Dyelle Menezes e Ricardo Felizola
Do Contas Abertas
A história é sempre a mesma: empresas denunciadas por corrupção com os governos federal, estaduais e municipais rapidamente descaracterizam o envolvimento e responsabilizam apenas funcionários pelos atos irregulares. Para mudar a situação tramita desde 2010 na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 6.826, que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. O texto torna possível punir empresas em casos como o da Delta Construções S.A.
O objetivo da lei é reprimir não apenas os corruptos, mas também os corruptores. Para Jorge Hage, ministro-chefe da Contralodoria-Geral da União (CGU), é necessária punição mais árdua para as empresas corruptoras. “Hoje, a única penalidade que a administração pública pode aplicar é a declaração de inidoneidade, que impede empresas de participar de novos contratos ou licitações. Isso é muito pouco”, explica.
“É preciso legislação adequada para permitir que alcancemos o patrimônio da empresa e responsabilizar a pessoa jurídica, para facilitar a recuperação do dinheiro público”, afirmou Hage em entrevista ao programa Bom Dia Ministro, do último dia 29 de março.
Segundo a assessoria do relator do projeto de Lei, deputado Carlos Zarattini, a previsão é que na próxima reunião da Comissão Especial que analisa o texto, a votação do projeto entre na pauta. Se aprovada, a nova lei prevê formas de punição, com multas de até 20% do faturamento bruto da empresa, declaração de inidoneidade por até cinco anos e a suspensão do funcionamento da empresa e algumas outras penas aplicáveis pelo próprio Poder Executivo.
Para o cientista político e professor da Universidade de Brasília, David Fleischer, a pessoa jurídica tem que ter punição. “As empresas afastam os gestores responsáveis da própria imagem e administração e ficam sem a devida punição. Foi o que aconteceu com as empresas que fraudaram licitações no Hospital Universitário do Rio e o que fez a Delta Construções essa semana”, explica.
Para o professor, a falta de punição para pessoa jurídica, assim como para com a pessoa física, é nociva ao povo brasileiro. Porém, a partir do momento que conseguirmos punir não só os corruptos, mas também corruptores, será possível abranger a legislação para o combate à corrupção.
“É sempre muito difícil provar quem deu a ordem para que o preposto suborne o servidor. A nova lei afastará a necessidade dessa prova, bastando demonstrar que a empresa se beneficiaria do esquema”, afirma Hage. “Mas, para que esses processos não se arrastem por anos a fio, será preciso que se alterem as leis processuais e se aprove também a PEC número 15, que retira o efeito suspensivo dos recursos excepcionais ao STJ e ao STF”, completa.
Neste sentido, apesar de acreditar em mudanças que trariam benefícios ao Código Penal, Fleischer é pessimista em relação à eficácia da Lei. “Podem mudar a legislação, mas se o Judiciário não funcionar, de nada adiantará. As pessoas nunca viram ninguém ir parar na prisão ou o dinheiro roubado voltar aos cofres públicos”, conclui.
Conheça mais sobre o Projeto de Lei
A aprovação do Projeto de Lei 6.826, de 2010, vai dar efetividade a três tratados internacionais antissuborno e anticorrupção ratificados pelo Brasil (convenções da Organização das Nações Unidas – ONU, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, e da Organização dos Estados Americanos – OEA).
Além disso, o texto supre importante lacuna na legislação brasileira no combate à concorrência desleal e fraudulenta. Apesar de já existirem a Lei de Licitações (8.666/1993) e a Lei Antitruste (8.884/1994) com o propósito de combater condutas lesivas ao patrimônio público e disputas comerciais desleais, a nova legislação é que, realmente, irá possibilitar a punição efetiva do corruptor, a empresa jurídica que, diuturnamente, corrompe servidores inescrupulosos.
A lei de responsabilização da pessoa jurídica tem por finalidade proteger, entre outros, os princípios constitucionais de liberdade de iniciativa, da livre concorrência, da função social da propriedade, da defesa dos consumidores e dos contribuintes a partir de regras de prevenção e de repressão à concorrência desleal, à infração ou abuso de poder econômico que atentem contra as estruturas de mercado.
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