Não conheço missão maior e mais nobre que a de dirigir as inteligências jovens e preparar os homens do futuro disse Dom Pedro II

terça-feira, 13 de setembro de 2011

TCU quer multar Ministério do Esporte por má gestão em consultoria da Copa de 2014

UOL - 07h00

Consultoria da Copa 2014 cai na malha do TCU por má gestão do Ministério do Esporte

Roberto Pereira de Souza e José Cruz
Em São Paulo e em Brasília 
  • Ministro Orlando Silva foi alertado sobre má gestão em seu ministério
  • Ministro Orlando Silva foi alertado sobre má gestão em seu ministério
Quatro funcionários do Ministério do Esporte foram pegos pelos auditores do  Tribunal de Contas da União por descumprirem a lei de licitações 8666/93. Os auditores do TCU pediram que os funcionários fossem multados por terem autorizado pagamentos a quatro empresas do Consórcio Copa 2014 sem ordens de serviço e, pior, sem relatório detalhado do trabalho realizado.
Os funcionários também autorizaram pagamentos de despesas não previstas no edital, como passagens aéreas dos consultores contratados, computadores, hotéis. A exceção custou R$ 700 mil aos cofres públicos.
O Consórcio Copa 2014 foi contratado em licitação de julho de 2009 para dar “suporte de gerenciamento ao Ministério dos Esportes”.
O caso foi agravado porque após auditoria do TCU, o Ministério do Esporte decidiu aumentar o valor do contrato de prestação de serviços em quase 80%. Como se não bastasse, as empresas felizardas renovaram o contrato até julho de 2013.
O custo do serviço foi orçado em R$13,1 em 2009 e em 2011, graças a aditivos, o preço saltou para R$ 24 milhões. No total, as empresas vão ganhar cerca de R$ 40 milhões, se não houver mais aumentos.
A dinheirama é para comprar apoio ao gerenciamento da Copa  2014, em uma consultoria elástica que vai das análises sobre obras de infraestrutura, como linhas de metrô e aeroportos, passa por conhecimento de arquitetura urbana, engenharia construtiva e até eventos esportivos.
 O problema é cumprir o que manda o edital e a lei 8.666, que rege a burocracia das licitações. A lei e os editais exigem que os pagamentos sejam feitos “mediante medição do serviço ou obra realizada e rigoroso planejamento da carga horária dos operários ou técnicos”, para evitar gastança do dinheiro público.
Nenhum membro do consórcio quer detalhar exatamente o que fez ou fará para que o grupo fature cerca de R$ 40 milhões até julho de 2013.  Pior: são os funcionários do Ministério do Esporte que advogam pelos “bons serviços prestados pelas empresas”.
Chamados ao TCU, os funcionários deram as mesmas respostas, em bloco, a todas as perguntas dos auditores. As respostas “foram consideradas insuficientes” e os gestores reprovados.
O caso parece ser emblemático na arte de construir um edital de licitação como se pretendesse beneficiar apenas algumas empresas do mercado. As quatro felizardas são: Galo Publicidade e Marketing (São Paulo), Value Partners do Brasil, Value Partners Consulting (com sede em Milão e em Londres, respectivamente) e a Enerconsult (São Paulo).
Cuidadosamente, o edital proibiu a participação de concorrentes que tivessem qualquer vínculo com outras pastas do governo. Assim, as quatro empresas entraram na concorrência. Uma delas, a Galo Marketing e Publicidade, empresa familiar com faturamento declarado de R$ 650 mil, sabia que jamais poderia cumprir os quesitos do edital sozinha.
Líder do consórcio, a Galo que mantém um prédio de 3 andares no centro comercial de Alphaville. O endereço oficial do Consórcio Copa-2014 é o mesmo da empresa de publicidade. Nem a Galo, nem a Value Partners (que é formalmente dirigida pelo italiano Alberto Antoniolli, hoje residente em Milão) soube responder a uma pergunta básica do UOL Esporte:
UOL Esporte: O que você fez nesses dois anos de contrato com o Ministério do Esporte que justificasse o pagamento ao grupo de R$ 24,1 milhões para mais dois anos?
Moacir Galo: Não posso falar porque tenho contrato de confidencialidade com o Ministério do Esporte. Tudo o que está sendo feito, está no edital.
UOL Esporte: Mas você vem trabalhando há dois anos, Galo. Você não se lembra de nada sobre o trabalho realizado pelo consórcio que você lidera?
Moacir Galo: tudo está no edital. O resto é confidencial.
UOL Esporte: Como você reagiu aos questionamentos feitos pelo Tribunal de Contas da União que viu fragilidade na execução do contrato de apoio gerencial à Copa 2014?
Moacir Galo: Sempre prestamos esclarecimentos ao Ministério. Não sabia que o Tribunal tinha falado isso.
O gerente sênior da Value Partners do Brasil, Rogério Meira, chegou a ligar para o Ministério do Esporte antes de conversar com o UOL Esporte:
Assessoria do ME: O Rogério me ligou agora, dizendo que você ligou pra ele.
UOL Esporte: Só queremos saber o que o consórcio fez nesses dois anos e por que vocês renovaram o contrato com as empresas, mesmo depois do questionamento feito pelo TCU, quanto à ilegalidade nos pagamentos e na medição dos serviços.
Rogério Meira(Value Partners): Sim, estamos cumprindo o que determina o edital. Mas não posso revelar nada,  por que o contrato é confidencial com o Ministério do Esporte.
Uma das perguntas feitas a Meira era sobre o responsável jurídico pela Value Partners, o italiano Alberto Antoniolli, o mesmo que dirige a Value Partners Consulting, a partir de Londres. Os motivos que levaram essas empresas a participar dessa licitação, predispostas a montar um consórcio, ainda não foram revelados pelos auditores do TCU.
Rogério Meira: Antoniolli mora em Milão.  Mesmo operando com consultoria no Brasil, tivemos nosso balanço financeiro auditado internacionalmente.

