Desentendimento entre os governos pode ser a causa do atraso na recuperação das pontes
Semanas após a tragédia das chuvas, o vice-governador Luiz Fernando Pezão, na época secretário estadual de Obras, informou que usaria R$ 80 milhões repassados pelo governo federal para reconstruir um total de 69 pontes. Em fevereiro, de acordo com o Ministério da Integração Nacional, o estado apresentou um projeto para recuperar 200 pontes em sete municípios serranos, entre eles Nova Friburgo, Teresópolis e Petrópolis. Em julho, em nova documentação encaminhada ao ministério, o número de pontes que o estado prometia reconstruir caía para 75 em dez cidades da região.
A falta de uma justificativa plausível para a redução levou o Ministério da Integração Nacional a pedir explicações. No relatório de análise técnica enviado ao governo do Rio (número RJP078/2011), um técnico escreveu: "Constata-se que tal redução estabelece a necessidade de justificativas ou da indicação dos motivos que ocasionaram a alteração dos critérios de escolha dos locais em que estava prevista a execução das obras de acesso viário, que culminaram na significativa diminuição das quantidades de pontes indicadas pelo governo".
Em outro trecho, o mesmo técnico estranha o uso, em todas as estruturas de fundação das pontes a serem reconstruídas, de um determinado material por um custo bem "superior ao de fato necessário para construção da referida estrutura."
Em Bom Jardim, ponte de 66 metros
O vice-governador Luiz Fernando Pezão, que hoje responde como coordenador de Infraestrutura do governo, afirmou que o estado recebeu R$ 79,5 milhões do governo federal para a reconstrução de 73 pontes. O número, segundo ele, seria suficiente para resolver os problemas de acesso a todos os municípios afetados.
— O número de pontes destruídas, divulgado no início do ano, incluía muitos pontilhões. Quanto às obras, elas atrasaram um pouco porque as enxurradas mudaram as margens dos rios e a quantidade de água que passa debaixo das pontes. Nós até tínhamos feito uma série de contratos de emergência, mas o Inea (Instituto Estadual do Ambiente) pediu que paralisássemos tudo. Eles disseram que tinham que opinar — argumentou ele.
O argumento foi o mesmo usado pelo atual secretário de Obras, Hudson Braga, na resposta encaminhada ao Ministério Público Federal. No documento, Hudson afirma que a execução dos projetos foi atrapalhada por dois motivos: "demora na emissão da licença ambiental pelo Inea, que só ocorreu em 11 de novembro de 2011"; e um projeto inconsistente, baseado apenas em vistorias de campo e estudos antigos. No mesmo documento, datado do início de dezembro do ano passado, Braga revela que só conseguiria construir duas das 41 pontes inicialmente previstas: nos municípios de Areal e Bom Jardim. As outras só poderiam ser reconstruídas este ano, após procedimentos licitatórios.
Apenas na semana em que a tragédia na Região Serrana completa um ano moradores do município de Bom Jardim, de 25 mil habitantes, começaram a retomar a rotina de antes da enchente. Desde sexta-feira, foi reaberta no sistema "pare e siga" uma das duas pistas da ponte que teve de ser reconstruída depois da cheia do Rio Grande. A estrutura, com vão central de 66 metros, liga o Centro da cidade ao principal acesso à capital, a Rodovia Presidente João Goulart, a RJ-116.
Foi em Bom Jardim que o Exército precisou instalar uma ponte metálica provisória, de pista única, para tirar o Centro do município do isolamento dias depois da tragédia. Agora, com o antigo acesso recuperado, mesmo que no esquema "pare e siga", o tráfego de caminhões pesados das fábricas de cimento de Cantagalo, Cordeiro e Macuco — responsáveis por 8% da produção nacional — não precisará fazer desvios por estradas vicinais, que atrasavam a viagem em 40 minutos.
— Voltei a ter noites de sono. Os caminhões de cimento tinham que desviar pela rua da minha casa, e o barulho do tráfego ocorria de dia e de madrugada. Sem contar que a rua ficou tão esburacada a ponto de vizinhos com carros de mil cilindradas desistirem de tirar os veículos da garagem — conta o engenheiro hidráulico Sansão Aparecido Pereira, morador do bairro de Campo Belo, que teve o imóvel condenado pela Defesa Civil.
A recuperação gradual da ponte — a segunda pista ainda está em processo de pavimentação — resolve apenas parte dos problemas causados pela tragédia. Ao longo do Rio Grande, é possível ver muitas casas que, embora não tenham sido levadas pelas águas de janeiro do ano passado, estão em área de risco.
— Se forem derrubar tudo que está em área de risco, vai ter que levar a cidade quase toda — exagera o servente de pedreiro José Antônio Braz, que, na época da tragédia, precisou da ajuda de um helicóptero para receber doações de comida. — Moro em Bom Jardim há 40 anos e nunca imaginei que a ponte pudesse ser levada pelo rio. Era um caminho tão comum que a gente nem percebia que passava sobre ela todos os dias. Até a ponte ir embora.
Um ano de tristes lembranças
Um ano após ter sido devastada por uma tempestade, que se tornou o maior desastre climático registrado no país, a Região Serrana ainda luta para apagar as marcas deixadas pela enxurrada, na qual 918 pessoas morreram e 215 desapareceram.
Passados 12 meses da tragédia, O GLOBO mostrou num caderno especial, publicado na edição deste domingo, que muito precisa ser feito para recuperar as cidades da Serra. Contudo, iniciativas de pessoas comuns têm permitido a reconstrução da vida de famílias como a do menino Brayan, que nasceu em meio ao temporal no qual os pais perderam a casa. Hoje, eles vivem num novo imóvel.
Não bastassem as mortes e o gigantesco cenário de destruição na região, moradores ainda foram obrigados a enfrentar problemas relacionados ao desvio de recursos que deveriam ter financiado a recuperação da região. As cifras desviadas chegam a R$ 10 milhões, quantia que deverá ser devolvida aos cofres públicos.
Durante todo o decorrer do ano passado, equipes de reportagem voltaram a Nova Friburgo, Petrópolis, Teresópolis e outras cidades da Região Serrana e constataram que, dos escombros, surgiram iniciativas de gente simples, empresários e pequenos agricultores que estão recuperando a região
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