PUBLICADO NA EDIÇÃO DE VEJA DESTA SEMANA
GUSTAVO RIBEIRO
No organograma do poder, o cargo mais importante depois da Presidência da República é o de ministro-chefe da Casa Civil. É ele quem acompanha os projetos mais relevantes do governo, como as bilionárias obras do Programa de Aceleração do Crescimento, cobra resultados dos demais ministros e influi na indicação de pessoas para cargos de confiança. No governo Lula, José Dirceu foi o primeiro a ocupar o posto. Era tão poderoso que alimentava a fama de ser o presidente de fato. Aspirava a subir a rampa do Palácio do Planalto como sucessor do chefe, projeto interrompido pelo escândalo do mensalão. Depois dele, veio Dilma Rousseff, que deixou o cargo para se candidatar a presidente. No lugar dela, assumiu Erenice Guerra, que não tinha pretensões políticas mas escondia outras ambições. Durante os anos em que esteve no gabinete mais cobiçado da Esplanada dos Ministérios, primeiro como secretária executiva e depois como ministra, ela montou um balcão de negócios. Em setembro de 2010, VEJA revelou histórias de traficâncias no governo envolvendo a ex-ministra e sua família. As denúncias lhe custaram o cargo e um rol de investigações por parte da Polícia Federal:
Israel Guerra, um dos filhos de Erenice, vendia facilidades junto ao governo, usando a mãe como trunfo. Em sociedade com um ex-funcionário da Casa Civil e um servidor da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), o rapaz fundou a Capital Assessoria e Consultoria — uma empresa registrada em nome de laranjas. Israel e seus sócios intermediavam reuniões entre Erenice e empresários e cobravam uma “taxa de sucesso” de 6% do valor dos contratos “atendidos”. De uma equipe de motociclismo, a Capital chegou a cobrar 40 000 reais para intermediar um acordo de patrocínio estatal.
Erenice favoreceu em várias frentes um dos principais clientes da Capital, a MTA Linhas Aéreas. Em 2009, a empresa pagou 120 000 reais para agilizar a liberação de sua licença de voo. Depois de contratar os serviços de Israel Guerra, a MTA dobrou seu faturamento junto aos Correios em um período de apenas dois meses. Em outra demonstração de poder, a ministra indicou para uma diretoria dos Correios o próprio dono da MTA.
Por pressão da ex-ministra, a Anatel contrariou suas normas operacionais e homologou uma concessão para que a Unicel — companhia da qual seu marido era diretor comercial — pudesse vender linhas de celular no estado de São Paulo.
Quando era secretária executiva da Casa Civil, Erenice atuou também como lobista da Matra Mineração, cujo dono era seu marido. Conseguiu livrar a Matra de catorze multas cobradas pelo Departamento Nacional de Produção Mineral.
Na semana passada, a Justiça ordenou o arquivamento das investigações. Prova de que Erenice, sua família e seus parceiros de negócios são vítimas do que a ex-ministra chamou de “campanha para alimentar um clima de escândalos”? Longe disso. O Ministério Público e a Polícia Federal constataram que as denúncias eram verdadeiras. Sim, a Capital intermediava contratos entre a iniciativa privada e o governo, usando Erenice como seu trunfo. Sim, a Capital estava em nome de laranjas. Sim, Erenice se aproveitou do cargo para beneficiar a mineradora do marido e a telefônica na qual ele trabalhava. Sim, os documentos oficiais que as empresas apresentaram ao governo saíram de seu computador funcional. Sim, uma equipe de motociclismo teve de pagar uma “taxa” para ter seu patrocínio junto à Eletrobras aprovado. Sim, o dono da empresa de táxi aéreo foi nomeado diretor dos Correios a mando da Casa Civil. Por que, então, o Ministério Público pediu para arquivar tudo?
Apesar de a polícia ter confirmado os malfeitos da ex-ministra e de sua turma, a procuradora encarregada de atuar no caso, Luciana Marcelino, não viu a ocorrência de crime. A procuradora não foi localizada para comentar o caso. Com o MP sugerindo o arquivamento ao juiz responsável pelo inquérito, Vallisney de Souza, não havia alternativa. Disse ele, com certa dose de resignação nas palavras: “Segundo a lei, o juiz não pode indeferir o pedido de arquivamento e dar continuidade às investigações”. A impunidade, entretanto, pode ser apenas relativa. O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) verificou que pelas contas bancárias da família Guerra e de seus sócios passaram volumes de dinheiro incompatíveis com os rendimentos declarados à Receita Federal. Diante da possível prática do crime de lavagem de dinheiro, a polícia vai abrir um novo inquérito.
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