcha do Esporte” da Rádio Bandeirantes, de São Paulo, que já conhecia o Macrini do próprio clube, onde trabalha há 14 anos – “Ele foi nosso juvenil” – informou.

Fonte: Reportagem da Placar nº 649, de 29.10.1982
Nota: Anos atrás, matéria da Revista Placar teria desvendado segredos dessa nebulosa instituição - "Loteria Esportiva é séria até a bola rolar".

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