Roberto Pereira de Souza
Do UOL, em São Paulo
Por que João Havelange e Ricardo Teixeira se livraram das acusações criminais na Justiça Suíça, após terem recebido US$ 15,6 milhões em propinas (apenas) entre agosto de 1992 e maio de 2000? Essa foi a grande dúvida dos membros do Comitê Europeu para Esportes e Ciência, durante a investigação da corrupção na Fifa, feita ao promotor suíço, Thomas Hildbrand, que denunciou os brasileiros.
A resposta do promotor está no relatório parcial divulgado pelos parlamentares europeus, esta semana.
A decisão do encerramento do caso contra os brasileiros se baseia no artigo 53 do Código Criminal da Suíça, “que trata de acordos feitos para reparação de danos”.
Por trás do livramento dos brasileiros acusados, há um acordo desenhado pela Fifa, no valor de R$ 6,2 milhões (R$ 5,1 milhões pagos por Teixeira e R$ 1,1 milhão pago por Havelange).
O promotor explicou: “Se o acusado (Havelange/Teixeira) reparou a perda, prejuízo ou ferimento causado (s) ou demonstrou esforço razoável para consertar o erro, a promotoria deve encerrar a ação criminal ou evitar levá-los a julgamento”.
Prevendo a dificuldade de compreensão por parte dos parlamentares europeus, Hildbrand avançou no código penal e citou o artigo 42, que também regula o chamado interesse público na condenação de um criminoso: “No caso de a pessoa ofendida se sentir reparada pelo acusado, o promotor público deverá encerrar o caso, por falta de necessidade de restauração de direito ferido”.
Há vários pontos de interesse na abordagem do promotor, começando pelo fato de os advogados que defenderam Ricardo Teixeira serem os mesmos que trabalham para a Fifa e Joseph Blatter, em Zurique.
O promotor estranhou e suspeitou dessa “proximidade de advogados” , mas seguiu com o acordo.
ADVOGADOS NÃO LOCALIZADOS
A reportagem do UOL Esporte tentou localizar os advogados de Ricardo Teixeira e João Havelange, mas não obteve sucesso no contato com os defensores da dupla.
Em resposta aos parlamentares europeus, o promotor dividiu o argumento doutrinário em 32 parágrafos.
Por coincidência, 32 foi também o número de depósitos feitos nas contas das empresas Sanud, Garantie JH e Renford Investments Ltd usadas por Teixeira e Havelange somente em oito anos, para coletar cerca de R$ 27 milhões.
No total, estima-se que cerca de R$ 70 milhões em comissões teriam sido depositados em contas de outras empresas de fachada usadas no esquema.
O maior projeto de corrupção da história do futebol movimentou o equivalente a R$ 254 milhões entre 1989 e 1998, ano da saída de Havelange da presidência da Fifa.
ALGUMAS EMPRESAS ENVOLVIDAS EM SUBORNO, SEGUNDO JUSTIÇA SUÍÇA
Garantie JH
Sanud
Renford Invest
US$ 1,5 milhão
US$ 8,5 mihões
US$ 5,6 milhões
03/03/1997
de 16/02/93 a 28/11/97
de 23/06/1999 a 04/05/2000
Beleza US$ 1,5 milhão de 27/03/91 a 01/11/91
Ovada US$ 820 mil 22/01/1992
Wando US$ 1,8 mihão de 06/07/89 a 22/01/93
Sicuretta US$ 42,4 mihões de 25/09/89 a 24/03/99
A Fifa como acusada e vítima
O dilema de a Fifa ser acusada de gestão temerária de suas receitas e negócios (e também ser vítima do esquema que criou) forçou o ministério público a aceitar um acordo entre os brasileiros e a entidade. “Criou-se um nó jurídico”, defendeu-se.
“A Fifa era a terceira acusada no processo criminal em Zug por descuido administrativo”, explicou Hildbrand. “Em resposta a seus atos de má administração a entidade foi obrigada a depositar 2,5 milhões de francos suíços (R$ 5,17 milhões) na conta do Ministério Público. Esse dinheiro será usado em projetos sociais”.
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O promotor destacou ainda que Joseph Blatter trabalhou pelo acordo por “saber das rotinas internas e do movimento das propinas”.
Isso talvez explique por que Joseph Batter teve um interesse especial no encerramento do caso, ao aceitar a devolução de apenas parte do dinheiro recebido ilegalmente pelos brasileiros.
“Não posso dizer que ele esteja envolvido na distribuição das propinas ou que tenha se beneficiado dos crimes, mas ele esteve na direção da Fifa como diretor técnico, secretário geral e presidente, desde o início dos problemas, nos anos 70”, comentou Hildbrand.
Perda de interesse na condenação
Para reforçar a doutrina penal suíça, o promotor também explicou que o interesse do “Ministério Público diminui na mesma proporção da reparação do dano causado contra qualquer vítima”.
“Se os danos são financeiros e se o crime aconteceu anos atrás, a necessidade de ação penal diminui com o passar do tempo”, finalizou Hildbrand.
Além disso, sem a parte ofendida, não pode haver ação criminal: “Foi exatamente o que aconteceu nesse caso com os acusados H (Teixeira) e E (Havelange) e a Fifa”, explicou o promotor suíço, que manteve os nomes dos brasileiros sob sigilo em suas respostas.
A vinculação dos códigos (H e E) aos nomes das empresas dirigidas pelos brasileiros foi possível graças a um cruzamento de dados sigilosos, obtidos por UOL Esporte, em 2011.
O pagamento R$ 5,17 milhões ( 2,5 milhões de francos suíços) foi aceito pela promotoria (a pedido da Fifa) para o encerramento do caso contra Ricardo Teixeira.
João Havelange, continuou caminhando livre pelas ruas “por ser idoso e ter seus rendimentos reduzidos por pensão e aposentadoria” e por devolver o equivalente a R$ 1,03 milhão. O dinheiro foi depositado na conta de massa falida da empresa International Sports Leisure (ISL), que saiu do mercado em 2001, deixando um rombo estimado em mais de R$ 320 milhões.
Ricardo Teixeira renunciou à presidência da CBF e ao cargo de executivo da Fifa, em março de 2012. Havelange renunciou a cargo vitalício no Comitê Olímpico Internacional, durante uma investigação por corrupção, em dezembro de 2011.
No último fim de semana, Havelange, que está internado há mais de 40 dias, no Rio de Janeiro, recebeu a visita surpresa de um velho aliado dos tempos de Fifa: Joseph Blatter, o presidente que o substituiu, em 1998.
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