Não conheço missão maior e mais nobre que a de dirigir as inteligências jovens e preparar os homens do futuro disse Dom Pedro II

domingo, 24 de janeiro de 2010

O Judiciário não exorbita

Estadão (Editorial)

Primeiro foi o juiz Álvaro Ciardini, da 2ª Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal, que, em liminar concedida numa ação popular, afastou da presidência da Câmara Distrital de Brasília o deputado Leonardo Prudente - aquele que escondeu nas meias o dinheiro do "mensalão do DEM".

Em seguida foi o juiz Vinicius Santos, da 7ª Vara da Fazenda do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que determinou que os oito deputados distritais envolvidos no escândalo não poderão votar matérias que se refiram aos pedidos de impeachment do governador José Roberto Arruda.

No despacho o magistrado lembrou aquilo que os deputados não poderiam ter esquecido: "A ninguém é dado o direito de ser juiz da própria causa." E foi além: "A participação de alguém em investigação, em procedimento, onde se apuram fatos relacionados à sua pessoa fere as mais elementares regras da razão. É atentado frontal à razoabilidade, moralidade e impessoalidade, previstos pela Constituição da República."

Com isso, o juiz quebrou a cadeia de solidariedade que tem garantido a impunidade de políticos submetidos a Conselhos de Ética e Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), de onde saem absolvidos - frequentemente depois de terem reduzido a pó o decoro - porque são julgados por aliados e íntimos amigos - quando não por eles próprios, como pretendiam fazer deputados distritais de Brasília.

Mas não se pode deixar de observar que foi com muita esperteza que a base aliada do governador José Roberto Arruda aproveitou o despacho do juiz Vinicius Santos para acabar com a CPI da Corrupção na Câmara Distrital.

Seu presidente, o deputado Alírio Neto - não por coincidência, ex-secretário do governador Arruda -, argumentou que o juiz determinara o "reconhecimento da invalidade de todo ato deliberativo já praticado, no qual houve a interferência direta e cômputo do voto dos deputados ora afastados" e extinguiu a CPI, além de considerar nula a composição da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e os atos por ela praticados.

Com isso os aliados de Arruda tentaram retardar o processo de impeachment, pois, anulada a formação da CCJ, o prazo de 20 dias para a apresentação do relatório dos pedidos de impeachment, que acaba na terça-feira, teria de ser reaberto.

Além disso, seria adiado o depoimento do ex-secretário de Relações Institucionais do governador José Roberto Arruda, Durval Barbosa, que, beneficiado por delação premiada, entregou às autoridades as gravações que mostram políticos brasilienses recebendo dinheiro vivo do suposto "propinoduto" exposto pela Operação Caixa de Pandora, da Polícia Federal.

Nesse depoimento, como Barbosa confidenciara a advogados, seriam feitas novas revelações e, provavelmente, exibidas provas gravadas de outras falcatruas perpetradas no esquema do mensalão.

De certo, não contavam os aliados do governador com nova e pronta decisão do juiz Vinicius Santos que, em despacho, esclareceu que a decisão de quarta-feira se referia única e exclusivamente ao processo de impeachment na Comissão de Justiça e na Comissão Especial. Com isso, desarmou a artimanha dos mensaleiros.

O fato é que a Justiça está dando à Câmara Distrital de Brasília o tratamento profilático que deveria estar sendo aplicado pelos deputados que não foram contaminados pela corrupção. É o Poder Judiciário intervindo - legitimamente - para restabelecer o equilíbrio no exercício de outro Poder.

Ultimamente, têm sido frequentes as críticas - às vezes indignadas - de parlamentares e governantes ao Poder Judiciário, quando este interfere em atos legislativos ou determina a perda de mandatos, geralmente por desrespeito comprovado à legislação eleitoral.

Tem-se alegado, nesses casos, a quebra do princípio da separação e independência dos Poderes de Estado. O que os críticos não consideram é que há contrapesos para garantir ou restabelecer, quando necessário, o equilíbrio do sistema.

Assim, não se admite que agentes de um Poder transformem prerrogativas em privilégios ou que usem em causa própria - e ilegítima - as regras do ordenamento jurídico, em detrimento dos princípios de moralidade contidos no Direito positivo.

É por isso que essas interferências do Poder Judiciário no comportamento dos integrantes das Casas Legislativas não significam exorbitância alguma. Antes, fazem parte do sistema imunológico do sistema democrático.

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