segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

#CHUVAS #RJ - Apenas uma das 75 obras destruídas pelas chuvas é reconstruída na #RegiaoSerrana. Cifras desviadas chegam a R$ 10 milhões

Desentendimento entre os governos pode ser a causa do atraso na recuperação das pontes
A nova ponte de Bom Jardim, aberta ao trânsito em apenas uma pista, na última sexta-feira Foto: Marcos Tristão / O Globo
A nova ponte de Bom Jardim, aberta ao trânsito em apenas uma pista, na última sexta-feira Marcos Tristão / O Globo
RIO - Uma queda de braço travada ao longo do ano passado entre o Ministério da Integração Nacional e a Secretaria estadual de Obras do Rio pode estar entre as causas do atraso na reconstrução das pontes arrastadas pelas enxurradas que atingiram os municípios da Região Serrana em janeiro do ano passado. Depois de técnicos do ministério apontarem indícios de irregularidades em parte dos projetos apresentados pelo Rio, o governo de estado decidiu voltar atrás, suspendendo todos os contratos. Um ano depois, nenhuma ponte foi concluída. O mais próximo disso ocorreu na cidade de Bom Jardim, onde, na última sexta-feira, foi inaugurada uma ponte em meia pista, ligando o Centro do município ao restante da Região Serrana.
Semanas após a tragédia das chuvas, o vice-governador Luiz Fernando Pezão, na época secretário estadual de Obras, informou que usaria R$ 80 milhões repassados pelo governo federal para reconstruir um total de 69 pontes. Em fevereiro, de acordo com o Ministério da Integração Nacional, o estado apresentou um projeto para recuperar 200 pontes em sete municípios serranos, entre eles Nova Friburgo, Teresópolis e Petrópolis. Em julho, em nova documentação encaminhada ao ministério, o número de pontes que o estado prometia reconstruir caía para 75 em dez cidades da região.
A falta de uma justificativa plausível para a redução levou o Ministério da Integração Nacional a pedir explicações. No relatório de análise técnica enviado ao governo do Rio (número RJP078/2011), um técnico escreveu: "Constata-se que tal redução estabelece a necessidade de justificativas ou da indicação dos motivos que ocasionaram a alteração dos critérios de escolha dos locais em que estava prevista a execução das obras de acesso viário, que culminaram na significativa diminuição das quantidades de pontes indicadas pelo governo".
Em outro trecho, o mesmo técnico estranha o uso, em todas as estruturas de fundação das pontes a serem reconstruídas, de um determinado material por um custo bem "superior ao de fato necessário para construção da referida estrutura."
Em Bom Jardim, ponte de 66 metros
O vice-governador Luiz Fernando Pezão, que hoje responde como coordenador de Infraestrutura do governo, afirmou que o estado recebeu R$ 79,5 milhões do governo federal para a reconstrução de 73 pontes. O número, segundo ele, seria suficiente para resolver os problemas de acesso a todos os municípios afetados.
— O número de pontes destruídas, divulgado no início do ano, incluía muitos pontilhões. Quanto às obras, elas atrasaram um pouco porque as enxurradas mudaram as margens dos rios e a quantidade de água que passa debaixo das pontes. Nós até tínhamos feito uma série de contratos de emergência, mas o Inea (Instituto Estadual do Ambiente) pediu que paralisássemos tudo. Eles disseram que tinham que opinar — argumentou ele.
O argumento foi o mesmo usado pelo atual secretário de Obras, Hudson Braga, na resposta encaminhada ao Ministério Público Federal. No documento, Hudson afirma que a execução dos projetos foi atrapalhada por dois motivos: "demora na emissão da licença ambiental pelo Inea, que só ocorreu em 11 de novembro de 2011"; e um projeto inconsistente, baseado apenas em vistorias de campo e estudos antigos. No mesmo documento, datado do início de dezembro do ano passado, Braga revela que só conseguiria construir duas das 41 pontes inicialmente previstas: nos municípios de Areal e Bom Jardim. As outras só poderiam ser reconstruídas este ano, após procedimentos licitatórios.
Apenas na semana em que a tragédia na Região Serrana completa um ano moradores do município de Bom Jardim, de 25 mil habitantes, começaram a retomar a rotina de antes da enchente. Desde sexta-feira, foi reaberta no sistema "pare e siga" uma das duas pistas da ponte que teve de ser reconstruída depois da cheia do Rio Grande. A estrutura, com vão central de 66 metros, liga o Centro da cidade ao principal acesso à capital, a Rodovia Presidente João Goulart, a RJ-116.
Foi em Bom Jardim que o Exército precisou instalar uma ponte metálica provisória, de pista única, para tirar o Centro do município do isolamento dias depois da tragédia. Agora, com o antigo acesso recuperado, mesmo que no esquema "pare e siga", o tráfego de caminhões pesados das fábricas de cimento de Cantagalo, Cordeiro e Macuco — responsáveis por 8% da produção nacional — não precisará fazer desvios por estradas vicinais, que atrasavam a viagem em 40 minutos.
— Voltei a ter noites de sono. Os caminhões de cimento tinham que desviar pela rua da minha casa, e o barulho do tráfego ocorria de dia e de madrugada. Sem contar que a rua ficou tão esburacada a ponto de vizinhos com carros de mil cilindradas desistirem de tirar os veículos da garagem — conta o engenheiro hidráulico Sansão Aparecido Pereira, morador do bairro de Campo Belo, que teve o imóvel condenado pela Defesa Civil.
A recuperação gradual da ponte — a segunda pista ainda está em processo de pavimentação — resolve apenas parte dos problemas causados pela tragédia. Ao longo do Rio Grande, é possível ver muitas casas que, embora não tenham sido levadas pelas águas de janeiro do ano passado, estão em área de risco.
— Se forem derrubar tudo que está em área de risco, vai ter que levar a cidade quase toda — exagera o servente de pedreiro José Antônio Braz, que, na época da tragédia, precisou da ajuda de um helicóptero para receber doações de comida. — Moro em Bom Jardim há 40 anos e nunca imaginei que a ponte pudesse ser levada pelo rio. Era um caminho tão comum que a gente nem percebia que passava sobre ela todos os dias. Até a ponte ir embora.
Um ano de tristes lembranças
Um ano após ter sido devastada por uma tempestade, que se tornou o maior desastre climático registrado no país, a Região Serrana ainda luta para apagar as marcas deixadas pela enxurrada, na qual 918 pessoas morreram e 215 desapareceram.
Passados 12 meses da tragédia, O GLOBO mostrou num caderno especial, publicado na edição deste domingo, que muito precisa ser feito para recuperar as cidades da Serra. Contudo, iniciativas de pessoas comuns têm permitido a reconstrução da vida de famílias como a do menino Brayan, que nasceu em meio ao temporal no qual os pais perderam a casa. Hoje, eles vivem num novo imóvel.
Não bastassem as mortes e o gigantesco cenário de destruição na região, moradores ainda foram obrigados a enfrentar problemas relacionados ao desvio de recursos que deveriam ter financiado a recuperação da região. As cifras desviadas chegam a R$ 10 milhões, quantia que deverá ser devolvida aos cofres públicos.
Durante todo o decorrer do ano passado, equipes de reportagem voltaram a Nova Friburgo, Petrópolis, Teresópolis e outras cidades da Região Serrana e constataram que, dos escombros, surgiram iniciativas de gente simples, empresários e pequenos agricultores que estão recuperando a região

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