Não conheço missão maior e mais nobre que a de dirigir as inteligências jovens e preparar os homens do futuro disse Dom Pedro II

sábado, 4 de fevereiro de 2012

CORRUPÇÃO : Como diminuí-la. A pressão da sociedade é fundamental .

Como diminuir a corrupção
Experiências de outros países ensinam que medidas em várias frentes – como cortar o número de nomeações e aumentar a transparência – são eficazes no combate aos desvios de recursos
           
LEANDRO LOYOLA
                            
     
DUAS MEDIDAS Rod Blagojevitch, ex-governador do Estado de Illinois (EUA), e Paulo Maluf, ex-prefeito de São Paulo. Ambos foram acusados de corrupção. Mas, por razões legais e culturais, o destino dos dois políticos foi diferente (Foto: Frank Polich/Reuters e Anderson Schneider/Ed. Globo)
saiba mais
Em 2001, o Ministério Público paulista começou a investigar indícios de que o ex-prefeito Paulo Maluf desviara dinheiro das construções da Avenida Águas Espraiadas e do Túnel Ayrton Senna. Em uma década, os promotores ouviram dezenas de envolvidos, viajaram inúmeras vezes para o exterior e desvendaram uma rede de laranjas até encontrar os recursos da prefeitura de São Paulo em contas nas Ilhas Jersey, nos Estados Unidos e na Suíça. Maluf é acusado de ter se beneficiado de um esquema que desviou US$ 200 milhões. A apuração produziu cerca de 55 mil documentos divididos em 277 volumes, material que enche um caminhão.
Em fevereiro, a Justiça de Jersey, um paraíso fiscal no Canal da Mancha, vai decidir se devolve à prefeitura US$ 22 milhões depositados em contas que aparecem em nome de Maluf. Essa devolução seria, do ponto de vista simbólico, uma enorme vitória da luta contra a corrupção. Na maioria avassaladora das denúncias de desvios, o dinheiro nunca volta. Isso acontece porque o país ainda precisa aperfeiçoar as instituições encarregadas de combater a corrupção. Algumas ideias com base em experiências de outros países.
1 - TORNAR A JUSTIÇA MAIS ÁGIL PARA PUNIR OS CORRUPTOS
No mês passado, Rod Blagojevitch, ex-governador do Estado americano de Illinois, foi condenado a 14 anos de prisão. Blagojevitch já está preso há três anos. Ele foi considerado culpado em 18 acusações de corrupção. A mais conhecida é ter tentado vender a vaga ao Senado que fora deixada por Barack Obama ao ser eleito presidente, em 2008. Uma das provas era uma gravação em que Blagojevitch falava na venda da cadeira. A Justiça americana não questionou a legalidade da gravação.
O azar de Blagojevitch foi ser político nos Estados Unidos. No Brasil, seus advogados alegariam que a gravação foi feita sem autorização judicial. Mesmo se tivesse sido feita com autorização, ela ainda poderia ser contestada em tribunais superiores. No ano passado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou quase todas as provas da Operação Castelo de Areia baseado em detalhes assim. Na investigação, a Polícia Federal (PF) havia reunido provas do envolvimento de políticos, de crimes financeiros e lavagem de dinheiro em operações da construtora Camargo Corrêa.
No Brasil, Blagojevitch também dificilmente seria preso porque alegaria estar no exercício do cargo. O único na história brasileira a ser punido no exercício do cargo foi José Roberto Arruda, do Distrito Federal, em 2010. Mesmo assim, Arruda passou poucos dias preso e responde em liberdade. Compare: só em Illinois, Blagojevitch é o segundo governador preso por corrupção.

