quarta-feira, 12 de maio de 2010

CONGRESSO NACIONAL - Alvaro Dias destaca os avanços da Lei de Responsabilidade Fiscal e cobra reformas

    Sr. Presidente, Srs. Senadores, convidados, Srªs Senadoras, a preocupação com o desequilíbrio das contas públicas é histórica. Rui Barbosa destacava que o desequilíbrio das contas públicas é a enfermidade crônica que atormenta a nossa existência nacional.
A Lei de Responsabilidade Fiscal veio para interromper um processo de irresponsabilidade na Administração Pública que promovia o endividamento de forma exorbitante, alavancando índices inflacionários insuperáveis.
A Lei de Responsabilidade Fiscal significou planejamento, controle, transparência e responsabilização. Mudou a cultura da Administração Pública no País.
Apesar de diversos mecanismos de restrição orçamentária e fiscal implementados na década de 90 para conter a expansão do endividamento público brasileiro e seus reflexos na política fiscal, essas medidas não foram suficientes, tendo em vista que a crise de endividamento no Brasil estendeu-se a outras formas que não se caracterizam como empréstimos a bancos públicos, por exemplo, e inscrição de restos a pagar sem o correspondente recurso financeiro, antecipação de receitas orçamentárias - a famosa ARO, tão utilizada antes da Lei de Responsabilidade Fiscal -, obtenção de garantias, renúncias de receitas, criação de despesas de duração continuada.
Tornou-se evidente, então, a necessidade de implementar restrições orçamentárias mais rígidas a fim de estabelecer o equilíbrio fiscal dos entes públicos subnacionais e conter o endividamento. Com essa finalidade, foi promulgada essa lei, conhecida como Responsabilidade Fiscal, que estabeleceu regras de controle fiscal a fim de conter os déficits públicos e o endividamento das Unidades da Federação. Foi essencial para que alcançássemos a estabilidade econômica no País e a sustentabilidade financeira, melhorando a imagem econômica do Brasil no exterior com a redução do risco país.
Certamente, sem a Lei de Responsabilidade Fiscal não alcançaríamos os estágios de desenvolvimento que pudemos alcançar, porque a deterioração das finanças públicas brasileiras era visível e crescente. Para conter o déficit público e esse endividamento crescente, foram estabelecidas rígidas restrições em relação a renúncia de receitas, geração de despesas com pessoal, securidade social, dívidas consolidadas imobiliárias, operações de crédito, concessão de garantias e inscrição em restos a pagar.
Na véspera do início dos debates na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, por volta de 21 de fevereiro de 2000, destacávamos que a Lei de Responsabilidade Fiscal representava não apenas a esperança de um novo tempo, mas sobretudo o início de um processo de organização efetiva das finanças públicas do País.
Essa lei complementar surgiu em meio a um desequilibro orçamentário resultado de longa trajetória de gastos excessivos sem planejamento, que se iniciava no primeiro ano eletivo e se projetava nos mandatos seguintes, especialmente no período eleitoral.
É bom destacar que a proposta teve adversários. Não houve unanimidade. Vendo o Senador Gerson Camata lembro-me que um dos dispositivos que tínhamos era a chamada Lei Camata, que tinha por objetivo exatamente conter o crescimento das despesas com pessoal, que era algo alarmante na administração pública brasileira.
A Lei de Responsabilidade Fiscal teve forte reação do Partido dos Trabalhadores. O Partido dos Trabalhadores se opôs à aprovação da lei. Votou contra ela e depois impetrou uma ação direta de inconstitucionalidade, que ontem foi lembrada pelo Ministro Jobim com alguma preocupação, porque dez anos depois a ação direta de inconstitucionalidade ainda não foi julgada pelo Supremo Tribunal Federal.
E se, eventualmente, viesse a ser julgada com acolhimento, nós estaríamos assistindo a um retrocesso deplorável em matéria de administração pública no país.
