Incêndio em unidade matou mulher que estava em estado grave. Apacorados, pacientes ameaçaram se jogar pela janela
O DIA
Rio - O fogo que levou pânico a 320 pacientes do Hospital Universitário Pedro Ernesto, em Vila Isabel, e matou uma mulher internada em estado terminal poderia ter sido evitado.
Há 12 anos, a unidade, que sequer tem brigada contra incêndio, não passava por vistoria do Corpo de Bombeiros. A coluna espessa de fumaça invadiu vários setores, espalhando o terror: doentes quebraram janelas e ameaçaram se jogar.
Pacientes foram retirados às pressas do hospital | Foto: Osvaldo Praddo / Agência O Dia
O incêndio começou por volta das 5h30 no almoxarifado de um prédio anexo. O resgate dos pacientes foi dramático, alguns foram retirados pela escada magirus do Corpo de Bombeiros. Cem bombeiros foram mobilizados. Funcionários desceram até quatro andares com doentes no colo.
“Foi muito desespero. Não vi brigada de incêndio no hospital. Tentei ajudar. Fui até o segundo andar. Tinha muita fumaça, vidros quebrando e pessoas tentando pular as janelas”, lembrou a bancária Gleide Macena, 32 anos, que estava no térreo tentando marcar consulta. “A grande dificuldade foi o resgate com a fumaça. Foi um alívio conseguir tirar os pacientes”, contou a supervisora de enfermagem, Bianca Ceciliano.
Na ânsia de se afastar da fumaça, quatro pacientes se trancaram no banheiro da Enfermaria Torácica, no 4º andar. Edenir Pereira, 65, que sofria de fibrose pulmonar (perda de capacidade de transferir oxigênio para o sangue), sofreu parada cardíaca e não resistiu. Médicos tentaram reanimá-la, mas foi em vão. “Possivelmente a fumaça contribuiu para o óbito acontecer”, admitiu o governador Sérgio Cabral.
Nova perícia
Quinze pessoas que estavam em estado grave, entre elas quatro bebês da Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), tiveram que ser levados para outros hospitais.
Inquérito foi aberto na 20ª DP (Vila Isabel) para apurar o incêndio. Uma perícia complementar será feita hoje para tentar identificar o que provocou as chamas. Veja o vídeo do SBT Rio
Tentativa frustrada de salvar idosa
A professora Cláudia Rondeli, 47, contou que a mãe, Ivone Rondeli, 65, ligou do celulardizendo que ela e três pacientes, entre elas Edenir, estavam morrendo sufocadas num banheiro. “Minha mãe molhou a blusa e colocou no rosto de Edenir, para evitar a inalação de fumaça. Em vão”, lamentou.
“Na densa fumaça, só se enxergavam as lanternas dos bombeiros. Impedi que algumas pessoas, desesperadas, pulassem das janelas”, detalhou Sheila Santos, 32, que acompanhava o marido, Wagner Gomes, 37.
Pacientes de hospital se apavoram com incêndio
Pacientes precisaram ser retirados às pressas de unidade de saúde
Foto: Osvaldo Praddo / Agência O Dia
Prejuízo de R$ 5 milhões
Combate às chamas danifica prédio e inutiliza aparelhos e insumos
Para minimizar o forte calor dentro da unidade, bombeiros usaram jatos d’água nas enfermarias, o que acabou danificando paredes e equipamentos.
Segundo o diretor do hospital, Rodolfo Acatauassu, alguns setores podem levar mais de um mês para serem reabertos. “Calcula-se um prejuízo de pelo menos R$ 5 milhões”, lamentou Rodolfo. Ele chegou a anunciar, ‘por engano’, o nome de Enerdina (que na verdade é Ernestina) Alves Mendes, 82, como a paciente que morreu — caso da idosa Edenir Pereira. Ernerstina é outra internada e passa bem.
“Foi um susto enorme”, desabafou o filho de Ernestina, Demerval Parrot, 52.
O prejuízo não se limitou à estrutura do prédio.No incêndio foram perdidas centenas de próteses e órteses, frascos de soro e seringas. O reitor da Uerj, Ricardo Vieiralves, garantiu que o almoxarifado foi construído dentro das normas de segurança.
Hoje, funcionarão os setores de quimioterapia, radioterapia, radiologia, coletas de exames laboratoriais, pré-natal e oftalmologia (catarata). O Ambulatório Central será reaberto amanhã. As consultas marcadas para ontem e hoje serão reagendadas a partir da próxima semana.
Placa na portaria dificultou a entrada dos bombeiros
Eram 5h15 quando o sargento bombeiro aposentado Antônio José Martins, de 69 anos, estava na fila do hospital à espera da sessão de quimioterapia, no térreo, devido ao tratamento de leucemia. Minutos depois, ele ouviu um estalo e viu a fumaça preta saindo pela janela do prédio.
“Ouvi gritos desesperados pedindo socorro, vi pacientes ameaçando se jogar pela janela e seguranças desnorteados pelos corredores batendo de porta em porta”, conta ele, que ligou para o 193 e se identificou para os colegas.
Martins conta que placa com o aviso ‘Não temos Emergência’ era baixa demais e dificultou a entrada do carro dos bombeiros: “Havia pessoas sem condições de se locomover e a fumaça era muito grande.”
Sem conseguir informações imediatas, parentes de pessoas internadas se desesperavam. “A espera é horrível, me sinto impotente”, dizia, trêmula, Sheila Santos, antes de conseguir encontrar o marido.
Incêndio no Hospital Pedro Ernesto (Hupe) começou por volta das 5h30 | Foto: Leitor @aandrioni
Salas com 50% da capacidade
A lacuna de 12 anos sem vistoria do Corpo de Bombeiros não é o único problema do Hospital Universitário Pedro Ernesto. Segundo funcionários, as salas de cirurgia funcionam com 50% da capacidade. Faltam material cirúrgico e filme para raios-X. Há problemas na manutenção dos elevadores e no pagamento de funcionários.
“O prédio tem rachaduras nas paredes e infiltrações”, conta a nutricionista Cintia Teixeira, do Sindsprev. Em setembro de 2006, a precariedade levou estudantes e profissionais a fecharem a Boulevard 28 de Setembro. Na época, a unidade suspendeu cirurgias.
Para o governador Sérgio Cabral, o Hupe é ‘sem dúvida o que melhor funciona no Rio dentro de todos os hospitais universitários’. Ele afirma que a unidade recebeu mais de R$ 40 milhões nos últimos cinco anos. No pátio da unidade, prometeu: “Vim aqui garantir ao reitor e ao diretor do hospital total apoio para que se possam fazer os gastos necessários no hospital.”
Reportagem de Alessandra Horto, Christina Nascimento, Francisco Edson Alves, Marcello Victor e Pâmela Oliveira
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