Outra diferença é que lá ninguém achou relevante contestar o fato de Blagojevitch aparecer algemado. Aqui, seus advogados moveriam ações que provocariam as mais variadas discussões em tribunais superiores.
Pensar em como Blagojevitch seria tratado em tribunais brasileiros ajuda a entender as causas da corrupção. A Justiça americana aceita indícios fortes como suficientes para condenar alguém. Para a Justiça brasileira, muitas vezes nem imagens ou gravações são suficientes. Parece óbvio que a impunidade acabe servindo de incentivo para a corrupção.
Particularidades do Judiciário brasileiro tornam muito difícil prender um corrupto. “Corrupção é difícil de provar em qualquer lugar”, diz Cláudio Weber Abramo, da Transparência Brasil. “Mas o sistema brasileiro é menos eficiente.” A legislação brasileira oferece uma infinidade de recursos para atrasar os processos. Também há complicações para o uso da delação premiada, em que um dos réus pode ser beneficiado se colaborar nas investigações. Estados Unidos e Itália usam largamente esse recurso.
Para punir mais os corruptos é preciso mais critério desde o início. Hoje, mais de 70% dos inquéritos da PF têm falhas que impedem o Ministério Público de iniciar ações judiciais. Os inquéritos policiais teriam de ser mais bem feitos para gerar provas contundentes. É preciso também uma ampla reforma, capaz de reduzir o número de recursos e de instâncias judiciais. Hoje, um réu pode usar 37 tipos de recurso para recorrer em quatro instâncias – o que os corruptos, em geral, conseguem fazer com o auxílio de advogados competentes.
Blagojevitch foi preso rapidamente, julgado e condenado em três anos. No Brasil, isso seria praticamente impossível. Como governador ou parlamentar, ele teria direito a foro privilegiado. Seu julgamento seria no Superior Tribunal de Justiça e terminaria no Supremo Tribunal Federal (STF). Atualmente, 115 deputados e 22 senadores estão enrolados em ações ou processos no STF. Como tem apenas 11 ministros e uma estrutura que não foi preparada para isso, o Supremo demora para julgar os políticos.
2 - DIMINUIR O NÚMERO DE NOMEAÇÕES
Hoje, cerca de 24 mil cargos na administração direta da União e nas estatais podem ser ocupados por gente que não prestou concurso. O critério para o preenchimento de muitos desses postos não é a especialização ou a competência técnica, mas a afinidade partidária e o compadrio. A história mostra que, em geral, não são nobres as motivações dos políticos que fazem tanto esforço para indicar seus conhecidos para cargos públicos. A solução é reduzir o número de vagas que podem ser preenchidas assim.
O presidente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Antonio Gustavo Rodrigues, está acostumado a rastrear movimentações financeiras atípicas. Muitas delas são resultado de desvios de recursos públicos. Rodrigues diz que a redução desses cargos seria um poderoso mecanismo de combate à roubalheira. “Ter apenas servidores concursados não evita, mas certamente diminui a corrupção”, diz.
Mexer com isso é afrontar uma tradição da política brasileira. Nenhum candidato à Presidência prometeu ou tentou reduzir o número de cargos à disposição dos políticos. O absurdo do sistema fica evidente quando comparado com as regras em outras democracias. A França, um dos países que mais valorizam o funcionalismo público, reserva apenas 500 vagas para indicações. O Reino Unido permite 300 indicações. E, mesmo assim, os escolhidos têm de comprovar capacidade técnica. O país mais restrito é a Alemanha, onde há apenas 170 cargos para indicações políticas.
O caso dos Estados Unidos é especialmente interessante. Dono de uma das maiores administrações públicas do mundo em termos absolutos, o país tem apenas 4.500 cargos que podem ser preenchidos por indicação política. No século XIX, a administração americana era loteada despudoradamente pelo partido vencedor. A situação começou a mudar em 1883, com o Civil Service Act, a primeira lei de profissionalização da administração pública. Várias reformas foram feitas para aperfeiçoar o sistema, a última em 1978, no governo de Jimmy Carter. Desde 1952, o Senado americano publica a lista dos escolhidos pelo presidente para esses cargos. O Plum Book (Livro Ameixa), como é conhecida a lista, virou uma tradição.
