Ex-diretor de Infraestrutura de Transportes do Dnit tentou se transmutar de vítima, mas a mentira não foi longe: na gestão dele a Delta multiplicou seus negócios
Daniel Pereira, Otávio Cabral e Rodrigo Rangel
VEJA
ANTI-HERÓI - Demitido após o escândalo de corrupção no Ministério dos Transportes, Luiz Pagot, ex-diretor do Dnit, tentou forjar uma história para justificar sua queda, mas acabou desmentido (Valter Campanato/Abr)
Em julho do ano passado, uma reportagem de VEJA revelou que no Ministério dos Transportes funcionava uma organizada estrutura de corrupção. Em troca de contratos e liberação de faturas, empreiteiras eram instadas a recolher propina ao caixa do Partido da República, o PR, que comanda a pasta. Dias depois da revelação, a presidente Dilma Rousseff demitiu toda a cúpula do ministério, incluindo Luiz Antonio Pagot, o então diretor do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), o órgão responsável pela construção e manutenção das estradas federais. Pois esse mesmo Pagot, recentemente, tentou se transmutar em vítima, atribuindo sua demissão a um complô tramado pelo grupo de Carlos Cachoeira. Em sua versão, o defenestrado perdeu o cargo não por seus defeitos, mas por suas qualidades. Ele teria contrariado interesses da construtora Delta, empreiteira que, se sabe agora, tinha Cachoeira como lobista. Pagot chegou a insinuar que a reportagem teve origem em informações da quadrilha de Cachoeira.
O contorcionismo retórico de Pagot, como a mentira, tinha perna curta. Não foi longe. Já se sabia que na gestão dele a Delta multiplicou seus negócios, transformando-se na maior prestadora de serviços do governo, com faturamento superior a 3 bilhões de reais em contratos de rodovias, muitos deles eivados de irregularidades. Pagot foi um Papai Noel para a empreiteira. Na semana passada, foram reveladas novas gravações telefônicas captadas pela Polícia Federal que desmontam a tese do ex-diretor do Dnit. Os diálogos mostram que a quadrilha de Cachoeira estava muito preocupada com a demissão de Pagot, que após a divulgação das irregularidades foi convocado para depor perante uma comissão do Senado e ameaçava fazer revelações sobre o esquema de propina no ministério. Em um dos diálogos, Cachoeira fala com o representante da construtora no Centro-Oeste que, se Pagot dissesse qualquer coisa sobre o esquema, estaria dando "um tiro no próprio pé". Ele, de fato, se calou diante da comissão do Senado. O ex-diretor do Dnit, segundo a Polícia Federal, participou de um jantar com o senador Demóstenes, Cachoeira e o dono da Delta, Fernando Cavendish, para tratar dos negócios da empreiteira. Essa relação explicaria em parte o sucesso da Delta, que tinha em seu rol de "consultores" o ex-ministro José Dirceu, apontado pelo Ministério Público como o "chefe da quadrilha do mensalão". A oposição quer convocar Pagot para depor. Boa chance para ele, desta vez, contar tudo o que sabe.
Lula Marques/ Folhapress - Orlando Brito
SINTONIA - Collor e as CPIs: em 1992, impeachment por corrupção. Agora, coabitando com seus antigos algozes
Elle e seu labirinto
O senador Fernando Collor de Mello perdeu o mandato de presidente da República e os direitos políticos em 1992, depois de uma ampla investigação do Congresso. Investido agora na CPI do Cachoeira do papel de tarefeiro dos interesses subalternos dos integrantes do petismo radical, seus antigos algozes, Collor reencarnou-se como autoridade e como defensor da moral e dos bons costumes. Estranho papel. O ex-presidente faria um personagem mais crível se continuasse em sua última linha de defesa, a de raro político que realmente pagou pelos erros que lhe foram imputados. Pagou com a perda da faixa presidencial. A respeito dos crimes de que foi acusado, Collor obteve na Justiça o que mais lhe interessava. Nenhum dos processos criminais contra ele prosperou. Ele poderia passar à história, então, usufruindo esse empate técnico entre transgressão e punição.
No entanto, ao colocar a carranca de investigador, Collor reavivou a memória dos brasileiros sobre seu desastrado fim como presidente. Como pode investigar as pessoas um ex-presidente que levou para dentro do governo federal o esquema de arrecadação de propinas comandado por Paulo César Farias, seu ex-tesoureiro de campanha? PC, como era conhecido, criou uma rede de contas-fantasma que era abastecida com dinheiro extorquido de empresas e usado, entre outras coisas, até para o pagamento de despesas da família do agora senador alagoano. Na Esplanada, Fernando Collor se cercou de um ministro que admitiu ter sido subornado e de outro que recebeu um jet ski de uma empreiteira. À frente do Banco do Brasil, alojou um aliado que se destacou por ameaçar adversários, inclusive fisicamente, e abusar da instituição bancária para espioná-los.
O estilo collorido lançou tentáculos sobre o Congresso. Deputados que se orgulhavam de pertencer à "República das Alagoas" marchavam armados (de revólveres!) pelos corredores da Casa e ainda se gabavam dessa truculenta estratégia de intimidação. Naquele período trevoso compartilhava da intimidade do presidente da República uma figura então corpulenta, que se apresentava como um dos expoentes da "tropa de choque collorida". Seu nome? Roberto Jefferson. Ele mesmo, o atual presidente do PTB, que, uma década mais tarde, ajudaria a trazer à luz o escândalo do mensalão, o maior caso de corrupção da história. Fernando Collor estava bem no seu limbo, mas saiu dele para entrar na CPI e piorar ainda mais sua história.
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