quinta-feira, 25 de março de 2010

CIÊNCIA E SAÚDE - A indústria farmacêutica se dedica, cada vez mais, a encontrar possibilidades de cura nas plantas


Pesquisas acadêmicas embalam popularização do potencial terapêutico conhecido há séculos na medicina tradicional

Paloma Oliveto
Publicação: 25/03/2010 07:00



Os antigos já sabiam o que a indústria farmacêutica, hoje, pesquisa intensamente: o poder curativo das plantas. Seja em forma de chá ou emplastos, eles sempre tinham uma receita para todos os males, e bastava um pulinho no quintal para chegar com a cura nas mãos. Mais sofisticado e seguro — nem toda folha, flor ou raiz faz bem à saúde —, o estudo farmacológico atual baseia-se nos conhecimentos tradicionais em busca do tratamento e da cura de doenças variadas, tendo a biodiversidade como fonte natural de recursos.

Nas universidades, plantas conhecidas, como repolho e camomila, e outras nem tanto, como a nigela, têm se mostrado promissoras para combater males, que vão da artrite ao câncer. É bom lembrar que, até se chegar a um medicamento, muitas etapas precisam ser cumpridas, já que o segredo do aproveitamento do potencial terapêutico das plantas está no isolamento de moléculas específicas, algo que demora até mesmo décadas para ser feito. Nada, portanto, de ingerir garrafadas ou chazinhos aparentemente inofensivos.

Há 10 anos, o Laboratório de Análise e Produção de Medicamentos da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), em Santa Catarina, estuda as propriedades do extrato da Aleurites moluccana, árvore conhecida popularmente como nogueira-da-índia, que cresce em abundância no sul do país. De acordo com a coordenadora do mestrado em ciências farmacêuticas da Univali, Tania Mari Belle Bresolin, a planta tem propriedades analgésicas, anti-inflamatórias e antifebris. “O embasamento da pesquisa é na medicina popular. Geralmente, é assim que funciona. A tradição serve como uma triagem prévia para os estudos farmacológicos”, explica.

Usada tradicionalmente em forma de chá e emplastros para machucados e inflamações, a folha da nogueira-da-índia vai virar comprimido, pomada e uma suspensão pediátrica para combater febre e dores. O estudo mais avançado é o dos comprimidos que, na fase pré-clínica, de teste em animais, não mostrou índice toxicológico. “É uma vantagem em relação aos tratamentos anti-inflamatórios disponíveis no mercado, pois não há efeitos colaterais”, conta Tania. No fim deste ano, terá início a fase clínica, quando os testes são realizados em humanos. Se tudo der certo, em 2012 o medicamento estará no mercado e poderá beneficiar pessoas que sofrem com problemas de inflamações agudas, como a artrite reumatoide.

A farmacêutica esclarece que o remédio será fitoterápico, ou seja, livre de outros ativos sintetizados. O único princípio é o extrato da planta. Nem todo medicamento à base de substâncias naturais pode ser considerado fitoterápico, pois, em muitos casos, o princípio ativo é extraído e sintetizado quimicamente. É o caso, por exemplo, do ácido acetilsalicílico, a famosa aspirina. A matéria-prima do comprimido foi obtida a partir da casa do salgueiro (em latim, o nome da árvore é salici) e, em laboratório, os químicos conseguiram criar artificialmente o ativo e produzi-lo em grande escala.

Combate ao colesterol
No Brasil, outro estudo em fase avançada vem sendo desenvolvido pelo Instituto de Cardiologia de Cruz Alta, no interior do Rio Grande do Sul. Em 2006, pesquisadores do ICCA começaram a estudar os efeitos da Campomanesia xanthocarpa, mais conhecida como guariroba, no combate ao colesterol LDL, nocivo à saúde. A planta, cujo aproveitamento é quase 100%, também é usada tradicionalmente em Goiás, em Minas Gerais e nos estados do sul, e mostrou-se eficaz na diminuição das taxas de gordura no sangue. Uma pesquisa com 39 voluntários revelou que, ao tomar uma dose diária de 500mg, as pessoas tiveram redução de 41% do colesterol ruim. A pesquisa continua, pois ainda é preciso identificar as moléculas da guariroba que conseguem combater a gordura.

A farmacêutica Tania Mari Belle Bresolin afirma que, no Brasil, o potencial medicinal das plantas ainda é subaproveitado. “Somos o quarto em biodiversidade e temos um potencial enorme. Porém, é muito pouco explorado. A indústria farmacêutica brasileira não tinha muito autonomia nem tradição de pesquisa, tarefa que ficou para as universidades”, diz.

Já nos Estados Unidos e na Europa, os estudos são intensos. “Podemos esperar encontrar muitas novidades interessantes na pesquisa herbácea”, diz o professor Thomas Efferth, do Helmholtz Association of German Research Centres, na Alemanha. Ele estuda os efeitos de princípios ativos de plantas associados a sintéticos químicos, em uma linha de pesquisa baseada na medicina tradicional chinesa. Com colegas alemães, austríacos e chineses, ele conseguiu identificar 76 plantas usadas na medicina tradicional, com potencial para combater o câncer. O Correio conversou com outros pesquisadores que recentemente publicaram trabalhos sobre os efeitos curativos das plantas. Veja quais as mais promissoras atualmente.

Brócolis (Brassica oleracea variedade Italica Plenck)

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Os brotos do brócolis podem combater a infecção estomacal provocada pela bactéria Helicobacter pylori (H. pylori), uma das principais causas de câncer de estômago. Um estudo realizado no Departamento de Farmacologia da Escola de Medicina John Hopkins, nos Estados Unidos, mostrou pela primeira vez o efeito do vegetal no organismo humano. Há pelo menos duas décadas, os cientistas conhecem as propriedades anticancerígenas do sulforafane, substância contida no brócolis, mas nunca havia sido pesquisada sua relação com a H. pylori. No estudo, desenvolvido no Japão, 48 pessoas infectadas pela bactéria comeram 70g de brotos frescos de brócolis por oito semanas. Depois do período, verificou-se uma grande redução na presença da bactéria. “Esse estudo mostra uma evidência de que o brócolis pode prevenir o câncer em humanos, e não apenas em animais de laboratório”, diz Jed Fashey, pesquisador associado do John Hopkins.

Camomila (Matricaria recutita)

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O chá dessa planta é largamente utilizado com calmante natural. Uma pesquisa do Departamento de Urologia da Universidade de Cleveland, nos Estados Unidos, acabou que mostrar que, graças às propriedades anti-inflamatórias, a camomila também é uma aliada no combate ao câncer. Uma substância encontrada na planta inibe as enzimas ciclo-oxigenases, associadas ao processo inflamatório das células cancerígenas. A pesquisa foi feita in vitro e, segundo os cientistas, o resultado sugere que a camomila trabalha com um mecanismo de ação similar aos atribuídos às drogas anti-inflamatórias não esteroides. “Essa descoberta adiciona um novo aspecto ao perfil biológico da camomila, que pode ser útil para o entendimento de como o extrato da planta pode prevenir o câncer”, disseram os autores, no resumo do estudo.

Nigela (Nigella sativa)

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Um dos principais compostos do óleo extraído dessa planta mostrou-se eficaz no extermínio de células cancerígenas que atacam o pâncreas, inibindo o desenvolvimento desse tipo de tumor maligno, graças à sua propriedade anti-inflamatória. Usada na medicina tradicional de povos asiáticos, a planta foi investigada por Hwayda Arafat, professor de cirurgia da Faculdade Médica da Universidade de Thomas Jefferson, nos Estados Unidos. O resultado da pesquisa foi apresentado no 100º congresso da Associação Americana para Pesquisas de Câncer. De acordo com Arafat, outros estudos já haviam indicado um efeito positivo da planta no combate aos cânceres de próstata e de cólon. “Os efeitos que encontramos mostram que a erva tem um grande potencial preventivo e é uma ótima estratégia terapêutica para o câncer de pâncreas. Mais importante é que tanto a planta quanto o óleo são seguros quando usados moderadamente, e têm sido consumidos por milhares de anos sem que soubéssemos de efeitos tóxicos”, diz Arafat.

Repolho (Brassica oleracea variedade capitata)

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Uma das fontes de vitamina U, contém uma molécula, a S-metil-metionina (SMM), usada há muito tempo na fitoterapia como uma aliada no tratamento de doenças estomacais. Ao analisar as propriedades terapêuticas da substância, uma equipe da Faculdade de Medicina da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, descobriu que ela pode evitar a maior causa de transplantes de fígado — a toxicidade provocada pelo excesso de acetaminofeno metabolizado no órgão. A SMM, de acordo com a pesquisa, consegue combater os efeitos tóxicos. O estudo foi feito em ratos e ainda está em fase embrionária. “Essa é apenas uma peça do quebra-cabeças. Ainda não temos a resposta completa”, alerta o anestesiologista Gary Peltz, um dos autores da pesquisa.

Chá verde (Camellia sinensis L. Kuntze)

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A planta contém 51 fitonutrientes que combatem processos inflamatórios no organismo. O chá verde é um dos componentes de uma nova droga baseada em fitoterápicos que está em fase de estudo clínico no Centro de Urologia Holística da Universidade de Columbia e no Hospital Presbiteriano de Nova York. O trabalho, publicado no periódico oncológico Journal of the Society for Integrative Oncology mostrou que o remédio ajuda a combater a proliferação de células cancerígenas em homens com alto risco de desenvolvimento de tumor maligno na próstata. Vinte e três pacientes entre 40 e 75 anos cuja biópsia acusou um aumento preocupante dessas células foram submetidos à terapia com o medicamento por 18 meses. Além de evitar a proliferação das células, o composto tem baixa toxidade e não apresentou efeitos colaterais. “Novas fórmulas que abaixem o risco de câncer, previna ou atrase a cirurgia, aumentando a qualidade de vida, serão extremamente benéficas para esses homens”, comenta Aaron E. Katz, principal autor do estudo.

 


 

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