Não conheço missão maior e mais nobre que a de dirigir as inteligências jovens e preparar os homens do futuro disse Dom Pedro II

domingo, 21 de março de 2010

INTERNACIONAL/CUBA REAGE - Fundadora e líder do movimento Damas de Branco denuncia repressão brutal em Cuba, critica Lula e desafia o regime de Raúl Castro

Rodrigo Craveiro
Publicação: 21/03/2010 07:00 Atualização: 20/03/2010 22:53



Suas armas são as palavras. Nas mãos, levam gladíolos rosas. No coração, a saudade, uma dor que as consome há 2.517 dias e a preocupação com os maridos, os irmãos e os filhos, presos pelo regime cubano por se oporem contra o governo. Desde 2003, elas se reúnem e, vestidas de branco, saem em caminhada pela Havana Velha, algumas vezes de forma silenciosa. Quase cerimonial. Na última quarta-feira, foram surpreendidas por agentes do governo. Laura Pollán, 62 anos, e tantas outras mulheres acabaram arrastadas pelos cabelos, como se fossem animais, e jogadas dentro de um ônibus.

As imagens da repressão percorreram todo o mundo, escandalizaram a Anistia Internacional e levantaram ainda mais polêmica em torno de um regime que atropela os direitos humanos em nome do socialismo. Laura, fundadora do movimento Damas de Branco, precisou imobilizar o braço e sofreu com outras companheiras de luta feridas e humilhadas.

Meia hora antes de realizarem mais um protesto, às 17h de sexta-feira (hora de Brasília), Laura falou com exclusividade ao Correio, por telefone, de sua casa, em Havana. Ela contou à reportagem que o dia de hoje será o ápice das celebrações do sétimo aniversário da chamada Primavera Negra — período marcado pela prisão e julgamento sumário de médicos e jornalistas que se opunham ao movimento. Entre os presos, está Héctor Fernando Maseda Gutiérrez, marido de Laura, condenado a 20 anos de prisão.

A líder do Damas de Branco acusou o governo cubano de exercer uma “repressão brutal” e denunciou que seu povo vive em uma espécie de feudo, no qual as autoridades têm direito sobre as vidas e as propriedades. “Este é um governo totalmente totalitário”, lamentou, antes de seguir o exemplo do dissidente político Guillermo Fariñas e criticar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. De acordo com Laura Pollán, o mandatário brasileiro visitou os irmãos Raúl e Fidel Castro e desprezou a situação dos presos de consciência e de suas famílias em sofrimento. E pediu: “Deus queira que o novo governante do Brasil tenha um pouco mais de humanidade”.

Senhora da liberdade
Qual é o propósito do Damas de Branco e quantas mulheres integram o movimento?
Nós, as Damas de Branco, somos um grupo criado espontaneamente de mulheres, mães e irmãs dos 75 presos políticos detidos em 2003. Nós nos unimos e começamos a caminhar em 30 de abril de 2003. Saíamos da Igreja de Santa Rita e caminhávamos pela Quinta Avenida. Pouco a pouco, muitos outros familiares foram se somando a nós. Assim, chegamos ao que somos hoje em dia. Neste momento, nos encontramos na jornada do sétimo aniversário e estamos tendo atividades durante sete dias. Por que sete dias? Precisamente por ser o sétimo aniversário. Um dia por cada ano de prisão de nossos familiares. Nosso grupo é feminino. Mulheres que não têm ninguém preso, mas que se solidarizam com nossa causa, se somaram a nós. Ontem (quinta-feira), éramos 75 mulheres reunidas. Pela manhã, quando estávamos na igreja, éramos 30. Mas elas foram chegando e logo passamos para 50 e, depois, 75. Todos os dias, percorremos as ruas. Foram quatro dias de protestos até hoje (sexta-feira) e eles nos reprimiram em três deles. Ainda que nos reprimam, estamos dispostas a continuar, porque o mais importante são nossas demandas: conseguir a liberdade incondicional de nossos maridos.

Como vê a repressão ao seu movimento? Sofreu agressão?
Como não? Sim. Tenho, inclusive, o braço imobilizado desde o polegar direito até dois dedos antes do cotovelo. Há mulheres engessadas, algumas com costelas fraturadas. Tem sido uma repressão brutal. Nós todos temos visto, inclusive os jornalistas, que o regime disponibiliza ônibus para transportar pessoas que vão nos agredir. Essas pessoas começam a gritar obscenidades insanas, mas nós não lhes respondemos. Seguimos pedindo liberdade. Gritamos as palavras “Liberdade para os presos políticos!”, “Viva os direitos humanos!” e, agora, depois da morte do dissidente Orlando Zapata Tamayo, também gritamos “Zapata vive!”. Não há ódio. Somos cubanas e sabemos que deve vir a mudança, em que não existam mais presos políticos, em que todos possamos estar juntos, pois somos irmãos e cubanos. Em um país democrático, tem que haver espaço para todos. Lutamos pela liberdade dos presos políticos e para que em Cuba reine, para sempre, a paz, o amor e a liberdade.