Passageiros seriam tema da licitação...

  • ...Mas trabalho realizado "é confidencial"
  • Fotos:Luiz Guarnieri/AE
  •            TCU não aceitou relatórios do Ministério do Esporte
A suspeita sobre o consórcio Copa 2014 começa pela empresa líder, cujos registros na Junta Comercial de São Paulo  confirmam que Moacir Galo é o diretor da agência e os outros diretores são membros de sua família com percentual de cotas sem poder de decisão. O capital da empresa foi registrado em R$ 650 mil. Mesmo assim, Galo pilota um consórcio que vai tirar dos cofres públicos R$ 48 milhões.
O edital bem escrito e detalhado ajudou Galo: “empresas consorciadas poderiam demonstrar capital conjuntamente”.  A Value se apresenta na Jucesp com capital de R$ 1,95 milhão. A maior parte pertence a Alberto Antoniolli.
Teoricamente, a Galo seria responsável pela organização de eventos esportivos. Mas nem ele soube dizer quantos eventos seriam realizados até o final do contrato. E quantos foram realizados nos dois últimos anos.
A maior curiosidade é que a empresa líder, dona do menor capital, tem a cota mais alta de ganho: 37,5%. Pela ordem de ganho, a Value Partners  (Milão) vem em segundo com 32,5%; Enerconsult tem 25% e a Value Consulting (Londres) é a última com 5% das cotas.
Segundo Moacir Galo, os produtos são confidenciais  “são demandas do Ministério. Eles pedem e nós atendemos”
Mas para o Tribunal de Contas da União a demanda do Ministério não é clara,  nem o produto oferecido está sendo medido rigorosamente, antes da emissão da ordem de pagamento com dinheiro público.
Em monitoramento do TCU feito sobre o contrato 02/2009, assinado entre o Consórcio e o Ministério do Esporte, fica evidente  o afrouxamento dos fiscais do Ministério no controle dos serviços e dos pagamentos efetuados.
Em 2010, os técnicos do ministério autorizaram até despesas com passagens aéreas, aluguel de carros e aquisição de equipamentos de informática. Os auditores afirmam que ninguém comprovou se as despesas eram necessárias e se foram realmente feitas. Além disso, os gastos foram feitos fora da planilha básica do edital. O custo disso chegou a R$ 700 mil aos cofres públicos.
Os auditores do TCU reprovaram a atitude dos funcionários do Ministério do Esporte no relatório.
“...o que resulta em pagamentos por esses insumos independentemente da comprovação da efetiva aquisição e utilização, gera riscos de contratação antieconômica para a Administração e caracteriza o descumprimento dos arts. 62 e 63, da Lei n° 4320/64, e do art. 41 c/c art. 40, §2º, II e IV, da Lei nº 8.666/93”.
Diante disso, os auditores decidiram multar quatro funcionários da Comissão Permanente de Licitação do Ministério do Esporte e congelaram as contas do ME, relativas ao ano 2010.
“Ante o exposto, propõe-se sejam rejeitadas as razões de justificativa dos Srs. Guilherme Calhao Motta, Marília Ferreira Galvão e Reni de Paula Fernandes, membros da Comissão Permanente de Licitação do Ministério do Esporte, em razão da inclusão dos custos relativos a equipamentos de informática, locação de veículos, passagens e estadias e materiais de reposição, de forma diluída”,  contra o que estabelece o edital de concorrência (002/2009).
Como consequência a multa foi estipulada a todos os membros da comissão de licitação. “Propõe-se ainda aplicar aos membros da CPL/ME a multa prevista no art. 58, inciso II, da Lei nº 8.443/92, fixando-lhes o prazo de 15 (quinze) dias, a contar da notificação, para que comprovem, perante o Tribunal, o recolhimento da multa ao Tesouro Nacional, atualizada monetariamente desde a data do presente acórdão, até a data do efetivo recolhimento, se for paga após o vencimento, na forma da legislação em vigor”.
O documento 003.560/2010-4 do TCU traz críticas severas ao funcionamento da Secretaria Executiva do Ministério do Esporte. Quatro funcionários foram convocados pelo TCU para explicar pagamentos irregulares às empresas do Consórcio Copa 2014.  O relatório foi feito para atender dois acórdãos  (1227 e 2998, de 2009).
O primeiro acórdão decidiu “determinar à Secretaria Executiva do Ministério do Esporte que ... promova rigorosa verificação da proposta comercial do consórcio habilitado ... no sentido de que a execução do contrato seja sempre precedida do estabelecimento de ordem de serviço dos produtos  esperados para cada período de medição (comprovação do serviço prestado)... bem como da quantificação do limite máximo de homens-hora necessários à sua realização”.
O TCU determinou ainda que qualquer irregularidade visível fosse imediatamente comunicada aos auditores. Para fiscalizar o ME e o consórcio Copa-2014, o TCU  enviou uma cópia do contrato assinado e do cronograma de serviços a serem prestados também aos técnicos da Casa Civil do Palácio do Planalto, ao Ministério Público Federal e ao Comitê Gestor da Copa (Gecopa).

