domingo, 19 de agosto de 2012

AMBULANCIOTERAPIA NO RIO - Doentes do interior levam 24h, em situação precária, para conseguir tratamento na capital

Sofrida viagem pela saúde

O GLOBO

Lotação. Dentro da van, pacientes de Porciúncula tentam driblar o cansaço da viagem ao Rio, que durou cerca de 24 horas até o retorno ao município, distante 348 quilômetros da capital
MÁRCIA FOLETTO / O GLOBO

RIO - São 23h30m da sexta-feira 27 de julho quando a dona de casa Angélica Conceição Germano, de 25 anos, chega, enfim, de volta à sua cidade, a pequena Porciúncula, no Noroeste do estado, a 348 quilômetros da capital. O corpo dolorido e os pés inchados, que não cabem mais nos sapatos, são sintomas de mais de 24 horas longe de casa. Às 23h de quinta-feira, ela já estava a postos, em frente à prefeitura local, esperando a van que saiu minutos depois da meia-noite, lotada, para levar pacientes para seis hospitais do Rio. No colo, não desgrudou do filho Otávio, com pouco mais de 20 dias de nascido, que precisava fazer um exame no Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia (Iede). Com a regionalização do atendimento ainda caminhando para se estabelecer, histórias assim não faltam nas estradas fluminenses: um cruzamento de dados do Sistema Único de Saúde (SUS) feito pelo GLOBO revela que, só no ano passado, 40.932 pessoas de outros municípios foram internadas na capital. O número corresponde a quase 20% do total de 2011: 243 mil.


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Ministério só tem dados de 9 cidades

A quantidade de internações dá uma ideia do intenso vaivém, mas não é um retrato fiel. A prefeitura do Rio não tem dados precisos sobre origem de pacientes em atendimentos ambulatoriais. Para se ter uma ideia, numa unidade de referência como o Hospital estadual Pedro Ernesto, houve no ano passado sete vezes mais procedimentos de ambulatório para pessoas de fora da capital (24.217) do que internações (3.416).

Em 1999, o governo federal publicou uma portaria criando o Tratamento Fora de Domicílio (TFD). Deslocamentos como o de Angélica, entre cidades com distâncias acima de 50 quilômetros, basicamente para exames e consultas, deveriam ser registrados dessa forma. Dos 92 municípios fluminenses, porém, o Ministério da Saúde, só tem dados do ano passado de nove (Angra dos Reis; Barra Mansa; Campos; Duque de Caxias; Itaguaí; Porto Real; Quatis; Resende e Volta Redonda). Como cada procedimento registrado pode ser desde a alimentação do paciente até a viagem propriamente dita, não há como precisar a quantidade de pessoas que se beneficiaram do serviço. Juntas, essas cidades gastaram R$ 1.150 mil em 2011.

Se a quantidade de deslocamentos é nebulosa, a qualidade do serviço está longe de ter um padrão. O Ministério da Saúde, através do Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus), não realizou fiscalizações nos últimos anos no TFD entre municípios do Rio. O governo estadual cuida apenas do monitoramento dos seus procedimentos, de envio de pacientes para outros estados.

Além de Porciúncula, O GLOBO procurou nas últimas semanas, por telefone, os secretários de saúde de outras nove cidades, as mais distantes da capital. Os representantes de Italva, São Francisco de Itabapoana e Itaperuna foram procurados por diversas vezes, mas não retornaram os pedidos de informações. Três secretários (de Porciúncula, Varre-Sai e Natividade), coincidentemente, classificaram os veículos de seus municípios da mesma forma: “precários”. Quatro (Varre-Sai; Porciúncula; São João da Barra e Cardoso Moreira) admitiram não fornecer alimentação para os pacientes, apesar das longas viagens. O prefeito de Laje do Muriaé, José Eliezer Tostes Pinto, disse que um lanche é fornecido “se o paciente for carente”.

— Temos uma van muito ruim e uns três Golzinhos velhos — resumiu o secretário de Saúde de Natividade, José Petrônio Sanches, dizendo gastar só com combustível R$ 30 mil por mês para o transporte de cem doentes.

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