Em razão disso, cheguei a sugerir ontem, no extraordinário seminário realizado pela Fundação Getúlio Vargas e pelo Instituto de Direito Público para comemorar os dez anos da Lei de Responsabilidade Fiscal, que chegássemos a um grande acordo político, alterando a legislação, sem comprometer a sua eficácia para conferir nulidade à ação direta de inconstitucionalidade, que aguarda deliberação do Supremo Tribunal Federal.
Eu concedo a V. Exª, Senador Gerson Camata, o aparte que solicita. (Pausa.)
O som do Senador Gerson Camata está prejudicado.
Aqueles que se confrontaram com o avanço, que preferiam a manutenção do atraso, e rejeitaram a Lei de Responsabilidade Fiscal, chegaram ao governo do país. E certamente hoje devem ter uma posição um pouco diferente.
Naquela oportunidade, pelo menos nove dos que rejeitaram, que votaram contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, assumiram cargos importantes no Governo Lula.
Hoje eu imagino se seria possível um grande acordo político para sepultar de vez essa ação direta de inconstitucionalidade, que para alguns pode ainda significar ameaça. Eu creio que essa ameaça não existe, porque hoje a mentalidade é outra. Eu imagino que o novo conceito de Administração Pública deve prevalecer, que a responsabilidade fiscal é essencial; sem ela, nós não teríamos alcançado estabilização da economia, sustentabilidade financeira e recuperação da competitividade no campo econômico no nosso país. Portanto, é essencial a preservação da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Mas é bom dizer, antes, já que eu sou o primeiro orador fazendo um resumo dos benefícios da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Eu recebo uma recomendação da Mesa de que não há previsão para apartes, embora eu desejasse muito receber o aparte do Senador Gerson Camata, por tratar-se de uma sessão solene.
Os benefícios da Lei de Responsabilidade Fiscal, em resumo: detalhou e estabeleceu limites próprios para os gastos com pessoal de cada um dos Poderes, de per si, e órgãos auxiliares. Essa medida impediu que esses gastos continuassem solapando o equilíbrio das finanças públicas; clarificou a atuação da Secretaria do Tesouro Nacional nas operações de créditos para Estados e Municípios; a Secretaria do Tesouro Nacional deixou de emitir pareceres de moldura apenas instrutiva e passou a ter poder de veto; a Lei de Responsabilidade Fiscal incorporou os postulados da boa técnica orçamentária, como, por exemplo, proibir a transferência de despesas no último ano de mandato sem saldo financeiro correspondente; os limites e controles impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal tiveram como desdobramento, a Lei de Crimes Fiscais, que alterou o próprio Código Penal, tipificando condutas lesivas do gestor público; ofereceu a necessária tipificação da operação de crédito, estabelecendo limites e impedindo que simulações de eventuais prestações de serviços deixassem de ser contabilizadas nos balancetes dos Estados e Municípios.
A Lei de Responsabilidade Fiscal, refletida nos indicadores macroeconômicos, controle da inflação, controle do endividamento, redução do setor público nos gastos, entre outros, contribuiu para a redução do risco país, como já afirmei.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Lei de Responsabilidade Fiscal foi incorporada no ordenamento jurídico como um marco nas finanças e fundamental para garantir o equilíbrio das contas públicas, mas depois de dez anos algumas medidas complementares à lei ainda aguardam apreciação pelo Congresso Nacional. E esse creio ser o ponto mais importante da abordagem modesta que estou fazendo.
A aprovação dessas medidas impediria desvios que têm sido frequentemente praticados, como, por exemplo, a decisão do Governo de abater sem limite os recursos destinados ao PAC da meta fiscal de 2011, que compromete a credibilidade fiscal conquistada na última década.
