sexta-feira, 5 de março de 2010

FÓRMULA INDY - Entrevista: Helio Castroneves (entrevista a Victor Martins)

Eu... não cheguei me imaginar na cadeia. Mas quando via certos filmes, alguma coisa assim que tivesse corte, justiça, eu não me sentia à vontade. “Como é que eu posso estar passando por isso, e de repente sou eu que estou ali no filme”, eu falava, então procurei a parte espiritual para me acalmar, e os fãs foram incríveis.




VICTOR MARTINS
de São Paulo
Foi pouco menos de uma hora de uma conversa que procurou abordar todos os pontos da vida e da carreira de Helio Castroneves. O encontro aconteceu no prédio onde mora aqui na capital paulista, no fim do mês passado. Estava também Carsten Horst, fotógrafo que acompanhou a carreira do piloto e que foi a Indianápolis comigo no ano passado, na prova vencida por ele.


Carsten Horst

Antes que Helio estivesse pronto — não poderia se furtar de estar impecavelmente arrumado —, vieram revelações e confirmações: a de que foi procurado pela Ganassi em 1999, que a morte de Greg Moore acabou representando a guinada na carreira e que acabou recebendo a bênção da mãe do canadense para ter tranquilidade de correr na Penske, que rolou uma hesitação em continuar na equipe quando houve a decisão de ir para a IRL, que o sonho de ir para a F1 acabou em 2004, que nunca entendeu o porquê de Tony Kanaan tê-lo atrapalhado na decisão do título de 2006, que teve a fé abalada com o episódio judicial e que não ter sido campeão não o incomoda.

Quase no fim do papo, apareceu o agora assessor Américo Teixeira Jr., imprescindível testemunha no julgamento de Helio, o brasileiro ‘made in USA’ que encerra a quarta temporada de Grandes Entrevistas.
Grande Prêmio: O ano de 2009 foi o mais tenso de sua vida, considerando o problema com a Justiça, a temporada e o nascimento do seu filho?

Helio Castroneves: Não foi o ano mais tenso, mas foi um ano... único, com vários tipos de emoções, um deles totalmente fora do meu controle. Mas foi um ano de aprendizado, de fortalecimento e de alegrias. Porque, apesar da vida profissional, eu acabei ganhando um excelente presente no final do ano, que foi minha filha, Mikaela. Então, sem dúvida, foi um ano como nunca tive.

GP: Você começou a carreira relativamente tarde se compararmos que os pilotos já estão no kart com 6 ou 7 anos. Por que tão tarde? O que era o kart para um menino que não tinha um passado familiar no automobilismo?

HCN: É impressionante... eu acho que hoje em dia, pra ser sincero, não é tão importante começar tão cedo. Acho que tem que dar para ela o gosto, primeiro, mostrar outras opções para esta criança. A razão de eu falar isso é porque o automobilismo não é um esporte como o golfe, como o tênis, como o futebol, que quanto mais cedo, suas habilidades, seu corpo e seu talento praticamente já estão prontos, e você vai aprimorando neste tipo de esporte. No automobilismo, você chega num patamar de categorias que você não tem muito o que fazer. O kart é uma excelente escola, mas se você começa com 7 anos, com 11 você já está muito bom, e não tem como ir para outro lugar pela idade, você tem que seguir normas e regras. Então você fica sem opções, e é aí que as coisas começam a se precipitar. No meu modo de ver, é preciso dar opção para a criança, jogar bola, futebol, se divertir, não forçar, e aí, sim, depois que se vê a criança dedicada.

No meu caso, acho que foi perfeito. Eu vim de Ribeirão Preto para São Paulo, formei grandes amigos e mais me divertia fora das pistas jogando bola com o pessoal de macacão na cintura. A gente pegava o carro dos mecânicos e ficava dando volta ali em Interlagos. Isso tudo me deu essa base para, quando voltasse pra pista, independente dos resultados, pegasse gosto pela coisa. Porque quando você é menino, você não tem aquele espírito de competição, são os pais que começam a te ensinar.

