Filipe Marques
Do Contas Abertas
Sete anos após a revelação do esquema pelo ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), o Supremo Tribunal Federal (STF) está prestes a concluir o julgamento da Ação Penal 470, o Mensalão. Até o momento, foram condenados 25 dos 38 réus do processo – com destaque para o operador do esquema, o empresário Marcos Valério, e os petistas José Dirceu, ministro da Casa Civil no primeiro governo Lula; José Genoíno, ex-presidente do partido; e Delúbio Soares, ex-tesoureiro da sigla.
Se o período de sete anos entre a descoberta e o julgamento do Mensalão foi longo, há um esquema de corrupção semelhante e mais antigo que aguarda análise do STF. Catorze anos depois de supostamente ter ocorrido, sete anos após ser descoberto e cinco anos depois de ser denunciado pela Procuradoria Geral da República (PGR), o chamado mensalão tucano, ou mensalão mineiro, continua sem data de julgamento.
O mensalão tucano – considerado pelo Ministério Público Federal (MP) como “a origem e o laboratório” do mensalão do PT, devidos às semelhanças entre os dois escândalos – teria sido o esquema para alimentar ilegalmente, com dinheiro de estatais, a campanha de reeleição do tucano Eduardo Azeredo (PSDB-MG), então presidente do partido, ao governo de Minas Gerais em 1998.
De acordo com o Ministério Público, no mensalão do PSDB foram desviados pelo menos R$ 3,5 milhões das estatais mineiras: R$ 1,5 milhão da Companhia de Abastecimento de Minas Gerais (Copasa), R$ 1,5 milhão da Companhia Mineradora de Minas Gerais (Comig) e R$ 500 mil do Banco do Estado de Minas Gerais (Bemge). A verba era repassada às empresas de Valério a título de patrocinar eventos esportivos promovidos pelas estatais. As competições teriam sido superfaturadas e a maior parte dos recursos canalizada para a campanha de Azeredo, derrotada nas urnas.
Segundo o então procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, hoje aposentado, as semelhanças entre os mensalões são várias. Em 89 páginas, a denúncia da PGR descreve como Marcos Valério, o mesmo operador, utilizou as mesmas empresas (suas agências de publicidade, a DNA Propaganda e a SMP&B Comunicações), o mesmo banco (o Rural) e o mesmo artifício (empréstimo fictícios) para desviar dinheiro público para a campanha de Azeredo. Ainda em comum, o mesmo marqueteiro: Duda Mendonça.
Segundo as investigações, também houve farta distribuição de dinheiro a parlamentares no mensalão mineiro. As ligações entre os dois esquemas não se limitam às estabelecidas pelo então procurador. O relator do processo do mensalão tucano também é o ministro Joaquim Barbosa, o mesmo do valerioduto federal.
Em dezembro de 2009, os ministros do STF receberam a denúncia e abriram processo criminal contra o hoje deputado Eduardo Azeredo, acusado de peculato e lavagem de dinheiro por participação no esquema. Na sessão de abertura, o hoje presidente do STF, Carlos Ayres Britto, apontou as semelhanças entre os esquemas. “Os protagonistas, o modus operandi, o tipo de benefício, um agente central nesse processo do ponto de vista da operacionalização que não entendia nada de publicidade, mas tudo de finanças e como obter com extrema facilidade recursos financeiros para campanhas eleitorais (em referência ao empresário Marcos Valério)”, disse.
Apesar das várias semelhanças entre os esquemas, o processo do mensalão mineiro foi desmembrado e apenas Azeredo e o seu então candidato a vice, Clésio Andrade (PMDB-MG) – hoje senador –, ambos com foro privilegiado, terão as acusações analisadas no STF. Ao contrário do que ocorreu no processo do mensalão federal – no qual todos os réus foram julgados pela Corte máxima, apesar de só três dos 38 terem foro privilegiado –, os outros treze acusados do mensalão mineiro vão responder ao processo junto à Justiça Estadual de Minas Gerais (veja a lista completa aqui). Dentre eles, o empresário Marcos Valério, condenado a corrupção ativa, lavagem de dinheiro e peculato no mensalão federal (ainda será julgado por evasão de divisas e formação de quadrilhas).
O desmembramento do valerioduto tucano, inclusive, foi usado pelo revisor do processo do Mensalão, o ministro Ricardo Lewandovski, para defender a tese de desmembramento da Ação Penal 470. Lewandovski destacou que o relator daquela ação também havia sido Joaquim Barbosa. Por sua vez, o relator chegou a interromper o colega para lembrar que defendeu o desmembramento do Mensalão no início do processo e foi derrotado em plenário.
Assim, apesar de o processo contra Azeredo ser aparentemente mais simples, com apenas dois réus, ainda não há qualquer previsão para o caso ser julgado. Tanto no STF como na Justiça mineira, o processo ainda está na fase de oitiva de testemunhas. Com a demora, há o risco de prescrição das penas em caso de condenação: as acusações contra Azeredo prescrevem em 2014.
Joaquim Barbosa e o mensalão tucano
Relator de ambos os mensalões no STF, o ministro Joaquim Barbosa assume a presidência do tribunal em novembro e, segundo informações da colunista Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, não deve levar os processos que estão sob sua responsabilidade para relatar. Dessa forma, a relatoria do mensalão mineiro ficará nas mãos do ministro que a presidente Dilma Rousseff nomeará no lugar do atual presidente da corte, o ministro Carlos Ayres Britto, que se aposenta em novembro.
Segundo Joaquim Barbosa, “a imprensa nunca deu bola ao ‘mensalão mineiro’”. As informações também são da coluna de Bergamo. A colunista informa que Barbosa acredita que o risco de prescrição no mensalão tucano é até maior do que havia no mensalão federal. O ministro ainda teria dito a interlocutores que, se no caso do mensalão petista tudo quase sempre foi aprovado por unanimidade no STF, no mineiro as dificuldades sempre foram maiores.
O futuro presidente do STF também questiona a imprensa em relação ao mensalão mineiro. Quando procurado por repórteres para falar do processo contra petistas, provoca, ao fim da entrevista: “E sobre o outro, vocês não vão perguntar nada?”. Segundo a colunista, o ministro recebe como resposta “sorrisos amarelos”.
Mensalão do DEM
Outro esquema de corrupção que ganhou a alcunha “mensalão” foi o que envolveu a cúpula do governo de José Roberto Arruda no Distrito Federal, entre 2007 e 2010. O mensalão do DEM do DF, como ficou conhecido, veio a público no final de 2009 por meio da Operação Caixa de Pandora, da Polícia Federal (PF), tendo como base depoimentos do então secretário de Relações Institucionais do Governo, Durval Barbosa, que aceitou colaborar com a PF em troca de redução da pena em caso de condenação.
Apesar de ser chamado de mensalão do DEM, envolveu políticos de outros partidos. Entre os supostos envolvidos destacavam-se: o então governador do DF, José Roberto Arruda; o seu vice, o empresário Paulo Octávio; o então presidente da Câmara Legislativa do Distrito Federal, Leonardo Prudente; o deputado distrital Júnior Brunelli (PSC); o então deputado federal Augusto Carvalho (PPS); e a então líder do governo na Câmara Legislativa na época, Eurides Brito (PMDB).
Quase três anos após a operação Caixa de Pandora, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, ofereceu denúncia ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) contra 37 acusados (veja a lista completa de acusados aqui). Os crimes pelos quais eles serão investigados são: corrupção – ativa e passiva –, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. A denúncia será apreciada e julgada pelo STJ porque um dos envolvidos é conselheiro de tribunal de contas e tem direito àquele foro privilegiado.
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