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Senadores usam dinheiro que sobrou em um mês para extrapolar cota de passagens aéreas no mês seguinte |
Economia num mês, gastança no outro. A brecha para acumular ao longo do ano créditos não utilizados em um mês permite que os senadores ultrapassem a verba mensal de transporte aéreo. Levantamento feito pelo Congresso em Foco no Portal da Transparência mostra que ao menos 20 senadores gastaram mais do que o previsto por mês em 47 ocasiões em 2010. Os dados se referem ao período entre janeiro e outubro de 2010, quando foram gastos R$ 4,8 milhões com o benefício.
Os senadores que mais se valeram da verba foram Valdir Raupp (PMDB-RO), Fátima Cleide (PT-RO) e Heráclito Fortes (DEM-PI). O presidente interino do PMDB gastou R$ 173 mil nos dez primeiros meses de 2010; a petista, R$ 163 mil; e o piauiense, que é o primeiro-secretário do Senado, R$ 150 mil. Heráclito, Raupp e a senadora Kátia Abreu (DEM-TO) foram os que extrapolaram a cota mensal mais vezes: cinco cada. Por terem usado menos em outros meses, nenhum deles extrapolou a cota anual a que têm direito.
Nove senadores gastaram mais de R$ 100 mil em passagens entre janeiro e outubro do ano passado, último mês cuja consulta está disponível. Nenhum dos senadores ultrapassou a cota anual a que têm direito. O período em que houve mais gastos acima do limite foi julho: nove senadores ultrapassaram o limite mensal naquele mês, quando o Senado realizou apenas quatro sessões deliberativas e saiu de recesso no dia 20. Naquele mês, a Casa gastou R$ 590,7 mil com as passagens dos senadores, terceiro maior volume do ano.
Pelas regras da Casa, cada parlamentar tem direito ao equivalente a cinco trechos de ida e volta entre a capital de seu estado e Brasília. O valor mensal da verba varia de estado para estado: de R$ 6 mil, para senadores de Goiás e do Distrito Federal, a R$ 28,7 mil, para senadores do Amapá. Com a brecha para o acúmulo de crédito de um mês para outro, o limite anual vai de R$ 72 mil a R$ 334,2 mil.
A verba garantida a cada senador é generosa e permite a realização de mais voos do que o previsto no ato normativo, conforme cotações feitas pelo site nas duas principais companhias do país. Essa variação de preços chega até a 46%, conforme mostrou oCongresso em Foco.
Quem menos recorreu à verba entre os 80 senadores cujas prestações de contas estão disponíveis no Portal da Transparência do Senado foi o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP). Há registro de uso de apenas R$ 977,24, num único mês: agosto. Pelo cargo que ocupa, Sarney tem direito a voar em aviões da Força Aérea Brasileira (FAB). O Senado não soube informar se todas as demais viagens de Sarney no período foram feitas em avião oficial.
Em vigor desde abril de 2009, a norma que instituiu a verba de transporte aéreo no lugar das cotas aéreas permite ao senador acumular créditos não utilizados num mês. A proibição se refere apenas ao acúmulo de um ano para outro. Em dezembro de 2009, porém, o Senado abriu uma exceção: permitiu que os senadores utilizassem no ano eleitoral de 2010 os créditos acumulados no ano anterior. Decisão semelhante foi tomada pela Câmara. As duas Casas alegaram que parte do dinheiro já havia sido repassada às empresas aéreas e que a utilização dos créditos acumulados representaria uma fase de transição para as novas regras.
Os senadores também podem usar outro recurso público, a chamada verba indenizatória, para custear despesas de locomoção. Nesse caso, podem pedir ressarcimento de despesas com transporte terrestre ou aéreo, por exemplo.
Farra das passagens
Em abril de 2009, o Congresso em Foco começou a publicar uma série de reportagens sobre o uso indiscriminado de cotas de passagens aéreas parlamentares, que deu expressão nacional ao que ficou conhecido como “farra das passagens”. Deputados e senadores usavam suas cotas para objetivo diverso do benefício, custear o trabalho dos congressistas. Além disso, constatou-se que uma máfia comercializava as muitas sobras de créditos num mercado paralelo ilegal.
O Ministério Público Federal (MPF) abriu, mas ainda não concluiu suas investigações. A Câmara não encontrou indícios contra deputados acusados de vender bilhetes que sobravam e perdoou o uso comprovado para fins particulares. Pelo menos 19 funcionários foram demitidos na Casa.
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