GP: E foi assim, tendo uma infância, digamos, normal que você teve a consciência de decidir e não de seus pais decidirem por você.

HCN: Exato. Eu dormia na casa dos pilotos, foi como uma escola. O amiguinho vem de outro lugar, dorme em casa, e a lição de casa era limpar os capacetes. Os pilotos tiveram a mesma infância, mas era um estudo diferente. Quando eu realmente decidi, em 1990, aí eu comecei a levar a sério, comecei a fazer exercícios específicos porque eu achava que eram bons, assisti mais às corridas, me empolguei mais, mexia com carburador para ver se eu me acostumava com as agulhas, então fui vendo que era isso que eu queria.


Carsten Horst

GP:
E cinco anos depois de sua decisão você partiu para a Europa. Mas lá só fez um campeonato, a F3 Inglesa. E no ano seguinte partiu para a Indy Lights justamente no ano em que a Indy se separou. Por que houve essa mudança?

HCN: Porque, infelizmente, a gente sempre sofre aquele problema de patrocínio. É um esporte muito caro, e meu pai e minha família abdicaram de muitas coisas, venderam propriedades, se entregaram num sonho que era meu e se tornou um sonho de família. E chegou num ponto em que os patrocinadores disseram que não poderiam continuar na Europa e que tinham como opção os EUA, uma opção meio que forçada. Eu não tive muita escolha, tinha que ir conforme eles, já que eles me deram era oportunidade. E eu aceitei. Mas pra te falar a verdade, eu queria era correr. Não queria ficar sem correr. E hoje em dia eu vejo que foi a melhor opção.

GP: Em 1997, após ser vice-campeão, o passo natural seria você subir para a IRL. Mas acabou indo para a Cart. Você não teve oportunidade na IRL ou você via realmente a Cart como o melhor caminho?

HCN: Quando eu estava na Indy Lights, o foco realmente mudou. Estando nos EUA, se acostumando com o sistema, formando amigos, tudo isso foi sendo natural, e o caminho seria natural, usando a Indy como um trampolim para a F1. Em 1998 e 1999, quando corri com equipes pequenas, com a Bettenhausen e a Hogan — e a Hogan até surpreendeu, com um carro em que ninguém acreditava naquele Lola —, o foco ainda era a F1.

GP: Foi em 1998 que, correndo pela Bettenhausen, você acabou ficando desempregado pela primeira vez lá nos EUA. Durou quanto tempo, duas, três semanas?

HCN: Não, foi mais... Foi praticamente um mês, um mês e meio.

GP: Nunca ouvi você falando sobre isso, mas gostaria que você confirmasse. Em 1999, você chegou a ser procurado pela Ganassi para correr lá?

HCN: 1999 foi muito interessante. Eu tive uma proposta da Ganassi, sim, pra fazer um teste. E infelizmente meu manager não aceitou essa oferta. O Alex Zanardi tinha saído e ido para a Williams, fazendo aquilo que muitos não esperavam, usando a Indy como trampolim, então essa vaga ficou sobrando. E aí quem pegou essa vaga foi o Juan Pablo Montoya, que era piloto de testes da Williams. O Ganassi não tinha quem colocar no lugar e colocou o Juan, que todos nós sabemos ganhou várias corridas e o campeonato. Ficou dois anos na Indy, virou sensação e voltou para a F1.

GP: E foi quando você acabou fechando com a Hogan. E a situação com a Bettenhausen acabou se repetindo...

HCN: [risos] É, de novo...

GP: É, aquele mito do raio que não cai duas vezes no mesmo lugar. E o Hogan acabou anunciando que não disputaria o campeonato no fim de 99, e você ficaria sem correr momentaneamente. Até que houve o acidente fatal com o Greg Moore. Você vê que a morte do Greg representou a guinada na sua carreira?

HCN: Pois é, duas situações inesperadas, sem planos, praticamente, acabaram acontecendo a nosso favor. E os dois problemas foram por falta de patrocínio, tanto na Bettenhausen quanto na Hogan — por isso que elas fecharam. E quando o Greg Moore faleceu, realmente foi muito difícil para todos nós, perder um colega de trabalho. Eu não conhecia o Greg tão próximo, apesar de fazermos muitos eventos juntos pelo fato de guiarmos pela Mercedes naquela época. O Roger acabou me contatando naquele fim de semana após a corrida, querendo conversar a respeito de uma possibilidade de eu estar na equipe dele. E eu sinceramente estava muito perdido, por várias coisas que aconteceram naquele final de semana. Eu não tinha uma equipe e não tinha mais nada. Estava com as malas prontas para voltar para o Brasil, e talvez começar tudo de novo em outro ramo, em outras coisas. E de repente, eu tinha uma equipe que naquela época não estava indo tão bem — fazia três anos que não vencia uma corrida —, mas que era uma das melhores equipes.

GP: Entendo pelo que você diz que a situação não era cômoda também por entrar no lugar de alguém que já estava assinado com a Penske e que tinha morrido.

HCN: Muito. Porque eles queriam que eu entrasse. Não substituísse, mas que eu entrasse no lugar que ficou vago. Então foi difícil porque eu não sabia como lidar com essa situação. A equipe me deu um suporte muito grande. E eu acabei conversando com a mãe do Greg, e ela praticamente me deu a bênção, dizendo: “Olha, esse lugar era pra você. Não se sinta culpado de fazer o que você está fazendo.” E foi aí que deu a virada que você falou, o começo de uma vida nova, o começo de grandes corridas e de grandes vitórias.


Carsten Horst

GP:
Você acabou indo em definitivo para a IRL em 2002, com a decisão da Penske de deixar a Cart. Particularmente, você queria a mudança também?

HCN: Em 2001 a gente tinha feito uma prova, que foi Indianápolis. Como em 2000, a Ganassi foi, fez a participação nas 500 Milhas e venceu com o Montoya, a Penske se sentiu na obrigação de retornar. E tanto que eu e o Gil acabamos em primeiro e segundo. A decisão de ir para a IRL se deu no ano final do meu contrato, e eu fui muito claro com o Roger e ele foi muito claro e honesto com a gente. Ele disse: “Se você quiser ir, você vai fazer parte junto com a gente. Se não quiser, a gente honra o contrato e você segue pelo seu caminho”. E eu lembro de ter conversado com o Gil e disse: “Puxa vida, cara, a gente vai parar de andar em circuito de rua, em circuito misto, só pra andar em oval... é complicado, cara, complicado”. Mas a gente tinha criado uma certa conexão com a equipe, e a gente achou que era mais legal ficar. Com certeza, a equipe ia fazer de tudo pra que as coisas melhorassem. Aí eu falei com o Roger: “Meu único medo é que eu quero ir pra F1. Ainda quero ir pra lá, e foi esse o motivo de eu ter assinado aqui, porque eu sei que ganhando aqui eu vou pra lá”. E ele disse: “Não se preocupe. Eu dou um jeito.”

GP: Foi ele quem arrumou aquele teste com a Toyota em 2002?

HCN: Ele mesmo. Ele arrumou um teste pra mim no fim do ano pela Toyota. Foi um teste fantástico, muito bacana, lá em Paul Ricard. A equipe ficou super empolgada, os mecânicos, nunca tinha visto... aliás, eu já tinha visto algo parecido na equipe do Amir [Nasr], em 1993, quando eu testei para eles, mas lá fora, nunca. No final do teste, todos gritavam ‘Spider-Man’. Foi muito bom. Mas há política em todo esporte, e na F1 ela parece ser um pouco mais forte. E eles tinham anunciado naquele dia do meu teste, no meio do teste, que eles tinham assinado com o Cristiano da Matta. Destino ou não, infelizmente o Cristiano acabou entrando numa situação difícil em que ele ficou um tempo sem correr. Então quero acreditar que Deus disse: “Não, aquele não era seu lugar”. Mas pelo menos eu tive o gostinho de andar na F1.

GP: Até quando esse sonho de andar na F1 permaneceu, mesmo com o baque e a política que você já tinha conhecido?

HCN: Mais uns dois anos. Até 2004 eu ainda mantive contato com a Toyota — a gente tinha os motores dela na Penske —, mas é aquilo: quando não é pra ser, não é. Eu realmente insisti, tentei, conversei, e-mail pra lá e pra cá, ligação aqui e ali, até o Roger entrou no meio para negociar e participar, até que chegou num momento em que sentei do lado deles, numa reunião e me disseram: “Você tem que vir para uma Minardi, como o Fernando Alonso fez”, e eu falei: “Muito boa sorte pra vocês, agradeço pela oportunidade que vocês me deram”, e eu senti que dali em diante, a F1 não era para mim.

GP: E você hoje não sente nenhuma falta, daquelas que, daqui pra frente, você vai olhar no seu currículo e sentir que não alcançou um sonho?

HCN: Nenhuma falta. Como eu disse: testei o carro, adorei a tecnologia, adorei o carro... e o carro serviu como uma luva pra mim, meu estilo de guiar, mas a gente às vezes quer alguma coisa e o cara lá de cima fala: “Não, não é pra você que você vai se machucar”. Então eu estou muito contente onde estou e agradeço até hoje pela Penske. E eu também sou muito leal por uma equipe que me deu uma oportunidade, acredita e continua acreditando em mim. E isso não há preço.

GP: O teste foi pouco mais de sete anos atrás. Mesmo considerando os carros da Indy de hoje, ainda que sejam meio arcaicos, a diferença é muito gritante?

HCN: Tudo. Até a posição de sentar é diferente. Na Indy você fica sentado com as pernas um pouco mais pra baixo e na F1 é mais pra cima, a posição é parecida, mas o ângulo das pernas é diferente. E a visão também. Você enxerga somente acima dos pneus, você não vê a suspensão, não vê o tipo da asa, às vezes, e na Indy você já consegue ver. E a F1 tem volante hidráulico, naquela época tinha controle de tração, agora não tem mais, e a gente é meio que na raça [risos]. A única coisa que a Indy tem agora são os ‘paddle shifts’, o câmbio-borboleta. A aceleração de 0 a 100 é muito mais forte na F1, o carro é muito mais leve, tem mais potência, é muito mais rápida a reação, sendo que na Indy é muito mais rápida no final da reta, não para de crescer. Na F1 ela meio que para de crescer e fica só berrando.

GP: O que você pode dizer dos anos da Cart e a IRL após a separação? Os campeonatos eram fracos? A Indy ainda hoje sente os efeitos da separação?

HCN: Ah, sim. O interessante é que a Indy antigamente — e isso a gente está falando de 15 anos atrás — tinha muito crédito por causa de Indianápolis, dos pilotos estrangeiros, do apoio das empresas de carros, Ford, Chevrolet, Toyota, Honda. Então isso tudo gerava negócios e equipes. E com a separação, a Nascar sobre aproveitar esta parte deficiente que a Indy enfrentou e trocou a situação. Agora ela que tem as empresas de carros apoiando. Foi essa a grande mudança.

GP: 2006 ou 2008: que campeonato em que a derrota foi mais difícil?


Carsten Horst

HCN:
[pensativo] 2006 ou 2008... 2006 foi qual, mesmo?

GP: Wheldon, Hornish...

HCN: Com o Sam... ah, é... 2006, Victor, 2006. Rapaz, aquela lá... última corrida do ano [Chicago], eu tinha que chegar em terceiro pra ser campeão, eu tinha de chegar na frente do Sam, mesmo se o Wheldon vencesse. E enfrentei uma barra grande ali. Porque o Tony (Kanaan) estava uma volta atrás, não sei o que aconteceu que ele não me deixava passar, ficava meio lado a lado, e isso me fazia perder velocidade. E meu carro estava um pouco mais rápido, mas não era tanto rápido quanto os outros três, e eu estava quase pra tomar uma volta. Enfim, acabei perdendo a chance de disputar aquela corrida. Então 2006 foi complicado, mas pelo menos a equipe ganhando com o Sam, e a festa ficou dentro da equipe.

GP: Eu sei que você chegou a se desentender com o Tony por conta disso. Você tem essa impressão até hoje? Quanto tempo levou pra você digerir aquela derrota?

HCN: Nunca nós falamos, e acredito que oportunidades tiveram... Mas acredito que são coisas de corrida, rivalidades. O Tony é um piloto que pra mim, e isso falo publicamente, me fez melhor, e eu acredito que vice-versa. Nós dois sempre disputamos corrida desde moleque, então somos rivais a vida inteira. Se eu estou em 15º e ele em 16º, o dia está bom [risos], e acho que é o mesmo com ele também. Isso eu vou ter sempre. Mas essa eu realmente não entendi, e acredito que um dia a gente vai sentar e conversar pra realmente saber o que aconteceu naquele dia e o que passou na cabeça dele.

GP: Estranho que, passados pouco mais de três anos, nenhum dos dois tivesse falado sobre isso, que não é qualquer coisa...

HCN: Na vida inteira, a gente foi sempre muito amigo. Eu praticamente dormia na casa dele, a mãe dele nos levava pra pista. E o Tony tem uma característica que eu conheço muito bem: sempre é da maneira dele. E nessa situação, falei: “Agora não vai ser da maneira dele, não [risos]... agora vai ser da minha”. Mas acredito que isso vá mudar. Eu só falei disso porque você me perguntou [risos], porque não vai mudar. Eu procuro deixar isso quieto. Ele só me ensinou que na pista é cada um por si. Por mais que ele não tivesse chances de disputar o campeonato, ali é cada um por si.

GP: Em que você acredita religiosamente?

HCN: Sou cristão, católico, acredito em Deus, e minha fé é muito mais hoje maior. Essa é a mensagem que eu tenho passar pra muita gente: o poder da oração faz a diferença. A gente às vezes quer alguma coisa, mas quer tanto que, apesar de passar por vários obstáculos, não consegue. E você reclama. Mas a gente não pensa do outro lado, que Ele está te protegendo, dizendo que é melhor escolher um outro caminho, que é melhor trabalhar em outra área, então me sinto na obrigação de falar porque eu tive todas as razões para ser revoltado e perder essa fé. E hoje ela está muito fortalecida. 

GP: Porque a sua fé e sua crença em Deus foi abalada com toda aquela questão judicial...

HCN: Sim. Eu questionava, mas eu nunca perdi. Eu ficava perguntando: “Qual o caminho que o Senhor estava me mostrando? O Senhor quer que eu vá pra cadeia e volte mais forte? O Senhor quer que eu pare de correr e de repente volte com outra cabeça? Qual o caminho? Me dê a luz, me faça entender”, e realmente a única coisa que eu pedia era que aceitasse qualquer que fosse a decisão.


Carsten Horst

GP:
Por mais que acreditasse em sua inocência, você sentiu em algum momento que poderia de fato ir preso? Ou ainda, que insanidade você chegou a cometer – e isso vai de quebrar as coisas de raiva, chorar compulsivamente ou até mesmo pensar em se matar?

HCN: Não, não cheguei nesse ponto. Obviamente a gente discutia, até com os próprios advogados, porque eu não entendia a razão por estar passando por tudo aquilo. Não entendia como eu, com 22, 23 anos de idade, podia estar sendo mirabolante em uma situação. Eu mal falava inglês, não tinha como, não era possível acreditarem numa coisa dessas. Entendo que tem gente que tenta burlar a lei, que faz isso, mas... era impossível. Nunca fiz contabilidade, não sou advogado, sou piloto de corrida. Quanto menos número eu tiver, melhor, que é a posição em que vou estar. Eu não me conformava. Mas nunca perdi a fé. Hoje eu entendo.

GP: E sobre ir preso?

HCN: [pensativo] Eu... não cheguei me imaginar na cadeia. Mas quando via certos filmes, alguma coisa assim que tivesse corte, justiça, eu não me sentia à vontade. “Como é que eu posso estar passando por isso, e de repente sou eu que estou ali no filme”, eu falava, então procurei a parte espiritual para me acalmar, e os fãs foram incríveis. Foi tanta mensagem de apoio, por Facebook, e-mail, site, que tudo me fez ficar focado, e isso valeu demais.


Robert Ghement/EFE

GP:
Eu falei com seu pai uma vez logo no início da história do seu julgamento sobre esse processo e ele me dizia que houve uma denúncia contra você e que sabia bem de quem tinha partido. E ficou bem claro que é o Emerson Fittipaldi. O que você sente pelo Emerson? Mágoa, raiva, desprezo?

HCN: Foi um grande piloto. Foi um piloto que abriu as portas para todos os pilotos brasileiros. E eu prefiro pensar dessa maneira.

GP: Por que como empresário e como pessoa...

HCN: Como empresário ele é um bom piloto [risos].

GP: O quanto o jornalista Américo Teixeira Jr., que hoje é seu assessor, foi fundamental em sua inocência?

HCN: O Américo foi incrível. Ele disse a verdade. Ele viu minha carreira desde o começo, conhece minha família, e óbvio que ele foi uma pessoa chave perante à Corte porque ele mostrou a índole da pessoa, o caráter da família, que era o que precisava ser visto. Quando o governo acusa de uma maneira que põe em dúvida seu caráter e julga sua maneira de ser sem conhecer, é complicado. Mas sem dúvida o Américo mostrou que somos unidos e sempre focamos em automobilismo, e era só aquilo.


AP

GP:
Que lições que você tirou de todo esse episódio judicial? O quanto você mudou, o quanto sua confiança nas pessoas próximas mudou?

HCN: Não mudou porque eu não vou viver a vida só porque o governo criou uma situação de desconfiança. Não vou viver com esse sentimento. Vou continuar confiando nas pessoas, nos profissionais. Talvez eu possa seguir um pouco mais principalmente nessa área, que não é a minha, e se tiver no que eles chamam de ‘grey area’, eu vou falar que eu quero branca, quero que seja tudo tranquilo e claro e transparente. Mas não vou tentar ser um contador ou ficar ligado nisso porque eu vou tirar o foco do que eu sei fazer. Vou continuar focado nos carros de corrida porque é dali que eu vou continuar me divertindo.

GP: 18 de abril de 2008: você pode descrever como foi a viagem de Miami para Long Beach depois que você foi declarado um homem livre? O que foi aquele fim de semana pra você?

HCN: Eu ia agradecendo os fãs pelo celular, porque recebi tanta mensagem quando a notícia apareceu — mais até de quando venci as 500 Milhas de Indianápolis. E foi animal [risos]. Parecia minha primeira corrida de uma maneira diferente. Eu não me importava se os outros já tinham andado no carro, se já tinham tido um dia de treino, eu só queria estar lá na pista, a vontade, o friozinho na corrida, não a agonia e o nó no estômago. Durante a viagem chorei várias viagens, agradeci... foi uma emoção... foi, talvez, uma das melhores corridas da minha vida, pra te falar a verdade. 

GP: Se tivesse um alambrado no avião, provável que você o escalasse...

HCN: [gargalhadas] Mas, sabe... eu não achei que foi uma vitória. Isso foi justiça. A vitória foi em Indianápolis, no ano passado.

GP: A comemoração nas arquibancadas, fazendo de você um Homem-Aranha, foi programada ou espontânea?

HCN: Foi espontâneo. Eu ganhei a primeira prova em Detroit em 2000, e estava tão contente que errei a área em que deveria parar, deveria ter ido para os pits e fui pra pista. E olhei pro lado, e a galera estava numa loucura. E eu pensei: “Ih, eles devem estar pensando que eu parei pra eles”. Então, sei lá, não sei, juro. Eu fui lá e não entendo até hoje porque fiz aquilo. Mas quando vem do coração, do jeito que foi, se torna bacana.

