domingo, 13 de maio de 2012

CACHOEIRODUTO - Negócios que não param de jorrar


O bicheiro Carlinhos Cachoeira tinha outra empreiteira para fazer negócios e procurava oportunidades de explorar jogos em Mato Grosso e no Paraná

ANDREI MEIRELES, MURILO RAMOS E LEONEL ROCHA

O governador de Mato Grosso, Silval Barbosa (Foto: Ed Alves/Esp. CB/D.A Press)

Todos sabem que o bicheiro Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira, começou a vida no ramo de jogos ilegais. Com a ajuda de políticos e policiais e o uso de recursos do submundo, Cachoeira se tornou um homem próspero, com negócios nos ramos farmacêuticoe da construção civil. Seu braço nessa área era a construtora Delta. A extensa investigação da Polícia Federal na Operação Monte Carlo mostra, à exaustão, quanto Cachoeira se empenhava para conseguir negócios para a empreiteira. Mas, como bom empresário, Cachoeira procurava diversificar seus negócios. Cachoeira usou a Construtora Rio Tocantins (CRT) para fazer negócios em Mato Grosso e em outros Estados da região. Assim como aconteceu com a Delta, os negócios da CRT ex-pandiram-se consideravelmente nos últimos anos.

OPORTUNIDADES
O bicheiro Carlinhos Cachoeira. O governo de Silval contratou uma empreiteira ligada a Cachoeira. O bicheiro também estava de olho na loteria do Estado (Foto: Iano Andrade/CB/D.A Press)

A história da CRT se parece muito com a da Delta. No caso da Delta, o elo inicial de Cachoeira era o diretor da empresa para o Centro-Oeste, Cláudio Abreu. Os dois são sócios em outras empresas. Nos bastidores, Cachoeira trabalhava pela Delta. A CRT está registrada em nome do empresário Rossine Aires Guimarães. Fazendeiro no Tocantins, dono de um rebanho estimado em cerca de 80 mil cabeças de gado, Rossine é um homem discreto. De acordo com a investigação da Polícia Federal, Rossine é sócio de Cachoeira e de Cláudio Abreu em outras empresas e empreendimentos no Tocantins, no Distrito Federal e em Mato Grosso. Em conversas gravadas pela PF, Carlinhos Cachoeira afirma que usará a CRT como alternativa à Delta em negócios com administrações públicas. Até 2010, a CRT não tinha nenhum contrato com o governo de Mato Grosso. Depois da posse do governador Silval Barbosa (PMDB), a CRT melhorou de vida. Primeiro foi contratada, sem licitação, para executar serviços emergenciais numa rodovia estadual não pavimentada. Em agosto do ano passado, a empreiteira conseguiu um contrato para alugar 900 carros para o governo de Mato Grosso por um ano, por R$ 70 milhões. O governo de Mato Grosso diz que o contrato foi cancelado depois que o escândalo Cachoeira eclodiu.
No governo de Barbosa, a empreiteira CRT foi contratada para alugar carros e fazer obras em Mato Grosso 

A CRT foi contratada pelo governo de Mato Grosso por meio de um instrumento burocrático chamado de Ata de Registro de Preços. Funciona assim: a empresa participa de uma concorrência pública para ser a dona da ata. Mas, depois, tudo fica menos burocrático. Com a ata, a empresa pode ser contratada, sem concorrência, por qualquer órgão público em todo o país. Além de ter a turma de Cachoeira por trás, a estratégia da CRT é semelhante à seguida pela Delta. ÉPOCA revelou, na semana passada, que a Delta obteve três contratos para aluguel de carros para o mesmo governo de Mato Grosso. Os compromissos somam cerca de R$ 20 milhões. Nesse caso, nem houve concorrência. Para isso, o governo de Mato Grosso aderiu a uma ata, obtida pela Delta em 2009 com o governo de Goiás, onde Cachoeira era forte. Em abril, a Secretaria de Segurança Pública de Goiás elevou o pagamento anual para aluguel dos carros de R$ 37,5 milhões para R$ 49 milhões e aumentou o prazo por mais um ano.
JOGO
O governador do Paraná, Beto Richa (PSDB). A turma de Cachoeira queria conhecê-lo. Em seu governo, o ex-chefe da Polícia Militar tinha relações com bicheiros (Foto: Sergio Lima/Folhapress )