3 - AUMENTAR O PODER E A ESPECIALIZAÇÃO DOS ÓRGÃOS FISCALIZADORES
Do ponto de vista formal, o Brasil possui estrutura institucional adequada para prevenir e combater a corrupção. O Ministério Público e a PF dispõem de poderes para investigar, o Tribunal de Contas da União (TCU) fiscaliza os gastos do governo federal, o Coaf monitora movimentações financeiras atípicas e a Controladoria-Geral da União (CGU) fiscaliza licitações, contratos e convênios, além de planejar a prevenção. “O Brasil está bem aparelhado na esfera federal”, diz Cláudio Weber Abramo, da Transparência Brasil. “Falta ampliar para Estados e municípios, onde os controles são muito fracos.” Se, apesar dessa estrutura, o governo federal é tão suscetível, imagine os Estados e municípios, cujos controles são muito mais frouxos.
Responsáveis por fiscalizar prefeitos e governadores, os Tribunais de Contas dos Estados são controlados politicamente. Nas esferas estadual e municipal, não há órgãos como a CGU. Com isso, os Ministérios Públicos estaduais acabam sendo os únicos encarregados do trabalho.
A pressão da sociedade é fundamental para que a lei de transparência funcione  
Outra limitação é que o Brasil investiga corrupção como se fosse só mais um crime no rol de dezenas de delitos. É diferente do que ocorre em países como a Itália, que possui estrutura de investigação voltada exclusivamente para rastrear a corrupção no Estado. Para combater a infiltração da Máfia no governo, os italianos criaram uma estrutura em que polícia, Ministério Público e Justiça trabalham juntos para investigar, produzir provas e julgar. A especialização é incipiente no Brasil. A PF está passando por reformas internas para tentar se adequar. Em breve, suas superintendências terão delegacias especializadas em investigações de desvios. Hoje, os casos são investigados por diversas áreas, de acordo com os crimes apontados.
As instituições também precisariam ser mais voltadas para a prevenção. Os técnicos da CGU estudam os procedimentos de ministérios e órgãos e recomendam mudanças, mas o órgão carece de autoridade. Ela não pode ordenar diretamente a um ministério que mude seus procedimentos. Precisa pedir à Presidência que formule um decreto.
4 - GARANTIR O FUNCIONAMENTO EFETIVO DA LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO
Tornar o Poder Público realmente público é fundamental para reduzir a corrupção. No ano passado, o Congresso aprovou a Lei de Acesso à Informação. O maior avanço é abrir a máquina pública ao cidadão que a sustenta. A lei obriga os governos a divulgar dados da administração na internet. Cria regras para o fornecimento de qualquer informação pedida. Por último, disciplina a prática de estabelecer o grau de sigilo de documentos e o acesso a eles.
Não é pouco. Se uma prefeitura decidir aumentar o valor pago a determinada empreiteira pelo asfalto de uma rua, terá de publicar o aditivo na internet. Assim, qualquer interessado terá acesso fácil à informação, seja ele opositor do prefeito, fornecedor da empresa, trabalhador, concorrente ou mero curioso.
Um dos avanços na lei é estabelecer mecanismos para evitar que as perguntas dos cidadãos caiam no vazio. A lei prevê que, se o governo se recusar a fornecer a informação, o cidadão poderá recorrer e uma comissão avaliará o caso.
Grande parte dos países democráticos tem suas leis de acesso. Em todos eles há dificuldades. A mais comum é o atraso para responder às solicitações. Há entidades que defendem esse direito e se especializam em pressionar os governos por acesso cada vez maior a documentos públicos. Nos Estados Unidos, a National Security Archive é especializada em usar mecanismos da lei local para tornar públicos documentos secretos do governo. Já conseguiu liberar papéis fundamentais para a história, guardados especialmente pelo Departamento de Estado e pela Agência Central de Inteligência. Por motivos óbvios, a CIA é um dos órgãos que criam mais dificuldades para a lei.
Na Inglaterra, a imprensa conseguiu forçar o governo a liberar documentos sobre a guerra ao terrorismo. Conquistas assim são resultado de pressão. Pela lei, o governo brasileiro tem até maio para criar condições para começar a cumpri-la. Nessa hora, a pressão social é fundamental.
   

Nenhum comentário: