Dora Kramer - O Estado de S.Paulo
Nesta hora em que a base governista oficializa que o Congresso é um híbrido de almoxarifado do Palácio do Planalto com cartório para despachos de interesses específicos, caberia à oposição fornecer um discurso para a sociedade.
No mínimo para informar que não compactua com certas práticas, que está atenta às agruras do Parlamento. Dizer que é minoria, perdeu a eleição, mas não perdeu o juízo, o discernimento, a compostura nem a capacidade de perceber o que acontece debaixo do seu nariz e à vista de todos: a ruptura do Legislativo com a realidade do País que supostamente representa.
No lugar disso, PSDB e DEM vêm a público afagar os respectivos umbigos, ignorando os 43 milhões de eleitores que acabaram de atribuir à oposição a tarefa de denunciar os erros e propor as correções.
Quem está interessado em discutir o Brasil? Pelo visto até o momento, ninguém. Inclusive porque o ambiente não é propício. Se alguém propõe um tema, logo é acionado o porrete de matar debate materializado na desqualificação do debatedor mediante a justificativa de que seus interesses são meramente táticos ou estratégicos visando a um objetivo eleitoral.
O DEM, que havia se anunciado como um partido disposto a assumir a sua face clara, liberal, conservadora ou de direita, retrocedeu da discussão ideológica para a lavação de roupa suja pura e simples.
O PSDB, que proclamara a intenção de fazer jus ao seu eleitorado, se enfurna em questiúnculas regionais, numa disputa pelo comando do partido repleta de inutilidades, golpinhos, telefonemas ambíguos, mágoas de comadres, editoriais encomendados a jornais de província e pretensas demonstrações de força dos grupos aliados a José Serra e Aécio Neves.
Enquanto o partido estiver refém dessa disputa tola com todos os gestos de seus integrantes referidos nos interesses dessa ou daquela ala, a legenda vai continuar sem rumo, sem comando, sem horizonte, sem projeto nacional, caminhando de volta à origem.
Nessa trajetória fratricida, regionalista, sem discurso nem identidade o PSDB vai ficando cada vez mais parecido com o PMDB de origem.
Partido de onde Mário Covas, Franco Montoro, Fernando Henrique Cardoso, José Richa e tantos outros saíram para criar um partido de quadros qualificados para pensar o Brasil.
A ideia era se distanciar dos anacronismos e deformações que naquela altura, em 1988, já descaracterizavam a legenda capitã da luta pela redemocratização.
Infelizmente para a democracia restaurada há 26 anos, o projeto não resistiu ao tempo nem à ação dos que não souberam capitalizar o poder conquistado prematuramente - apenas seis anos após a fundação do partido com a eleição de Fernando Henrique em 1994 - e agora só fazem demonstrar que não sabem como recuperá-lo.
Visão de fora. Novato nas lides federais, o deputado Alfredo Sirkis (PV-RJ) tomou posse ontem depois de quatro mandatos como vereador, estranhando o clima de júbilo consigo mesmos reinante entre os nobres colegas.
"Sinceramente, não entendi o motivo de tanta celebração, já que o momento de comemorar é na eleição. Hoje (ontem) seria o primeiro dia de quatro anos de trabalho, mas a Câmara dos Deputados parecia em transe de injustificado regozijo. Achei muito esquisito", disse ele, que ainda terá muito com o que se espantar.
Até tu. Se é verdade o que dizem aliados do governador Sérgio Cabral sobre a influência dele na indicação do novo ministro (Luiz Fux) do Supremo Tribunal Federal, é de se registrar a adoção do critério de "cotas" também para o Poder Judiciário.
Um loteamento expandido.
Releitura. No caso de José Sarney a (quase) unanimidade de burra não tem nada. Excessivamente esperta, porém, pode ser que um dia vire bicho e coma o dono.
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