Não conheço missão maior e mais nobre que a de dirigir as inteligências jovens e preparar os homens do futuro disse Dom Pedro II

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

CRISE NA JUSTIÇA - STF interrompe julgamento sobre limitação de poderes do CNJ

Impasse continua. Supremo Tribunal Federal volta analisar o caso na quinta-feira
.
.

Ministro relator Marco Aurélio de Mello
Foto: André Coelho / O Globo
Ministro relator Marco Aurélio de Mello
André Coelho / O Globo
.
BRASÍLIA - O Supremo Tribunal Federal (STF) começou nesta quarta-feira o julgamento que definirá os limites dos poderes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Os ministros derrubaram uma regra baixada pelo órgão que definia punições para juízes condenados em processos disciplinares por abuso de autoridade. Argumentaram que o conselho não tem poderes para legislar e que, nesses casos, deveriam ser aplicadas penas previstas na Lei Orgânica da Magistratura. Essa decisão tinha sido tomada pelo ministro Marco Aurélio Mello em dezembro. Nesta quarta-feira, o plenário da Corte manteve a medida.
Nesta quinta-feira, o julgamento continua com a parte mais polêmica: será decidido se o conselho pode iniciar investigações disciplinares contra juízes antes da análise da denúncia por parte da corregedoria do tribunal onde o acusado trabalha. As normas integram a resolução 135 do CNJ, que foi questionada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) em uma ação direta de inconstitucionalidade proposta em novembro de 2010.
Veja também
Na liminar de dezembro, Marco Aurélio suspendeu a possibilidade de o CNJ iniciar processos administrativos contra juízes. Disse que o conselho poderia agir em casos de omissão das corregedorias. Também determinou que o órgão poderia revisar processos julgados pelas corregedorias há menos de um ano. Outra norma derrubada pelo ministro dava o prazo de 140 dias para a conclusão do processo disciplinar. Esses temas serão todos discutidos nesta quinta-feira pelo plenário.
Excepcionalidade injustificada
Na sessão desta quarta-feira, ficou claro que o assunto divide o tribunal. De um lado, Marco Aurélio Mello e o presidente da Corte, Cezar Peluso, fazem questão de defender a autonomia dos tribunais locais no direito de iniciar as investigações disciplinares contra seus integrantes. Do outro lado, Gilmar Mendes liderava a garantia de que o CNJ teria poderes suficientes para unificar o tratamento dado à magistratura nacional.
A parte da votação sobre o abuso de autoridade foi decidida contra os votos apenas de Joaquim Barbosa e de Cármen Lúcia. Cezar Peluso deu opiniões duras para criticar o que chamou de legislação por parte do CNJ.
- Permitir que o CNJ legisle pena mediante resolução, com todo o respeito... - comentou, irônico.
- Tirar a eficácia dessa norma, nesse momento, significa criar uma excepcionalidade injustificada para o magistrado - protestou Joaquim Barbosa.
A briga entre CNJ e STF teve início em setembro, quando a ministra Eliana Calmon, corregedora do conselho, disse em entrevista que havia “gravíssimos problemas de infiltração de bandidos que estão escondidos atrás da toga”, em protesto contra o risco de o CNJ ter sua atividade limitada. Peluso ficou irritado, assim como as associações de juízes.
Antes de começar o julgamento, o advogado da AMB, Roberto Pavie, fez a defesa da entidade. Argumentou que a Constituição Federal autoriza o CNJ a julgar processos disciplinares contra juízes apenas quando as corregedorias falharem nessa função. Ele afirmou que o conselho não pode ser transformado em “super órgão” ou “atuar sem qualquer critério definido”. Segundo Pavie, foi dado ao CNJ um “cheque em branco” para atuar, que resultou na fiscalização de informações sigilosas de mais de 200 mil pessoas de forma ilegal.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, defendeu o CNJ no julgamento.
- O mais importante neste momento é a questão da competência plena do CNJ. A Constituição que eu leio é certamente desigual da Constituição que a AMB lê - disse.
Movimentação atípica deve ser acompanhada
O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, também defendeu o CNJ, especialmente na investigação conduzida com base nos dados do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
- A movimentação atípica imprópria de patrimônio é crime de improbidade administrativa e é dever dos órgãos de controle acompanhar essa movimentação. Nesse ponto, não há nenhuma devassa, como se falou - esclareceu.
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, também defendeu os poderes do CNJ. Ele lembrou que o órgão foi criado justamente para suprir o “notório déficit de atuação das corregedorias locais”. E argumentou que, sem o CNJ, não haveria uniformização no tratamento a juízes em processos disciplinares.