Obras para a Copa de 2014



Foto 1 de 148 - Vista das obras da arena da Copa de Brasília ao cair da noite do dia 6/9; trabalho segue dentro do prazo Luiz Rodolfo da Silva
Temendo o pior, o TCU pediu ajuda ainda  à Controladoria Geral da União no acompanhamento, “enfocando o projeto básico e as possíveis falhas na execução do contrato de apoio à organização da Copa do Mundo 2014”.
Mas nada disso adiantou para evitar as falhas recorrentes desde julho de 2009. Coube ao TCU, então, interrogar os funcionários responsáveis pelos problemas.
  Os funcionários José Lincoln Daemon, Guilherme Calhao Motta, Marília Ferreira Galvão e Reni de Paula Fernandes foram  interrogados pelos auditores mas não foram convincentes.
Os auditores propuseram multa administrativa a todos eles, descontada dos salários,  mas  o ministro-relator Walmir Campelo, aliviou a punição no acórdão final com uma alegação bizarra:  “nosso papel é pedagógico”.
Parte dos problemas encontrados pelos auditores foram acomodados pelo ministro Valmir Campelo, relator do acórdão. Enquanto os auditores demonstraram rigor no enquadramento das falhas de medição e pagamentos irregulares de milhões de reais, Campelo foi político e tolerante com o Ministério do Esporte:
“Todavia, entendo que a aplicação de multa aos responsáveis ainda é medida precipitada. Isso porque a tônica que orienta as ações de fiscalização das ações preparatórias para a Copa do Mundo de 2014 é no sentido de prevenir a ocorrência de prejuízo e atuar de forma pedagógica, no máximo de cooperação com a Administração, objetivando prevenir atrasos nos cronogramas de modo a comprometer a realização do evento”.
Motivos não faltaram para despertar a desconfiança do TCU em relação ao contrato 053/2009.
 Na audiência de 6 de  abril de 2011, o Tribunal de Contas denuncia a compra  indevida de equipamentos de informática, passagens aéreas e despesas como aluguel de carro feitas pelo consórcio, sob ordens dos fiscais do ministério. Essas despesas foram ilegais e o responsável pela gestão técnica no ME, José Lincoln Daemon foi o responsável pela autorização do pagamento. Por isso, os auditores propuseram a multa.
 Além disso, o TCU decidiu congelar as análises das contas do Ministério, até que os problemas com o Consórcio Copa 2014 sejam resolvidos. As contas também são assinadas por Lincoln Daemon.
As outras providências do acórdão 842/2011, de 6 de abril,  é um recado direto ao ministro do Esporte, Orlando Silva: “alertar o Ministro do Esporte para as inconsistências identificadas pela equipe de fiscalização deste Tribunal na execução do Contrato nº 053/2009”.
Trechos dos relatórios dos auditores foram aceitos na redação do acórdão:
“Ocorre que, regra geral, a mesma situação se repete nessa área: a ausência da demonstração da relação dos serviços prestados com os profissionais alocados pelo Consórcio”, escreve o ministro Campelo em seu voto.
Em outro trecho, o ministro reforça o que os auditores escreveram quanto à falta de descrição e detalhamento dos serviços prestados pelo consórcio e ao uso dos termos do edital como se fosse relatório de trabalho executado, o que é irregular.
“Novamente, as medições realizadas refletem exatamente a previsão contida no edital de licitação, conforme se verifica nos relatórios mensais juntados ao Anexo I destes autos, indicando a ausência de execução financeira vinculada aos produtos apresentados.
Na sequência do documento surge a consolidação da dúvida quanto ao pagamento dos serviços que não podem ser tecnicamente medidos.  
“Depreende-se, portanto, dos achados de fiscalização acima transcritos, que não é possível afirmar com segurança que esteja havendo uma efetiva correlação entre os serviços prestados e o cronograma de pagamentos. Tal situação não permitiria verificar a compatibilidade entre os produtos entregues pelo consórcio contratado e os preços ajustados e já pagos”.
