Tiago Pariz
Publicação: 31/01/2011 08:17 Atualização: 31/01/2011 08:17
Os hospitais universitários, mantidos pelo Ministério da Educação (MEC), compraram, ao longo de 2010, insumos e medicamentos com valores superfaturados em quase 1.400%. A aquisição não levou em conta o banco de dados elaborado pelo próprio governo para padronizar preços mínimos e máximos na área de saúde.
Dados das compras registradas no Portal da Transparência do governo federal comparados ao Banco de Preços em Saúde (BPS), mantido pelo Ministério da Saúde, mostram situações abusivas, como a constatada no hospital da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). A instituição pagou R$ 7,70 por comprimido de cloreto de potássio, usado para fazer soro fisiológico, quando o BPS estabelece R$ 0,52 como preço máximo para esse produto. No Distrito Federal, por exemplo, as compras foram registradas a R$ 0,35 por comprimido. Levando-se em conta o valor máximo pago por uma instituição pública, o superfaturamento na UFSC é de 1.380%.
O hospital da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) também teve compras com valores bem acima dos preços sugeridos pelo próprio governo. A instituição adquiriu 400 ampolas de fitomenadiona, mais conhecida como vitamina K1, com preço 147% superior ao máximo pago pelo governo. Cada ampola saiu a R$ 2,47, num total de R$ 988. Os preços variam, de acordo com o BPS, de R$ 0,31 a R$ 1, no máximo. Ainda foram compradas, sem licitação, 8 mil cápsulas de hidroxiureia, usadas em pacientes com anemia falciforme, ao valor unitário de R$ 1,44, totalizando R$ 11.520. Isso significa um superfaturamento de 18%, levando-se em conta o valor de R$ 1,22, limite pago pelo governo.
O Correio encontrou casos de valores com sobrepreço em sete instituições mantidas por universidades federais em Juiz de Fora, no Rio de Janeiro, em Niterói (RJ), em Alagoas, em Mato Grosso, em Mato Grosso do Sul e em Santa Catarina. O hospital universitário Professor Alberto Antunes, em Alagoas, por exemplo, pagou 15% a mais do valor proposto pelo governo em drágeas de exemestano, usadas no tratamento de câncer de mama. A unidade custou R$ 14,99, num total de R$ 4,5 mil. O governo padronizou o preço no BPS entre R$ 12,14 e R$ 13.
A Controladoria-Geral da União utiliza o BPS como referência para analisar as compras governamentais. O banco de dados é um sistema on-line que disponibiliza preços de medicamentos e produtos para a saúde adquiridos por instituições públicas e privadas. A proposta do BPS é divulgar as informações sobre os preços para auxiliar as instituições na gestão de seus recursos financeiros.
“Negociação”
A assessoria de imprensa do Ministério da Educação informou, por meio de nota, que os hospitais obedecem as próprias relações de mercado. “Hospitais que estão com suas finanças em dia com os fornecedores muitas vezes conseguem melhor margem de negociação. Em outros casos, quando os hospitais não estão em dia com os fornecedores, não conseguem bons preços e margem de negociação”, consta na nota enviada ao Correio.
O superfaturamento vai na contramão do que prega o ministro da Educação, Fernando Haddad. Na primeira reunião ministerial do governo da presidente Dilma Rousseff, ele citou o programa de compras dos hospitais universitários como exemplo de economia para os cofres públicos. O ministério alegou que, desde o ano passado, trabalha na implementação de um sistema centralizado de compras por pregão no âmbito do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para a aquisição de medicamentos e insumos. “Até o momento, foram homologadas quatro licitações na modalidade pregão, com o objetivo de registro de preço, somando-se 184 tipos de medicamentos e insumos. A economia conseguida pela ação é estimada em R$ 54,6 milhões”, diz a pasta em nota.
Estatal
No fim do ano passado, o governo criou uma estatal para gerenciar os hospitais universitários do país. Denominada de Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), a empresa, que não tem previsão para começar a operar, tem como responsabilidade prestar serviços de assistência e fornecer funcionários. Segundo o Ministério da Educação, são 46 hospitais, vinculados a 32 universidades federais.
Problemas nas Forças Armadas
Os hospitais administrados pelas Forças Armadas também adquiriram insumos e medicamentos com valores bem superiores ao máximo praticado pela administração pública. Os casos de preços mais discrepantes ocorreram no Hospital Naval Marcílio Dias, no Rio de Janeiro, com elevação de até 2700% na comparação com outras aquisições de instituições públicas. Em 27 de julho do ano passado, de acordo com a nota 2010NE001016, do Portal da Transparência, a instituição gastou R$ 44.071,20 para comprar dois medicamentos —sutent e fludara—, ambos utilizados para tratamento quimoterápico de câncer.
O hospital adquiriu duas unidades de sutent 50 mg ao custo de R$ 12.360,60 cada. De acordo com o Banco de Preços em Saúde, o valor máximo é R$ 441,45, uma diferença de 2.700%. A mesma nota de empenho mostra que a instituição comprou nove unidades de fludara 50 mg a R$ 2.150 cada. O maior valor praticado pelo governo até agora foi de R$ 705,39, o que dá um valor divergente em 204%.
O Exército comprou em setembro de 2010 16 frascos ampola de interferona alfa peguilado 2b de 80mcg, usado em pacientes com hepatite C, por R$ 923,13 cada, preço 24% superior ao máximo registrado no BPS. Em agosto, o Exército também comprou 90 cápsulas de tansulosina 0,4mg, usado em casos de cáculos ureterais, por R$ 4,17 a unidade, 36% acima do registrado no banco de preços. O máximo pago por uma instituição pública foi de R$ 3,05. A Força Aérea comprou em outubro abatacepte 250 mg para estágios moderados e avançados de artrite reumatóide a R$ 1.314 cada, valor 23% maior que o máximo registrado no BPS.
O Correio encontrou preços acima do máximo estabelecido pelo banco de dados do Ministério da Saúde em sete instituições, incluindo o Marcílio Dias, são eles: Hospital da Força Aérea do Galeão, Hospital Militar de Área de Brasília, Hospital Central da Aeronáutica, Hospital Central do Exército, Hospital de Guarnição de Florianópolis e o Hospital Militar de Área de São Paulo. Os dados são de 2010.
Pregão
O Exército informou que as compras ocorreram por meio de pregão eletrônico e que no período alguns hospitais aderiram a pregões de outras instituições para dar agilidade na aquisição de medicamentos de alto custo. Informou ainda que os preços praticados estão de acordo com a tabela oficial da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). E ressalvou que outros órgãos da administração pública não cadastrados no BPS podem praticar preços diferentes. “Os valores assinalados registrados no Banco de Preços em Saúde (BPS) tratam-se de fato de valor real de aquisição de medicamentos por parte de alguns órgãos públicos cadastrados nesse sistema, o que não impede que outros órgãos, não cadastrados nesse banco, pratiquem preços diferentes, quer a maior ou a menor”, consta de nota do Exército encaminhada ao Correio.
A Força Aérea informou que a licitação realizada no Hospital do Galeão “seguem as mais modernas técnicas e institutos do direito administrativo em vigor no Brasil, acompanhando-se rigorosamente a doutrina dos mais renomados consultores jurídicos”. Segundo a Aeronáutica, o preço empenhado pelo abatacepte teve como base licitação feita em 2009 pela Secretaria de Saúde de São Paulo e cita os valor, registrados pelo Guia Farmacêutico (Brasíndice), de R$ 1.885,26. “Pode-se concluir que a aquisição (…) demonstrou extrema vantagem para a administração pública, visto que adquiriu com preço 30,3% abaixo do máximo de mercado, conforme o consagrado Guia Farmacêutico”, consta da nota da Força Aérea. A Controladoria-Geral da União utiliza os preços registrados no BPS como orientadores das análises. A Marina não respondeu ao pedido do Correio. (TP)
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