Os bastidores desse negócio estão num diálogo gravado pela Polícia Federal e obtido por ÉPOCA. Em 16 de abril de 2011, Cachoeira conta a Cláudio Abreu que o procurador Ronald Bicca lhe dissera que impediu o secretário de Segurança de promover uma licitação para a compra de carros. Cachoeira e Abreu comemoram a decisão. Ela beneficiou a Delta, que continuou a alugar os carros para a frota da Secretaria de Segurança. Um mês depois dessa conversa, a Delta Construção pediu – e conseguiu – o reajuste dos preços. O aval para o reajuste, o valor e a prorrogação do contrato por um ano foram definidos por Ronald Bicca, então procurador-geral de Goiás. Bicca foi afastado do cargo depois de ser citado em conversas gravadas entre Cachoeira e o senador Demóstenes Torres.

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Demóstenes ficou conhecido no Senado pelos jantares regados a bons vinhos. ÉPOCA já mostrou gravações da Polícia Federal em queDemóstenes e Cachoeira trocavamimpressões e conhecimentos sobre vinhos. De acordo com políticos, num desses jantares na casa de Demóstenes, no ano passado, o governador de Mato Grosso, Silval Barbosa, encontrou Cláudio Abreu. A aproximação fazia sentido. Escutas telefônicas mostram que, entre os interesses da turma de Cachoeira em Mato Grosso, estava o controle da Loteria Estadual (Lemat), fechada desde o final da década de 1980. Em outubro do ano passado, Barbosa assinou um decreto para reativar a loteria. Em dezembro, a Assembleia Legislativa de Mato Grosso aprovou uma emenda que autoriza a exploração da loteria por empresas privadas. O autor da proposta foi o presidente da Assembleia, deputado José Geraldo Riva (PSD), um político envolvido em vários escândalos, que responde a mais de 100 processos por improbidade administrativa. Estava marcada para a semana passada a audiência pública sobre a loteria. Com a Operação Monte Carlo, o governador Silval Barbosa suspendeu a audiência. Desde o final de março, ÉPOCA tenta obter respostas de Barbosa, sobre a proximidade de sua administração com a turma de Cachoeira. Na semana passada, Barbosa se limitou a dizer que nunca esteve com Cachoeira.

Meu primo quer levar o Carlinhos Cachoeira para conhecer o Beto Richa "

DIZ UM EX-VEREADOR DE ANÁPOLIS

Mais de 10 mil dias seguidos seriam necessários para uma pessoa ouvir todos os diálogos captados pela Polícia Federal na Operação Monte Carlo. Poucas horas de atenção aos áudios seriam necessárias para essa mesma pessoa perceber que o sucesso da quadrilha dependia da colaboração de servidores públicos e políticos. Na semana passada, em sessão secreta da CPMI do Cachoeira, no Senado, o delegado federal Matheus Mella Rodrigues, responsável pela Monte Carlo, listou 81 pessoas, muitas delas políticos, que mantinham contatos com integrantes da organização criminosa ou seriam cortejados por eles. Entre os listados está o governador do Paraná, Beto Richa (PSDB). Em 23 de agosto de 2011, Lenine Araújo, um dos principais colaboradores de Cachoeira, e Miguel Marrula (DEM), ex-vereador de Anápolis, em Goiás, falam da pretensão de Cachoeira de expandir sua atuação no Paraná. “Meu primo é muito… do vice-governador de lá, sabe? E quer levar o Carlinhos Cachoeira para conhecer o Beto Richa, lá, e a gente pode aproveitar alguma coisa nisso, você concorda?”, diz Marrula a Araújo. “Ele (Richa) é da família nossa. Você pensa num caboclo que gosta de um jogo...” Durante audiência na CPI, ficou claro que o primo a quem Marrula se refere é Amin Hannouche (PP), prefeito de Cornélio Procópio, no Paraná. Amin tem pretensões de ser o candidato a vice-governador de Beto Richa na eleição de 2014.