AMB e OAB se pronunciam
O advogado da AMB, Alberto Pavie Ribeiro, disse, no início da sessão, que o motivo da ação da AMB foi a iniciativa do CNJ “de impor, por meio de uma resolução, uma norma com conteúdo diametralmente oposto ao que determina a Constituição.”
Ribeiro garantiu que a entidade não quer retornar à situação anterior à criação do CNJ, quando as corregedorias respondiam exclusivamente ao próprios tribunais, uma vez que a Constituição de 1988 extinguiu o Conselho Nacional da Magistratura.
Em seguida foi a vez do presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, usar a palavra. Ele ressaltou que o CNJ “foi para dentro dos tribunais investigar como funcionavam os trabalhos” e que a transparência dos números e processos judiciais só foi possível graças ao Conselho.
- O CNJ é bem visto quando apresenta projetos, mas é ruim quando investiga e pune desvios de conduta. Não se trata de prejudicar a autonomia. Trata-se de um modelo novo.
Cavalcante defendeu a Resolução 135, que, segundo ele, “vem somente uniformizar os procedimentos de investigação e julgamento”.
- Antes, cada tribunal estabelecia seus critérios. Por exemplo, a lei exige, para a punição de um magistrado, que a maioria do juizes fosse a favor. Mas o que acontecia em muitos tribunais é que um grupo queria que o magistrado julgado fosse punido com a aposentadoria compulsória; o outro, com censura. Por não haver uma maioria decidida por uma mesma punição, o magistrado era inocentado. Como explicar isso à sociedade?
Segundo o presidente da OAB, a resolução tem como objetivo disciplinar a investigação dos magistrados, considerando que a Justiça é única. E encerrou fazendo um apelo aos ministros do STF:
- Repousa sobre esta corte o dever de decidir que Justiça a sociedade merece.

AGU e PGR também se manifestam
O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, começou seu discurso citando a justificativa para a criação do CNJ, que dizia que o Poder Judiciário, com sua autonomia administrativa e orçamentária, não tem uma instância capaz de avaliá-lo em geral; sua autonomia está estilhaçada em diversas autonomias.
Ele ressaltou que, na época da regulamentação, a AMB não apresentou qualquer objeção. E lembrou que o trabalho do Conselho Nacional de Justiça é feito em acordo com aquele desenvolvido pelos juízes locais, agindo nacionalmente em cooperação com mutirões carcerários, projetos, ações de coordenação de Poder Judiciário em favor da população, entre outros:
- A competência originária do CNJ vem sendo feita de acordo com a competência dos tribunais locais. Controlar é poder sindicar. Não existe poder sem sindicância - ressaltou. - No caso de movimentações financeiras suspeitas, não há nenhum movimento de devassa como se falou. Mas é necessário que haja esclarecimentos sobre os casos apresentados.
Roberto Gurgel, procurador-geral da República, defendeu que se debata uma questão preliminar - o que, no linguajar jurídico, é uma situação que impediria o julgamento do mérito da ação. Gurgel defendeu que não se deve interpretar as competências do CNJ com os padrões anteriores à Ementa Constitucional número 45, que o criou, já que essa ruptura ao sistema anterior ao CNJ foi reconhecida pelo STF ao julgar a constitucionalidade na criação do órgão.
- Ao ser anulada a resolução em questão, voltaria a valer norma anterior, que teria o mesmo vício de inconstitucionalidade. Caso seja superada essa preliminar, vamos ao mérito - afirmou o procurador.
Segundo Gurgel, é notório que a criação de uma instância nacional para regimentar a administração da Justiça foi motivada pela percepção generalizada do déficit de atuação dos órgãos de regulação internos locais.
- O risco de se deixar o controle da Magistratura sob os próprios tribunais é transformar esse controle em instrumento corporativo. Não se prega que em todas as oportunidades o CNJ substitua as corregedorias locais. Como mostrou muito bem a AGU, a maioria das denúncias é encaminhada às corregedorias - sustentou Gurgel.
Ao ler seu voto sobre a medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade, o ministro Marco Aurélio afirmou que a questão preliminar, levantada pelo PGR, não deveria ser acolhida - no que foi seguido pelos colegas.

Nenhum comentário: