Flávia Junqueira e Thamyres Dias
EXTRA
Técnicos de enfermagem do Samu aguardam a maca ser liberada
Foto: Fabiano Rocha / EXTRA
“Menino atropelado na Washington Luís. Alguma viatura liberada?”, grita, às 17h50m, a voz metálica pelo rádio do técnico de enfermagem sentado no banco do carona da ambulância do Samu. Do outro lado, quatro equipes escutam o chamado. Mas nenhuma delas pode ir em socorro à vítima. Suas viaturas estão no pátio do Hospital Estadual Rocha Faria, em Campo Grande, sem atender ninguém, motores desligados, aguardando que suas macas e pranchas sejam liberadas. Essa espera, para a maioria delas, já dura ao menos duas horas. Uma, no entanto, relata o motorista, já está estacionada naquele pátio desde o dia anterior.
Já passavam das 18h e, naquele momento, apenas uma ambulância da área não estava presa ali, mas em outro atendimento. As equipes ficam angustiadas. Vinte minutos depois, um carro da Polícia Rodoviária Federal chega com a vítima. O rapaz, com escoriações pelo corpo, entra direto na emergência. A seu lado, em vez do médico, um policial. O “fenômeno maca presa” tira de combate diariamente uma parcela das 78 ambulâncias que correm no Rio, aumentando o tempo de espera por socorro.
- Entre a ligação do solicitante e a volta da ambulância ao quartel, onde perco mais tempo é no momento em que a viatura chega ao hospital. Ali, a equipe fica presa, em média, duas horas. É o que mais retarda o atendimento - diz um médico do Samu, que prefere não ser identificado.
Durante os dois meses e meio em que o EXTRA acompanhou o Samu, não foi raro encontrar ambulâncias que aguardavam seu equipamento desde a noite anterior. O Corpo de Bombeiros, na tentativa de solucionar o problema, distribuiu macas extras nas unidades. A ideia seria deixar a maca com paciente e levar a reserva. Não adiantou. As macas extras se transformaram em “leitos extras” nas emergências.
O comandante da área pré-hospitalar do Corpo de Bombeiros, coronel Célio Ribeiro, minimiza o problema:
- O ‘fenômeno maca presa’ vem reduzindo - diz ele, para, em seguida, admitir o transtorno: - Em Miami, o tempo aceitável para uma maca ficar presa é entre 15 e 20 minutos. Hoje, no Samu/GSE, esse tempo pode chegar a 50 minutos.
A Secretaria estadual de Saúde nega que faltem macas em seus hospitais. Em nota, afirma que foram compradas recentemente 688 unidades, sendo que 286 estão nas emergências.
Prancha se torna uma alternativa
Uma ambulância com maca presa só é acionada, segundo Célio Ribeiro, se for para um caso de risco de vida e não houver outra disponível. Nessas ocasiões, a vítima é transportada na prancha.
No início de abril, quatro ambulâncias do Samu aguardavam a liberação da maca no Hospital do Andaraí. Naquele dia, das 13h às 17h, as equipes ali paradas receberam dois chamados da Central, verificando a possibilidade de acioná-las.
- Fico angustiado. Alguém está precisando de socorro - disse um bombeiro.
Situações como essa são corriqueiras. No dia 14 de fevereiro, Nelson Cinquinis passou mal em casa, em Campo Grande. A ambulância enviada estava sem a maca e, em função da insuficiência respiratória, ele não pôde ser levado deitado. Foram 40 minutos até a chegada de outra viatura. Nelson deu entrada morto no Rocha Faria.
O Ministério da Saúde afirma que suas unidades não recusam doentes graves. E, por isso, “pode acontecer de o paciente precisar de um procedimento imediato e ser atendido na maca do Samu”.
Confira as notas da Secretaria estadual de Saúde e do Ministério da Saúde
“A Secretaria de Estado de Saúde esclarece que não faltam macas em suas unidades. Foram adquiridas em compra recente 688 novas macas, das quais parte foi distribuída para os hospitais e UPAs e o restante está em estoque para eventuais reposições. Existem hoje 286 macas extras nas emergências dos hospitais da rede estadual, portanto, não faltam macas para atender a capacidade instalada. A orientação da Secretaria às suas unidades de saúde é que o paciente fique na maca da ambulância no menor tempo possível, até que o leito seja disponibilizado. Eventualmente, nos dias em que a frequência da chegada de ambulâncias é maior, essa liberação pode demorar um pouco mais de tempo.
Todos os hospitais estaduais de emergência trabalham muito acima da capacidade operacional instalada; com média de atendimento diário 260% superior à capacidade. Para atender a demanda, existem leitos extras funcionando em todas as unidades. Os hospitais estaduais utilizam todos os espaços físicos possíveis para atender as demandas da população e as emergência recebem ambulâncias, mesmo estando com pacientes acima da capacidade operacional instalada.
Houve fechamento ao menos parcial de atendimento de emergência de unidades de saúde de outros entes federativos, acarretando na maior procura pelas unidades da rede estadual. Houve aumento na capacidade de atendimento do Samu da Região Metropolitana – administrado pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro – de 2006 para cá. Essa maior eficiência impactou no aumento também da demanda nos hospitais da rede. Em 2006, foram feitos 119.268 atendimentos pelo Samu da Região Metropolitana. Em 2010, foram 220.351.”
“O Ministério da Saúde esclarece que, devido à prática de não recusar o atendimento a pacientes que procuram a Emergência, em situações de risco de vida, ocorre frequentemente a sobrecarga do setor, já que a demanda ultrapassa a capacidade instalada. Por estes motivos, pode acontecer do paciente precisar de um procedimento imediato e ser atendido na maca do Samu ao dar entrada no setor de Emergência. Este quadro pode permanecer até que ele tenha condições de ser internado em um leito vago. ”
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