A POLÍTICA
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Ele atribuiu as críticas a sua conduta a “pessoas com medo do julgamento do mensalão” (Foto: Renato Weil/EM/D.A Press)

Marrula diz que, apesar de pequeno, o grupo ligado ao primo é forte. “Está com a faca e o queijo na mão porque o pessoal de lá, o secretário de Segurança, nós que colocamos…é gente da minha casa. É gente do meu primo”, afirma. O secretário de Segurança do Paraná, Reinaldo Almeida César Sobrinho, seria o personagem da conversa entre Marrula e Araújo. Sobrinho foi presidente da Associação de Delegados Federais e assessor do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). O delegado Sobrinho afirmou a ÉPOCA que não conhece Marrula nem Cachoeira. Disse, ainda, que conheceu o prefeito de Cornélio Procópio meses depois de ter assumido a Secretaria de Segurança e nega interferência dele em sua nomeação. Ao jornal Gazeta do Povo, Amin confirmou ser primo de Miguel Marrula, mas negou relações com Cachoeira.

Antes mesmo da Operação Monte Carlo, a cúpula da Segurança Pública no Paraná já fora atingida por suspeitas de relações com jogo ilegal. Em novembro do ano passado, o então comandante da Polícia Militar no Estado, Marcos Scheremetta, foi afastado depois de dizer que conversava com os chefões do jogo do bicho no Estado. Scheremetta disse que seu pai, que já morreu, costumava trabalhar com o jogo ilegal. Scheremetta afirmou também que nunca escondeu essas informações do governador e do secretário de Segurança.

Na semana passada, a CPI do Cachoeira fez duas sessões fechadas. Foram ouvidos os delegados federais Raul Alexandre Marques de Souza e Mateus Mella Rodrigues, encarregados das operações Vegas e Monte Carlo, respectivamente. O delegado Souza disse que, ao deparar com autoridades com direito a foro privilegiado nas investigações da Vegas – um deles o senador Demóstenes Torres –, enviou tudo ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel, em 2009. Segundo Raul, ao longo dos meses seguintes, Gurgel não pediu nenhum novo procedimento. A investigação ficou parada por mais de um ano, até fevereiro, quando a PF deflagrou a Operação Monte Carlo, e o envolvimento de Demóstenes com Cachoeira se tornou público. Parlamentares do PT defenderam a convocação de Gurgel para explicar seu procedimento. “Se o procurador tivesse cumprido sua obrigação, o Demóstenes Torres não seria senador e, provavelmente, o Marconi Perillo (PSDB) não seria governador de Goiás”, disse o deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP). “Não creio que a motivação tenha sido política. Mas não há dúvida de que ele deve explicações.” No mesmo dia, Gurgel reagiu. Numa atitude incomum, ele atribuiu a fala de Vaccarezza e de outros à proximidade do julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF). “São críticas de pessoas que estão morrendo de medo do julgamento do mensalão”, disse Gurgel.

Ex-líder do governo na Câmara, Vaccarezza é ligado ao ex-ministro José Dirceu (PT), um dos oito petistas entre os 36 réus no julgamento. No mês passado, o presidente do PT, Rui Falcão, falou publicamente na ideia de usar a CPI para ofuscar o julgamento do mensalão. O PT atribui a Cachoeira a distribuição do vídeo que gerou a denúncia do mensalão pelo então presidente do PTB, o ex-deputado Roberto Jefferson. Expor Cachoeira e suas relações com a oposição seria uma boa alternativa para o PT equilibrar o desgaste produzido pelo julgamento. PSDB e DEM querem evitar a convocação de Gurgel, que também foi defendido por ministros do STF.

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Na semana passada, os controladores da Delta, a empreiteira preferida de Carlinhos Cachoeira, fecharam uma incomum operação financeira. Pelo acordo, a J&F Participações, controladora do frigorífico JBS, pode comprar a Delta sem gastar dinheiro. Só pagará ao proprietário, Fernando Cavendish, se receber pelas obras em execução. A Delta tem R$ 900 milhões a receber do governo. O presidente do Conselho de Administração da J&F é o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles. O frigorífico JBS, principal empreendimento da J&F, se tornou um dos maiores do mundo em seu setor com uma força do governo. Desde 2007, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) injetou cerca de R$ 8 bilhões no JBS. O banco tem cerca de 30% das ações da empresa. Capitalizada com dinheiro público em seu principal braço, a J&F pode adquirir a Delta, uma empresa acusada de participar de desvios de dinheiro público. “Imagina que o doutor Henrique Meirelles vai fazer um negócio que o governo não quer!”, disse o empresário José Batista Júnior, um dos sócios da J&F. Como Cachoeira, Júnior é de Anápolis, Goiás. Ele não só quer investir em construção civil, como pretende ser candidato a governador de Goiás em 2014.

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