Uma dessas medidas é o Conselho de Gestão Fiscal instituído pelo Projeto de Lei nº 3.744, de 2000, portanto há dez anos aguarda deliberação. O Projeto dispõe sobre a composição desse Conselho e o seu funcionamento. Segundo o Projeto, o Conselho tem como finalidade estabelecer diretrizes gerais para o acompanhamento e avaliação permanente da política e da operacionalidade da gestão fiscal. Infelizmente, o Projeto está parado há dez anos na Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados. Como se vê, os adversários da Lei de Responsabilidade Fiscal não desapareceram do cenário da vida pública brasileira. Aqueles que tentaram rejeitar a proposta de lei hoje não contribuem para que a legislação que a aprimore venha a ser aprovada pelo Congresso Nacional.
A outra medida complementar tramita na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado e tem como Relator o Líder do Governo, Senador Romero Jucá. Trata-se do Projeto de Resolução nº 84, de 2007, que teve origem na Mensagem nº 1.069, de 2000, e que traz proposta de limites globais para o montante da dívida consolidada da União. Na verdade, a Mensagem trazia duas propostas de limites globais para os montantes das dívidas consolidadas: uma para a União e outra para os Estados, Distrito Federal e Municípios.
Ao se desmembrarem as propostas em dois processos autônomos, aprovou-se, apenas, o limite para as dívidas dos Estados, Distrito Federal e Municípios, estabelecido na Resolução do Senado nº 40/2001. A proposta de limitar as dívidas da União continua aguardando o parecer do Relator na CAE. Aos Estados e Municípios, a lei; à União, os gastos e a generosidade da lei ou dos legisladores.
Tramita, ainda... Aliás, em matéria de dívida pública, há controvérsia em relação ao que apresenta o Governo como dívida pública bruta. Soube até que, ontem, o ex-Ministro Palocci contestou nossas afirmativas a respeito. Esse é um assunto que tem de ser debatido com profundidade. O que está visível é que o Governo esconde parte da dívida pública brasileira. Usei uma figura de retórica que não agradou o Ministro quando disse que nos subterrâneos do Banco Central existe uma dívida fantasma, não reconhecida e explicitada pelo Governo. Ela diz respeito à dívida decorrente dos títulos do Tesouro Nacional (LTN e LTF). São dívidas de curto prazo que são utilizadas pelo Governo através do lançamento de títulos públicos. Hoje, somam R$500 bilhões.
Há também uma manobra contábil utilizada pelo Governo, uma estratégia, que esconde os números reais da dívida pública e diz respeito a transferências internas do Tesouro para BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Petrobras. São números que não aparecem nas estatísticas do Governo relativamente à dívida pública. Eu creio que esta é uma questão para um debate entre especialistas. O que não podemos é aceitar passivamente as informações do Governo, muitas vezes decorrentes da manipulação de números, da mistificação da informação. O que não podemos é presenciar a arquitetura de um projeto que pode ser dramático para o País no futuro, uma bomba de efeito retardado que pode explodir no colo do próximo governo, se medidas drásticas, e quem sabe até impopulares, não forem adotadas para conter esse processo de endividamento público no País. Porque não há, embora o espírito da Lei de Responsabilidade Fiscal exigisse, não há hoje, de outra parte, nenhuma preocupação com a contenção dos gastos correntes. As despesas correntes do Governo crescem de forma exorbitante. O Governo vai se tornando gastador perdulário, adotando paralelismos desnecessários, superposições de ações que poderiam perfeitamente ser dispensadas, criando ministérios, secretarias, diretorias, coordenadorias, cargos comissionados que oneram o Tesouro Nacional e que desfalcam o Orçamento da União, reduzindo a capacidade de investir do Estado brasileiro em setores essenciais, como saúde pública, educação e segurança pública. A reforma administrativa que não se faz na União não se faz também nos Estados e nos Municípios. O péssimo exemplo de engordar a máquina pública da União acaba encontrando seguidores.
Antes de prosseguir nesta narrativa, eu quero dizer que existe também na CAE o Projeto nº 54, de 2009, que estabelece limites para a dívida pública mobiliária federal, exatamente essa dívida a que me referi. O Poder Executivo enviou a Mensagem nº 1.070, no ano de 2000, numerado como Projeto nº 3.431, de 2000, na Câmara dos Deputados, que propunha que o montante da dívida mobiliária federal não ultrapasse a 650% da receita corrente líquida.
