quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

CORRUPÇÃO NA UPP DO RIO - Ex-Comandante enviava peixe para presentear traficante

Na bagagem, peixe para presentear traficante

Ex-comandante da UPP São Carlos diz por torpedos que trouxe pirarucu da Amazônia para chefe do tráfico de quem receberia propina e sugere morte de tenente. Está preso

POR Gabriela Moreira
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Rio - Preso há 13 dias pela Polícia Federal, o capitão PM Adjaldo Luiz Piedade Júnior, ex-comandante da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) do São Carlos, tinha relação tão próxima com o tráfico local que, após viajar com a família para o Norte do País, em outubro, trouxe na bagagem peixe típico da Amazônia para o traficante Sandro Luis de Paula Amorim, curiosamente conhecido como Peixe. Piedade também é suspeito de tramar a morte de um tenente da Polícia Militar.
Essas informações constam em processo contra o capitão na Justiça Estadual. O presente ao traficante é mais um traço de como o comandante se misturou aos bandidos. Dias antes de o oficial ser exonerado do cargo, em outubro, Piedade trocou mensagens de texto através de telefone celular com um homem não identificado.
Foto: Foto: Carlo Wrede / Agência O Dia
O capitão Piedade também é acusado de planejar a morte de um tenente da PM, de acordo com investigações remetidas à Justiça | Foto: Carlo Wrede / Agência O Dia

“Vamos ‘passar’ (matar) o tenente. Ele vai ficar igual a Eliza Samudio”, escreveu o homem ao então comandante da UPP, no dia 26 de outubro, fazendo alusão à modelo e ex-amante do goleiro Bruno de Souza, assassinada e cujo corpo jamais apareceu.
As investigações não chegaram a apontar se o tenente fora assassinado, nem qual seria o nome correto dele. Mas, de acordo com as informações remetidas à Justiça, pelo menos um policial militar teria irritado o comandante. Identificado pelas investigações como Pimentel, o PM teria provocado a ira de Piedade por ter contado ao traficante que o capitão havia perdido o cargo na UPP.
“Aquele bucha do Pimentel falou pro amigo que eu vou sair, aquele filho da (...)”, disse o comandante para um subordinado, sobre Pimentel, que também era da UPP.
Foto: Arte: O Dia
O termo ‘amigo’, segundo as investigações, era como Piedade se referia ao traficante.
Peixe e Piedade foram presos pela Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE) da Polícia Federal. O capitão, dias antes do Carnaval, teve mandado de prisão expedido pela 11ª Vara Criminal, em decorrência da operação Boca Aberta. Um total de 19 mandados de prisão foi expedido, sendo 11 deles cumpridos até agora. Entre os presos, está outro policial militar que foi lotado no São Carlos, o soldado Alexandre Duarte César de Oliveira. Já Peixe foi preso em novembro, também pela DRE, quando tentava fugir da Rocinha, às vésperas da ocupação para instalar a UPP.

‘Bacalhau da Amazônia’ após viagem à terra natal
O pirarucu, também conhecido como bacalhau da Amazônia, que o capitão Piedade comprou para o traficante Peixe foi trazido como presente de aniversário, como mostra conversa do PM com o bandido.
“E aí, meu velho, parabéns por mais um ano de vida. O amigo tem um bom cozinheiro aí? Trouxe lá da Amazônia, Pirarucu, um peixe seco, se o amigo quiser, mando pra você experimentar”, disse o capitão ao traficante, através de mensagem de texto, após desembarcar no Rio, em 3 de novembro, dois dias após Peixe completar 36 anos.
Iguaria amazonense, o pirarucu é um dos maiores peixes da Bacia Amazônica, podendo atingir até 3 metros de comprimento. A viagem do comandante à sua terra natal ocorreu entre a última semana de outubro e a primeira de novembro. Foi neste período que o capitão perdeu o cargo, por suspeitas de corrupção.
Além de Peixe, o relacionamento do capitão Piedade e do soldado Duarte com o tráfico local se dava através do traficante Iranildo Domingos, o Nildo, foragido.
De acordo com a denúncia, Nildo monitorava as ações da PM no local e repassava informações para Peixe. Era Nildo que costumava verificar se o acordo com o capitão era cumprido.

Tentativa de ‘driblar’ bandido para ganhar última propina
O presente de Piedade para Peixe chegou numa hora em que o capitão tentava esconder do bandido que havia perdido o comando da UPP. De acordo com as investigações, o oficial temia não receber a propina daquela semana.
Sandro Luís, o Peixe; o PM Alexandre Duarte; e Iranildo Domingos | Foto: Divulgação
Sandro Luís, o Peixe; o PM Alexandre Duarte; e Iranildo Domingos | Foto: Divulgação
"Essa informação não pode vazar até segunda-feira, não antes da gente pegar a ‘prata’ (dinheiro), pelo menos de segunda quanto ao fim de semana”, ordenou o comandante a alguém de sua confiança.
Segundo as investigações, Piedade recebia R$ 15 mil por semana de traficantes para não reprimir a venda de drogas na comunidade do Estácio.
Em outra conversa sobre sua exoneração, o comandante chega a mentir para o traficante, negando que tivesse saído da UPP.
“Aquele cara disse que você pediu licença, porque está saindo de lá (da UPP)”, questionou Peixe ao comandante.
Na sequência, o oficial nega que tenha saído e diz que as informações sobre sua exoneração não passam de boatos. Procurado, o advogado do capitão não foi encontrado.

Unidades de elite reforçam o policiamento na região
Desde segunda-feira, a Polícia Militar vem reforçando o policiamento no São Carlos, que conta com UPP desde maio. Cerca de 200 homens do Bope e do Batalhão de Choque fazem incursões no complexo e em outras seis favelas vizinhas na busca de traficantes que ainda estejam escondidos no local.
Investigações mostram que traficantes originários da favela e fugiram para a Favela da Rocinha, em São Conrado, quando a UPP foi instalada no morro do Estácio, regressaram para o São Carlos, após a pacificação da favela na Zona Sul. Entre os procurados estão Thiago de Souza Cherú, o Dorei, e Edmilson Torres Martins, o Rei do Fumo.
No Carnaval, a favela voltou a sofrer com a violência, quando o traficante Marcílio Cherú de Oliveira, o Menor Cherú, foi preso. Na ação, adolescente foi morto.
Matéria exclusiva publicada por O DIA, em outubro, mostrou que outra UPP da região, a do Fallet e Fogueteiro, também sofria com maus policiais a serviço do tráfico. Segundo investigações, traficantes da favela pagavam até R$ 53 mil de propina para que policiais não reprimissem a venda de drogas no local. Na ocasião, o comandante da UPP também foi exonerado.

Fonte O Dia

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