GP: Você se tornou não só um piloto top, mas também um artista. E como tal, tem que se preocupar com a imagem, ainda mais porque participou do Dancing with the Stars...


Carsten Horst

HCN:
[Virando-se para o fotógrafo Carsten Horst] Como é que eu estou na foto, estou bem? [gargalhadas]

GP: Aliás, muita gente fala que você costumava ou costuma ficar se olhando no espelho pra ver qual seu melhor perfil para aparecer bem nas câmeras. É verdade?

HCN: Ah, passo ainda, opa!... [risos]. O Gil me conhece de cabo a rabo, vamos dizer assim, ele falava: “Não, não acredito...” O nosso caminhão tinha um revestimento de inox polido, então parecia um espelho. E aí eu ficava: “E aí, Gil, meu cabelo está legal, cara?”, e ele não se conformava: “Você fica o tempo todo no banheiro se olhando?”, e eu dizia que não, não chegava tanto, mas tinha que dar uma analisada.

GP: E já emendando, como é que rolou essa história de ir pra um programa de dança?

HCN: Foi muito legal pelo fato de ter sido diferente. Era um programa totalmente atípico, voltado pra pessoas que são artistas. E que não estão voltadas para o automobilismo, pessoas... normais! Então foi uma tática legal, uma estratégia que não sabia se ia dar certo ou não. Eu só não queria ser eliminado primeiro. Queria durar pelo menos duas semanas pra não ser o pior. E com muito treino foi.

GP: Conhecimento de dança zero...

HCN: Nada, nada. Eu fui e pus a cara pra bater. Eu me dediquei. Eu aprendi uma coreografia, né?, eu não aprendi a dançar. Aprendi as técnicas, o show. E me diverti, e acabei levando o troféu.

GP: E falando em troféu, você é um cara que venceu três vezes as 500 Milhas de Indianápolis, tem recorde de poles numa temporada da Indy, venceu um programa de dança e teve outras conquistas. Mas muitos encontram uma falha na sua carreira, que é a de não ter título nenhum. Isso te perturba ou te perturbou em algum momento?

HCN: Nada. Pra mim, cada um ano que passa me incentiva ainda mais. Não pelo que falam ou por não ter, mas por conquistar o objetivo, que é ser campeão. E também ganhar corridas e quebrar recordes. Então, não me importo. Terminar em segundo ou terceiro, é importante chegar no fim do ano para buscar o título. Uma hora essa porta vai se abrir. Todo ano entro desta maneira.


Darrell Ingham/Getty Images

GP:
Você teve como companheiros Gil de Ferran e Sam Hornish Jr., ambos campeões, mas de personalidades diferentes. Agora tem o Ryan Briscoe. Como foi a convivência com os dois, que me parece harmoniosa com o brasileiro e desgastante, até de inimizade, com o americano, e como é com o Briscoe?

HCN: O Gil se tornou um grande amigo. Quando entrei na equipe, o Gil já tinha disputado campeonatos, já tinha vencido corridas, e minha intenção, naquela situação, era aprender o máximo com ele. Ele é um piloto, foi um piloto... — ele aposenta e volta, aposenta e volta, eu nunca sei ele é ou foi piloto [risos] — muito completo, muito rápido na parte técnica, na hora certa. Eu aprendi muito com o Gil nos quatro anos em que andamos juntos. E por ser um conterrâneo, a gente acaba se divertindo ainda mais pras corridas juntos, falando besteira. E pra mim, o Gil foi a casca dura. Às vezes ele estava 2 segundos, 1 segundo mais lento, e de repente o cara achava do nada. Ele escondia o jogo, fazia a coisa certa.

