Segundo órgão, estatal fechou R$ 16,3 bilhões em contratos sem licitação em 2011
RIO - O Tribunal de Contas da União (TCU) vai promover este ano uma varredura nos contratos assinados pela Petrobras e por empresas em que a estatal tenha o controle societário, no Brasil e no exterior. Segundo o Tribunal, a empresa tem desrespeitado regras de contratação. Maior estatal brasileira, a Petrobras assinou no ano passado contratos que somam R$ 16,3 bilhões sem qualquer tipo de concorrência ou tomada de preços com fornecedores, o que representou quase um terço da contratação de serviços da companhia (R$ 52 bilhões). O valor equivale ainda a 19% dos R$ 84,7 bilhões em investimentos previstos pela empresa em 2011. Se levarmos em conta os últimos três anos, as contratações sem concorrência engordaram as contas bancárias de prestadores de serviços em R$ 49,8 bilhões. Os dados foram compilados pelo GLOBO com base em cerca de 20 mil contratos de serviços — construção, projetos, instalações de equipamentos e manutenção, por exemplo — disponíveis no site da estatal.
A compra sem concorrência é prevista pela própria Lei das Licitações (número 8.666) e pelo decreto que simplificou as contratações da estatal em 1998, que permitem classificar os contratos como "dispensa", "inexigibilidade", "inaplicabilidade" ou "convênios". Segundo o Tribunal, que se posiciona contrário à flexibilização das regras de compras da empresa, seu técnicos começam a observar desrespeito às regras, mesmo pelos critérios previstos no decreto de 1998.
— Muitas vezes, o Tribunal verifica que a Petrobras tem descumprido até as regras do decreto. A Petrobras é muito grande, dentro do Brasil e no exterior. Estamos agora tentando varrer todas as atividades societárias da Petrobras. A Petrobras América, que tem escritórios no Golfo do México e em Nova York, pode ser auditada a qualquer momento. No ano passado, fizemos isso na Petrobras Netherlands, que contrata plataformas, e impedimos o pagamento referente ao reequilíbrio financeiro de um contrato — diz Carlos Eduardo de Queiroz Pereira, titular da 9ª Secretaria de Controle Externo do TCU.
Os contratos sem licitação da Petrobras geram polêmica desde que o governo Fernando Henrique Cardoso baixou o decreto em 1998 flexibilizando as regras de contratação da companhia. São casos específicos em que a empresa pode abrir mão da concorrência. É o caso de "guerra ou calamidade pública", urgência que possa "ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras", serviços de "natureza singular".
Concorrência reduz custos, diz advogado
Entre os contratos fechados pela Petrobras sem concorrência está, por exemplo, o de fornecimento de alimentação por R$ 1,9 milhão, em abril de 2011, com "inexigibilidade" de concorrência. Há ainda o de fornecimento de bens e serviços do oleoduto de Cacimbas, em Barra do Riacho (ES), por R$ 6,4 milhões, assinado em março de 2011. Em outro contrato, a estatal vai desembolsar R$ 5,9 milhões para serviços de montagem industrial de caldeiraria e tubulação com "dispensa" de concorrência, contrato de fevereiro de 2011.
Segundo especialistas, a Petrobras atua em um mercado competitivo e não pode ficar engessada em regras burocráticas que exigem lançamento de editais, publicações, prazos de propostas. Por outro lado, eles ressaltam que se trata de empresa majoritariamente pública, que administra contratos bilionários, e cobram transparência e mais fiscalização para o melhor uso do dinheiro público.
Para Claudio Weber Abramo, diretor-executivo da ONG Transparência Brasil, os gastos sem licitação mostram um uso exagerado do decreto que simplificou as regras de contratações da estatal.
— A dispensa de licitação, por si só, não é um indício de fraude. O ponto é que, quando você faz uso recorrente disso, abre espaço para possíveis irregularidades. Sempre ficam dúvidas sobre os critérios que foram usados para a escolha de determinada empresa, se houve direcionamento — avalia Abramo, especialista no tema corrupção.
O uso do decreto de 1998 é sistema$criticado pelo TCU, que chegou a sugerir que administradores da Petrobras fossem responsabilizados por contratações sem licitações. O Supremo Tribunal Federal (STF) garantiu, no entanto, em decisões liminares, o direito de a estatal recorrer ao decreto. Uma decisão final sobre o assunto está pendente.
Especialistas em petróleo afirmam que o processo licitatório é mais transparente e promove a competição.
— Os números da Petrobras são superlativos por causa dos grandes montantes de recursos e empreendimentos envolvidos. E eu entendo que, onde houver dinheiro público, é preciso o respectivo controle, seja interno, com auditorias, como externos, como no caso do Tribunal de Contas. E, claro, da coletividade — afirma Marcio Pestana, professor de Direito Administrativo e Público da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap).
Essa é também a opinião do advogado Cláudio Pinho, especialista na área de petróleo e gás:
— A Petrobras não é obrigada, mas é uma prática saudável, de boa governança e transparência, fazer licitações. Gera mais competição e pode-se reduzir custos.
A maior transparência nas compras e contratações é fundamental, segundo Pinho, em se tratando de uma sociedade de economia mista, como a Petrobras, onde parte dos recursos é pública. Mas o advogado concorda também que a Petrobras precisa ter certa agilidade em suas compras para competir no setor. Por isso, Pinho acha muito importante a atuação cada vez maior do TCU na averiguação das compras sem licitação.
Estatal diz que busca competição
Outro especialista, o advogado Guilherme Vinhas, também defende maior fiscalização. Ele concorda que as compras sem licitação trazem mais agilidade à estatal, mas destaca que, devido aos elevados valores envolvidos, é necessária uma fiscalização mais rígida.
— Essas compras sem licitação têm de ter uma justificativa muito razoável — afirmou Vinhas.
Já o especialista Adriano Pires Rodrigues, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), disse que, apesar de ser favorável à Petrobras contratar sem licitação para ter mais agilidade, ele se preocupa com a forte ingerência política na gestão da companhia.
— A empresa ter mais agilidade nas contratações é importante, mas, ao mesmo tempo, me preocupa, pois sabemos a forte ingerência política na Petrobras quando vemos o governo controlando a política de preços dos combustíveis, por exemplo. Então essas compras sem licitação precisam ter um controle e uma fiscalização mais rigorosos — afirmou Adriano Pires.
Para a indústria fabricante de materiais e equipamentos, não faz diferença se as compras da Petrobras são feitas por carta-convite, ou por meio de licitações, afirmou o diretor da Associação Brasileira das Indústrias de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) Alberto Machado. Segundo ele, o mais importante para o setor é garantir que o maior número de encomendas seja feito no país:
— O que a indústria pleiteia sempre é ter a informação das demandas para poder se preparar e atendê-las.
Em nota, a Petrobras afirmou que a licitação "é a regra para toda e qualquer contratação de obras, fornecimento de bens ou serviços". E acrescentou que há casos previstos na legislação em que a licitação é dispensada ou mesmo inexigível, por absoluta inviabilidade de competição. Para a companhia, seria o caso, por exemplo, de fornecedor detentor de patente ou direito autoral sobre o produto ou serviço requisitado ou, ainda, que possui exclusividade de representação comercial de fabricante estrangeiro.
Segundo a estatal, quando a legislação dispensa a licitação formal, a prática da Petrobras "é a de sempre buscar a competição, obtendo, no mínimo, três propostas de preços, de modo a garantir a competição entre fornecedores". A companhia acrescenta que a contratação direta, por si só, "não gera redução da competitividade" e que "será sempre a situação de mercado que indicará se é viável ou não haver competição entre os fornecedores".
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