Que caminho Cuba precisa fazer até a consolidação das liberdades civis e da democracia?
Não é possível termos liberdades civis e democracia no atual regime de Raúl Castro. Por isso, estamos pedindo as mudanças. Este é um governo totalitário. Totalitário completamente. Um governo no qual não existe a livre expressão, a liberdade de movimentos, a liberdade de associação. Existem tantos direitos que nos estão sendo violados. É algo lamentável. Quero dizer a vocês, brasileiros, que não permitam que ninguém arranque sua liberdade... Não importa a ideologia. A liberdade é a coisa mais grandiosa que um ser humano possui.

Como o Brasil pode ajudar os cubanos a instaurarem a democracia?
Sempre vimos Lula como um homem do povo, um homem que surgiu dos trabalhadores. Portanto, alguém que amaria o povo e que desejaria a todos os povos a mesma liberdade vivida pelo Brasil. Em especial para Cuba. Mas cada vez que ele vem até aqui é para reunir-se com a ditadura dos irmãos Castro, sem se lembrar que há presos políticos, que existem famílias que estão sofrendo e que nós temos a dor que vocês tiveram durante um momento (na ditadura). Espero que o novo governo do Brasil, depois das eleições, não siga o caminho de Lula. Que pense mais nos seres humanos. Que nos ajude a encontrarmos o caminho da democracia e para que todos possamos sentir a liberdade.

De que modo a senhora vê a relação de Lula com Fidel Castro, a quem chama de “companheiro”?
Penso que Lula poderia vir ver Fidel Castro. Mas, no último encontro, ele não se manifestou a favor dos presos políticos e não prestou condolências por uma morte que poderia ter sido evitada. Lula não foi capaz de pedir aos irmãos Castro, por ser seu amigo, que não deixem isso ocorrer mais. Devia ter lhes dito para libertar os presos políticos. Se vocês têm democracia e pluripartidarismo, por que Lula não interfere para que, em Cuba, os irmãos Castro deixem de ser nossos únicos governantes? Creio que Lula poderia ajudar o povo cubano. Lula tem sido muito bom a vocês, mas a nós não nos tem feito nada, não nos tem apoiado. Deus queira que o novo governante do Brasil tenha um pouco mais de humanidade e estenda a liberdade e a democracia para o resto dos países.

Por que o regime de Raúl Castro não faz concessões em relação aos presos de consciência?
Poderia fazer (concessões) ao Brasil ou à Espanha, por exemplo. Cuba necessitava do apoio da Espanha para ter suavizadas as sanções impostas à ilha. Cuba deu, então, a liberdade a Raúl Rivero, em 2004. É possível que Lula, que é tão amigo, diga a Cuba, que tanto precisa do intercâmbio comercial e de seguir sustentando a amizade com a América, para dar a liberdade aos presos.

Que balanço a senhora faria da situação dos presos políticos na ilha e do nível de liberdades civis?
Desgraçadamente, as liberdades civis foram sequestradas em Cuba há 51 anos. A vida aqui é como na época medieval: estamos em um feudo, com senhores feudais que tratam o povo como servos. Eles querem ter todo o direito sobre as vidas e as propriedades. Não os deixam realizar seu trabalho livremente e têm, como único patrão, o governo comunista. Além disso, não podem se expressar livremente. As autoridades apregoam que as escolas e universidades são dos revolucionários. Se você não está com elas, não pode estudar. Estão reprimindo e castigando os cubanos. As pessoas que ousam levantar sua voz e pedir liberdade vão parar no cárcere, como ocorreu com nossos familiares. O governo é um violador de todos os direitos. E as prisões? Peça ao Lula que visite as prisões, mas não aquelas designadas pelo governo dos Castro. Que ele escolha livremente as prisões e fale com os prisioneiros. Venham vocês, jornalistas, e visitem livremente as prisões que quiserem. Aqui não se cumpre as regras mínimas determinadas pela ONU no tratamento dos prisioneiros. Desejo que o Brasil siga no caminho da democracia e tomara que o novo presidente se ocupe mais das problemáticas de nosso país.

Ouça trecho da entrevista


 

 

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