quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

CURITIBA - Polícia ocupa a Assembleia para expulsar “poder paralelo”

Gazeta do Povo - 03/02/2011

A pedido de Valdir Rossoni, PM entra no Legislativo para retirar seguranças que haviam sido demitidos. O grupo é acusado por deputados de fazer ameaças constantes aos parlamentares e de ser um braço de Bibinho na Casa

Esses seguranças, de acordo com parlamentares ouvidos pela reportagem, constituiriam ainda uma espécie de braço do ex-diretor-geral da Assembleia Abib Miguel, o Bibinho, acusado pelo Ministério Público Estadual (MP) de ser o chefe de uma quadrilha que desviou pelo menos R$ 100 milhões dos cofres do Legislativo.
Operação para proteger deputados contou com 200 policiais
A reação da nova direção da Assembleia ao poder exercido por um grupo de seguranças da Casa mobilizou um contingente de até 200 policiais militares para a “retomada” da instituição. A medida, que teve o aval do governador Beto Richa (PSDB), foi um dos maiores deslocamentos de policiais em ações da PM no estado.
Ação da PM na Casa foi inédita no Brasil, dizem especialistas
A ocupação do prédio da Assem­­bleia Legislativa por policiais militares a pedido do presidente da própria Casa é um fato inédito no país desde o restabelecimento do regime democrático em 1985. Historiadores e cientistas políticos ouvidos pela Gazeta do Povo não se recordam que algo semelhante tenha ocorrido nos Legislativos estaduais.
Operação policial
Veja como ocorreu a ocupação da Assembleia pela PM para expulsar os seguranças da Casa:
01h00 – A primeira leva de policiais – cerca de 50 homens – chega à Assembleia Legislativa, no Centro Cívico. Ruas que dão acesso à Casa são bloqueadas e os portões do Legislativo, fechados.
03h00 – Um novo batalhão de 100 policiais é deslocado para a sede do Legislativo e cercam todo o prédio.
07h30 – A Assembleia é aberta para a entrada dos funcionários que chegaram para trabalhar. Policiais militares revistaram todos os servidores.
14h00 – O presidente da As­­sembleia, Valdir Rossoni, já escol­­tado por novos seguranças da Casa, dá posse aos diretores que substituem a antiga gestão do Legislativo. Rossoni afirma ainda que, por segurança, deverá usar escolta pessoal fora da Assembleia.
15h40 – O governador Beto Ri­­cha chega à Assembleia para a men­­sagem de abertura da 17ª legisla­­tura. Com ele, chegam tam­­bém mais policiais. No total, 200 ho­­mens chegaram a fazer a segu­­rança do local ao mesmo tempo.
19h00 – Após o término da sessão, e depois que o governador e deputados saem da Assem­­bleia, os PMs deixam a Assem­­bleia. Nesta madrugada, policiais fariam ronda no entorno do edifício. Hoje, 25 policiais devem assumir a segurança permanente do Legislativo.
“Hoje [ontem], o Bibinho efetivamente deixou de mandar aqui”, disse o deputado Stepha­­nes Júnior (PMDB). Para o peemedebista, com a saída dos seguranças e de todos os diretores da antiga administração da Casa, Bibinho teria perdido quase totalmente a influência na Assembleia. O poder do ex-diretor estaria restrito agora, na visão de Stephanes, a alguns funcionários de carreira que permanecem leais a ele.
“Os seguranças eram como um ‘avatar’ do Bibinho aqui dentro”, comentou um parlamentar que pediu para não ter o nome divulgado. Para ele, a saída do grupo de diretores que ainda era remanescente da gestão de Abib Miguel, aliada à demissão e retirada dos seguranças, consolida o fim do mando real do ex-diretor. “Havia um grupo que detinha o poder do dinheiro, da influência política e da força – essa última principalmente pelas mãos dos seguranças”, afirmou o parlamentar.
Rossoni, durante a ocupação da Assembleia, relatou que alguns funcionários apanharam de seguranças e que esses vigias recebiam salários na faixa de R$ 10 mil. “Acabou o período de jagunços na Assembleia”, declarou Rossoni.
Outro parlamentar destacou que os seguranças passaram a agir com mais truculência depois que Bibinho deixou o comando da Assembleia, em março do ano passado. “Eles obedeciam ao ex-diretor. Quando ele deixou a Casa, passaram a achar que podiam mandar no lugar dele”, disse outro deputado que pediu para não ser identificado.
Para o deputado Tadeu Veneri (PT), alguns seguranças representavam uma sombra do passado. “Havia casos de funcionários que se achavam acima de qualquer poder e, mesmo depois de tudo o que aconteceu no ano passado não vinham trabalhar”, comenta.
Para ele, o caminhão de som que, na terça-feira, bradou ameaças à integridade física de Ros-­­ soni em frente da Assembleia, ao mesmo tempo em que os deputados tomavam posse, é a prova da falta de limites éticos de alguns dos seguranças. “Por muito tempo existiram aqui duas Assembleias – uma era a dos deputados e outra era a dos diretores e seus aliados, que representavam uma Assembleia das sombras”, definiu Veneri.
O deputado Marcelo Rangel (PPS) disse acreditar que as pessoas que nomearam os seguranças também devem estar descontentes com a exoneração dos protegidos. Ele conta que ouviu muitas histórias sobre a exigência de aval dos seguranças para a contratação de funcionários terceirizados e até mesmo de empresas. “Se eles intimidavam até deputados, imagine o que faziam com os funcionários”, comentou.
Além da participação na “seleção” de pessoal, os seguranças também teriam controle sobre as vagas de estacionamento na Assembleia. “Eles cobravam pedágio de quem queria estacionar aqui”, afirmou Rossoni. Outro parlamentar ouvido pela reportagem disse que os funcionários eram intimidados a pagar R$ 50 para estacionar no pátio da Assembleia e que prefeitos e vereadores do interior, em visita ao Legislativo, também eram extorquidos.
Relatos de ex-deputados estaduais confirmam a existência do “poder paralelo” dos seguranças da Assembleia. O grupo teria sido supostamente montado a partir da década de 1980 para dar proteção a alguns funcionários e parlamentares da cúpula da Casa. Ao longo dos anos, eles teriam ficado mais influentes que os próprios deputados.
Um ex-deputado procurado disse que a maioria dos ex-colegas sabia o que acontecia nos bastidores da Casa, mas cedia às pressões do grupo ou simplesmente preferia não se intrometer. “Era uma situação complicada. Muitas vezes dava medo de ser deputado estadual. Por essas e outras eu preferi seguir outro caminho do que acabar me envolvendo ainda mais.”
(Diego Ribeiro, Katia Brembatti, Karlos Kohlbach, Sandro Moser, Euclides Lucas Garcia e Caroline Olinda)

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Interatividade

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As cartas selecionadas serão publicadas na Coluna do Leitor.

Confira o vídeo com a análise do colunista Rogério Galindo sobre a ocupação:




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