Esse projeto também está paralisado. E eu pergunto: há vontade política do atual Governo em aprimorar os mecanismos de controle dos gastos públicos e de endividamento do País? O exemplo aqui citado não nos autoriza a acreditar que esse seja o desejo do Governo. Portanto, aqueles que combateram a Lei de Responsabilidade Fiscal nada fazem hoje para aprimorá-la. Projetos do ano 2000, ainda no período Fernando Henrique Cardoso, estão dormindo nas gavetas do Legislativo em razão desse desinteresse do Poder Executivo.
E a falta de uma trava e de uma fiscalização efetiva para os gastos da União podem comprometer o sucesso da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Por isso, as propostas aqui elencadas precisam ser aprovadas para que a Lei de Responsabilidade Fiscal prossiga no seu papel de solidificar esse novo regime fiscal responsável que prioriza o controle e a disciplina no trato das contas públicas não só de Estados e Municípios mas também da União.
Ontem, tive oportunidade de participar do seminário de dez anos da Lei de Responsabilidade Fiscal no IDP aqui em Brasília, e abordei algumas outras questões que dizem respeito à necessária complementaridade às exigências que deram origem à Lei de Responsabilidade Fiscal. Em primeiro lugar, eu destacaria a necessidade de tribunais de contas qualificados tecnicamente para a necessária fiscalização. Há tribunais de contas nos Estados brasileiros que se transformam em verdadeiros comitês eleitorais e que nada fiscalizam, nada fiscalizam.
Por isso, aprovamos aqui no Senado um projeto de minha autoria que institui concurso público para o preenchimento dos cargos de conselheiros dos tribunais de contas dos Estados. Esse projeto está na Câmara dos Deputados. Até aproveito de Deputados Federais aqui que nos honram com sua presença para dizer da necessidade de um projeto dessa natureza ser debatido na Câmara dos Deputados.
Essa é uma questão essencial. O meu projeto não trata do Tribunal de Contas da União - uma estratégia para aprovação do projeto, confesso, mas também o reconhecimento à atuação exemplar do Tribunal de Contas da União, que tem sido um tribunal competente, qualificado tecnicamente, buscando, apesar de todas as dificuldades interpostas atualmente pelo Executivo, realizar uma fiscalização rigorosa na execução de obras públicas e denunciando constantemente o superfaturamento de obras.
Aliás, o Poder Executivo afronta também a Lei de Responsabilidade Fiscal quando deseja limitar essa capacidade de fiscalizar do Tribunal de Contas da União. Eu falaria ainda sobre outras questões, mas fui alertado pela Presidência que meu tempo se esgotou. Falaria sobre a necessidade de qualificação profissional, de preparação de quadros técnicos na administração pública do País, investimentos que pudessem ser realizados pelo poder público para a preparação de profissionais qualificados nas gestões públicas municipais especialmente.
Além da limitação dos cargos comissionados, que eu sei que é uma questão política complexa, mas que nós deveríamos discutir, exatamente premiando o talento, a profissionalização, a competência, o estudo daqueles que se preparam e acabam sendo substituídos exatamente por interesses políticos escusos que muitas vezes prevalecem, puxando para baixo a qualidade da administração pública no País.
E também a reforma tributária. É rediscutir o sistema federativo, porque, a partir da Constituinte, a nova Constituição de 88 repassou encargos aos Municípios, encargos que sobrecarregam as unidades federativas; mas, de forma compatível, não repassou os recursos para atender às novas demandas. E há uma concentração de receita na União.
Essa é uma discussão também que se deve travar. Só um Presidente da República, em um presidencialismo forte como o nosso, só um Presidente da República talentoso, moderno, mudancista é capaz de liderar um processo de reformas que desatrele o País do atraso, exatamente rediscutindo o sistema federativo.
Os dez anos da Lei de Responsabilidade Fiscal merecem essa reflexão.
Obrigado, Sr. Presidente.

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