domingo, 1 de julho de 2012

MASSA FALIDA - Investigação diz que Edemar usou recurso do Banco Santos para construir casa


JULIO WIZIACK
FOLHA DE SÃO PAULO

A massa falida do Banco Santos apresentou documentos à Justiça mostrando que o dinheiro gasto pelo ex-controlador Edemar Cid Ferreira na construção de sua casa e em sua coleção de obras de arte foi desviado do banco.

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A instituição foi liquidada em 2005 com rombo de R$ 2,3 bilhões. Condenado a 21 anos de prisão por crimes como lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e gestão fraudulenta, Edemar está em liberdade provisória.

Daniel Marenco/Folhapress 
Edemar Cid Ferreira usou recursos do Banco Santos em contas próprias, diz investigação da PF


A Folha teve acesso aos documentos obtidos no exterior pela massa falida e, durante uma semana, aguardou os advogados do ex-banqueiro analisá-los. Em entrevista na quinta-feira passada, Edemar disse que "não há provas de que saiu dinheiro 'carimbado' do banco" indo para as empresas que controlam seus bens pessoais.

No centro dessa disputa está a tentativa de Edemar de conseguir que a Justiça retire da falência justamente as empresas que administram o patrimônio de sua família. No processo, ele diz que o dinheiro era de Márcia Cid Ferreira, com quem é casado com separação de bens.

A massa falida só obteve os documentos anexados a esse processo após a quebra do sigilo de empresas sediadas em paraísos fiscais.

A investigação foi feita pela empresa OAR, contratada pela massa falida --que concordou em pagar 30% de tudo o que ela conseguir repatriar. Em troca, a OAR arcou com os custos judiciais em Miami (EUA) e na Suprema Corte do Leste do Caribe. A Justiça brasileira autorizou a contratação.

No exterior, a OAR obteve autorização judicial para a quebra do sigilo, e os escritórios que fazem a custódia das "offshores" tiveram de entregar documentos sem avisar Edemar.

Ao todo, são quase 7.000 páginas de contratos, declarações de beneficiários, comprovantes de operações, e-mails e correspondências.

CAIXA ÚNICO

A OAR afirma ter rastreado 20% do dinheiro que saiu do Banco Santos por meio de operações simuladas e foi parar na conta da Alsace Lorraine --"offshore" que, depois, "distribuía" esse dinheiro para outras "offshores".

Edemar afirma que a Alsace foi aberta por ele para captar recursos no exterior e era administrada pelos diretores do banco.

Segundo a OAR, essa "offshore" pagou despesas pessoais do ex-banqueiro como a construção de sua casa, em São Paulo, e uma fatura do cartão de crédito de Edemar no valor de US$ 28 mil. A Alsace também pagou US$ 5,7 milhões ao arquiteto americano Peter Marino (responsável pelo projeto da residência do ex-banqueiro) e comprou mais de uma centena de obras de arte.

A investigação revela que, em 2003 e 2004, a Alsace repassou US$ 304 milhões para 21 "offshores" que, ainda segundo a OAR, eram controladas direta ou indiretamente por Edemar.

Uma delas foi a Blueshell, que pertence à mulher de Edemar. No documento, ela diz que os recursos eram provenientes do marido, controlador do Banco Santos. A Blueshell recebeu US$ 56,6 milhões da Alsace.

O dinheiro entrava no Brasil como aumento de capital na empresa Atalanta Participações e Propriedades, dona da casa de Edemar, em uma conta que ela tinha no próprio Banco Santos.

A massa falida também descobriu duas empresas cujos bens serão herança dos três filhos de Edemar. Em uma delas, apareceram ações das empresas que controlam a mansão, as obras de arte e os prédios onde funcionavam o banco e a corretora. Há também uma conta no UBS, na Suíça, com US$ 4,4 milhões já bloqueados pela Justiça.

OUTRO LADO

Edemar Cid Ferreira negou que seus bens pessoais sejam fruto de desvios do banco. Disse que a investigação da OAR é "ilegal" e nada prova.

"A Lei de Falências determina que o falido participe e colabore com as ações do síndico da massa falida", disse. "A autorização judicial não seguiu os trâmites para esse tipo de investigação."

Segundo Edemar, o correto seria usar a estrutura do Ministério da Justiça para o pedido de quebra de sigilo no exterior --e não a contratação "suspeita" de uma empresa que vai ganhar 30% de tudo o que arrecadar fora do país.

"A contratação solicitada pelo Vânio Aguiar [síndico] foi autorizada manuscritamente pelo juiz."

Edemar diz que não há, nos 36 novos volumes, um único documento provando que o dinheiro saiu do banco e foi parar em empresas no exterior para, depois, voltar às companhias que controlam seus bens.

"A própria Justiça já disse que as operações que o Banco Central alegou serem simuladas eram legítimas", disse. "O banco fez negócios registrados pelo BC, é tudo legal. Até hoje, o BC não questionou uma única transação."

Edemar acusa o síndico da massa de montar "um negócio em cima da falência do banco". "Essa falência foi uma invenção do Vânio e do Banco Central", disse. "Na época da intervenção, o banco estava solvente."

ANTECEDENTES

Ainda segundo Edemar, as empresas criadas no exterior tinham o objetivo de garantir uma "segurança" à família. Como acionista controlador, ele diz ter recebido dinheiro suficiente para construir a casa e montar sua coleção de obras de arte.

Edemar confirmou que a Alsace Lorraine e a Montvale são "offshores" em seu nome. "A Alsace foi criada para captar recursos no exterior. Ela era administrada pelos diretores do banco", disse.

"Os recursos eram provenientes da venda de títulos e participações em outras empresas, que podiam ser repassadas para outros interessados. A maior parte das transações envolvia empresas e os recursos eram, portanto, destinados a elas. O BC sabe disso e não viu nada de irregular."

Edemar disse que "pode até ser que a Alsace tenha feito captações para o banco. Mas, se isso aconteceu, foi legítimo."

O ex-banqueiro negou que as empresas a que se refere o relatório da OAR sejam dele. "Não posso dizer quem eram os donos por uma questão de sigilo, mas os bancos que fizeram as transações sabem exatamente quem são e, garanto, não sou eu."

O ex-banqueiro confirmou os pagamentos feitos pela Alsace ao arquiteto Peter Marino, a existência das "offshores" em benefício dos filhos e a conta no UBS com US$ 4,4 milhões.

Edemar estuda medidas judiciais contra a "devassa" que está sofrendo. "Não se quebra sigilo dessa forma."

Segundo ele, o síndico e a OAR criaram um grande problema porque foram aos tribunais no exterior e conseguiram uma autorização sob a alegação de que o dinheiro saiu do Banco Santos fraudulentamente. "É uma mentira. Nunca se provou nada parecido. Muito menos agora."

Procurados, o síndico da massa falida, Vânio Aguiar, e a OAR não comentaram.


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