Quando veio o Sam Hornish, pensei que a coisa ia ser mais complicada, porque a gente já tinha disputado campeonato juntos acirradamente. Eu tenho uma personalidade mais descontraída e ele era mais introvertido, iria ter um certo conflito. E teve uma corrida em que nós nos tocamos, em que ele forçou uma ultrapassagem e acabou me jogando pro muro. E foi aí que eu sentei e falei: “Olha, se você não gosta de mim, eu respeito, é sua opinião, não tem nada que eu possa fazer. Mas nós somos da mesma equipe. Eu e o Gil corremos juntos, 1 cm perto do outro, e nunca tivemos problemas. É seu primeiro ano aqui e você entra achando que é o cara. Você realmente é um bom piloto, mas acho que a equipe não vai aturar. Eu como já tenho mais tempo que você, acho que temos que conversar e entrar num acordo”. E foi aí que o Roger falou: “Em vez de dar 1 cm, vamos dar 2 de distância”. E não tivemos mais problemas. Respeitei ele da maneira que ele sempre foi e ele me respeitou. E de repente ele até se soltou um pouco mais. Mas nunca tivemos problemas no sentido de inimizade, eu sempre vesti a camisa do time.

E agora vem o Briscoe, que é um piloto que recebeu uma segunda chance depois de um acidente muito feito com a Ganassi, que machucou. E é um piloto mais parecido com o Gil. Só não se é igual, ou a gente não se diverte tanto, pelo fato de ele ser australiano. A gente tem até as mesmas brincadeiras, mas não é a mesma coisa. Mas é um cara totalmente diferente do Sam, totalmente extrovertido, brincalhão. E no ano passado ele mostrou que tem condições de vencer campeonato, de vencer corridas, esteve na briga até o fim.

E temos também o Will Power, outro australiano, um pouco mais sério, mas também brincalhão. Ele me substituiu na época em que eu estava em férias forçadas e mostrou que tem um potencial muito grande, que é rápido, e isso vai nos ajudar a desenvolver melhor o carro pra 2010.

GP: Você formou praticamente uma família na Penske. Você se vê encerrando a carreira em monopostos pela equipe?

HCN: Como dizem em inglês, “nothing is forever”. Eu não gostaria, mas pode ser que um dia esse casamento mude.

GP: A Nascar é uma realidade pra você? Ou algum futuro numa categoria de turismo?

HCN: Sim, são do meu interesse. Às vezes é bom mudar de ares, ou quando você conquista seus objetivos, acho importante você se dedicar a outra coisa, sempre no ramo de automobilismo. Eu gostaria de experimentar, mas enquanto eu não cumprir ou não sentir que a hora ainda não chegou, eu vou continuar 100% no monoposto.

GP: Qual o significado desta corrida brasileira da Indy? Ela seria uma quase 500 Milhas em termos de importância?

HCN: Sem dúvida, no meu país, é legal ter o reconhecimento, esperando que a Indy se popularize como era antigamente. Mas em termos de emoção, acredito que só depois da corrida eu posso dizer. Se eu subir aquele alambrado, imagino que até alguns torcedores façam isso, mas eu me empolgo e quero representar muito bem o Brasil, se não for em São Paulo, no campeonato inteiro.

GP: É, entendo que os EUA são particularmente mais importantes e têm uma representatividade maior em sua vida do que no Brasil.

HCN: Nos EUA eu ganhei um espaço, um carinho e um respeito dos americanos muito grande, até pelo fato de as corridas serem lá. Agora, talvez, com a corrida da Indy isso pode igualar um pouco, e adoraria que isso acontecesse. Mas pelo fato de ter vencido três Indianápolis e ter obtido sucesso lá, hoje os EUA são um pouco mais favoráveis, sim.


Divulgação

GP:
E para encerrar: em pouco mais de um mês, o que a Mikaela mudou em você?

HCN: As noites. Mudaram as noites [risos]. Isso é um milagre. Deus e a natureza darem esse presente, é incrível. Isso vai me fazer uma pessoa madura, e muitas coisas já mudaram em termos de perspectiva de vida, as prioridades. As situações em que a gente às vezes passa despercebido pelo fato de estarem todo dia, agora não passam mais. Então quero passar isso pra minha filha, dar a educação que eles me deram para continuar a geração.

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