domingo, 12 de agosto de 2012

DELTA NO PAC - Empreiteira recebeu dinheiro do PAC para uma obra que não existe

A obra fantasma da Delta
A empreiteira do caso Cachoeira recebeu recursos do PAC para abrir uma avenida em Guarulhos, na Grande São Paulo.  Hoje, ela é um matagal e uma rua de terra

ALBERTO BOMBIG
REVISTA ÉPOCA


No epicentro da CPI do Cachoeira, instalada pelo Congresso, a empreiteira Delta despertou a atenção dos parlamentares da comissão pela voracidade com que abocanhou obras espalhadas por todo o país, especialmente as previstas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Por causa da eficácia suspeita da construtora em conquistar obras federais, a oposição e o Ministério Público acusam a Delta de usar uma influente rede política para alavancar seus negócios. Duas decisões do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE) mostram que a empreiteira foi beneficiada em licitações. As decisões do TCE paulista trazem vários indícios de que duas concorrências públicas vencidas pela Delta em obras do PAC na cidade de Guarulhos foram dirigidas para a escolha da Delta. Guarulhos é a segunda mais populosa cidade paulista e a maior administrada pelo PT no Estado, com 1,2 milhão de habitantes.


Além das decisões do TCE com condenações às licitações, feitas pela Secretaria de Obras de Guarulhos, uma das obras está completamente parada e outra ainda não terminou – o prazo de conclusão era o ano passado. Dinheiro público é desperdiçado justamente no programa que é uma vitrine do governo federal e esteve na origem da candidatura ao Palácio do Planalto da presidente Dilma Rousseff, a “mãe do PAC”, como foi batizada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a campanha eleitoral.

ABANDONO
Trecho da rua de terra na periferia de Guarulhos onde a Delta deveria ter construído uma avenida. Apesar de receber R$ 1,3 milhão, a empreiteira nada fez (Foto: Rogério Cassimiro/ÉPOCA)

A poucos metros do intenso vaivém de aviões no aeroporto de Guarulhos, o mais movimentado do Brasil, um matagal e uma rua de terra ajudam a traçar um quadro real das irregularidades que cercam os negócios da Delta. No local, deveria estar localizada a Avenida Cumbica, parte de um programa de reurbanização da Cidade Industrial Satélite de Cumbica, financiado com recursos do PAC. Até agora, R$ 1,3 milhão de um total de R$ 4,6 milhões foram pagos à Delta. Não há, porém, sequer 1 metro de rua pavimentado onde deveria estar pronto o leito da via pública. No mesmo bairro, a Delta também deveria ter finalizado a obra da Avenida Projecta. Mesmo após um robusto reforço de verbas, o serviço ainda não foi concluído. A prefeitura de Guarulhos já liberou R$ 4,6 milhões para a obra da Projecta.


Os dois contratos com a Delta foram assinados em fevereiro de 2008 pelo então prefeito de Guarulhos, Elói Pietá (PT). Naquele período, Pietá começava a articular a campanha por sua sucessão. Em outubro, Pietá saiu vitorioso das urnas ao eleger Sebastião Almeida (PT) para o comando da cidade.

A origem do desperdício de verba, segundo o TCE, pode estar nos vícios do processo licitatório. Ele excluiu, de uma só tacada, quase todas as empresas que se interessaram pelas obras. A concorrência para a obra da Avenida Cumbica foi aberta em janeiro de 2008. Das 43 empresas que se interessaram, apenas oito chegaram à fase final do certame, vencido pela Delta. Um fato estranho, porque, segundo o TCE, em termos históricos, pelo menos metade das empresas que retiram o edital de licitação costuma se habilitar para apresentar suas propostas. As obras em Guarulhos são relativamente simples e preveem apenas a colocação de guias e a pavimentação de ruas.

Os principais vícios apontados pelo TCE nas licitações vencidas pela Delta são os seguintes:
• a prefeitura de Guarulhos exigiu um índice de liquidez (os ativos que a empresa pode transformar rapidamente em dinheiro, um indicativo de sua saúde financeira) maior que o aceitável para obras de pequeno porte como avenidas. Isso beneficiou diretamente a Delta, em 2008, já uma das maiores empreiteiras do país;
• a prefeitura limitou a vistoria técnica no local das obras pelas empresas interessadas a apenas um dia. Isso é pouco comum e ajudou a excluir várias empreiteiras;
• o edital exigia que os interessados depositassem a “garantia” (uma caução exigida dos participantes) 20 dias antes da abertura dos envelopes. Essa exigência favorece grandes empreiteiras;
• o edital limitou o número de atestados de capacitação (os comprovantes de que as empresas interessadas podem realizar o serviço). Isso, segundo o TCE, foi outro fator de favorecimento à Delta.


A prefeitura de Guarulhos, em nota, negou que tenha cometido irregularidades e disse que a licitação obedeceu a lei. Segundo a prefeitura, dos R$ 9,7 milhões licitados, apenas R$ 6 milhões foram pagos. A Delta, por meio de sua assessoria, disse que venceu a licitação por ter as melhores propostas técnicas e o melhor preço. Enquanto a prefeitura de Guarulhos se diz vítima da Delta, e a empreiteira afirma ter feito tudo conforme a lei, a Avenida Cumbica continua ligando nada a lugar nenhum.

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