Segundo o TCU, os técnicos do Ministério de Esporte usaram relatórios de setembro de 2009 para cobrar, de novo, por serviços que teriam sido realizados em 2010.
“...primeiramente não se verifica a relação imediata entre os serviços adicionais citados e a Solicitação de Serviço SS-07. A título de exemplo, o fiscal do contrato alega que teria sido realizado ‘extenso estudo da estratégia adotada por outros países em Copas anteriores no que se refere à questão aeroportuária’. Ocorre que esse estudo foi realizado em setembro de 2009, enquanto a Solicitação de Serviço SS-07 dizia respeito ao mês de fevereiro de 2010 (Anexo 1, fls. 200/207).”
O Tribunal ressalta que a reunião de 6 de abril de 2011 serviu apenas para monitorar o cumprimento de determinações anteriores. Isso quer dizer que o Consórcio Copa 2014 estava na mira dos auditores desde 2009. Um documento-chave para os analistas foi a apresentação da primeira solicitação de serviço por parte do Ministério do Esporte, a SS 1.
A SS 1 tentou englobar seis meses a fio, de agosto de 2009 a janeiro de 2010.  Mais uma vez, a medição necessária deixou de ser feita e o pagamento de quase R$ 5 milhões foi realizado, sem atraso, referente a 36,78% do valor inicial do contrato (com três aditivos, o preço subir a R$ 24 milhões)
Os gestores do Ministério do Esporte simplesmente reproduziram aquilo que o edital já havia requerido. Nada de medição real. Copiaram o que estava no edital como plano de trabalho e enviaram ao TCU como serviço feito e  pago (sem medição real).
. Ressalte-se que a Solicitação de Serviços – SS 01 englobou período de seis meses da execução contratual e gerou pagamentos da ordem de R$ 4.875.760,16 (Anexo 1, fl. 209), correspondentes a 36,78% do valor do ajuste, quantia representativa que agrava a situação verificada. Impende salientar que o foco desta análise é o cumprimento das determinações já proferidas. Não se está a apurar, neste momento, eventual prejuízo ao erário e a mensuração de possível débito decorrente da contratação em tela.”
De agosto de 2009 a agosto de 2010 foram emitidas 36  ordens de serviço, segundo o TCU. Todas trouxeram a mesma ilegalidade: não havia correlação entre os serviços supostamente prestados e os profissionais designados. Os fiscais do ME apenas copiaram os termos do edital da concorrência. Esse procedimento está sendo usado por todos os envolvidos no Consórcio: “tudo o que fizemos está no edital”.
O TCU é conclusivo quanto ao afrouxamento do controle por parte dos fiscais do Ministério do Esporte:
“ subsistem as falhas quanto à ausência de definição de produtos, subprodutos, nível de qualidade e quantificação do respectivo limite máximo de homens-hora, bem como no tocante às respectivas medições e atestos da prestação de serviços”.
A discriminação do serviço prestado é exatamente igual ao que estabelecia o edital da concorrência. O Tribunal desconfia dessa coincidência e denuncia pagamentos sem comprovação de serviços e gastos:
“...reforça o entendimento quanto à utilização das ordens de serviço para adequar a execução contratual à determinação do TCU, de maneira apenas formal, sem, no entanto, representar efetivamente a relação entre os produtos, a carga horária necessária e o custo efetivo dos serviços”.
José Lincoln Daemon é o subsecretário de Planejamento, Orçamento e Adminstração do Ministério do Esporte. Ele e os outros funcionários não convenceram os auditores do TCU. Daemon autorizou a renovação do contrato com o Consórcio Copa 2014, apesar de todos os erros de fiscalização verificados.



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