segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Em livro, a memória dos cinemas de rua da Tijuca, hoje extintos

Publicada em 08/02/2010 às 08:39 - Rodrigo Fonseca - Jornal Extra


Em livro, a memória dos cinemas de rua da Tijuca, hoje extintos


Cine Tijuca

RIO - Restaram apenas recordações e um livro, o recém-lançado "A segunda Cinelândia carioca - cinemas, sociabilidade e memória na Tijuca" (editora Multifoco), de Talitha Ferraz, para relembrar um dos maiores polos exibidores do Rio Janeiro. Entre 1907 e 1999, 42 salas passaram por um perímetro que engloba as ruas Conde de Bonfim, Major Ávila, Desembargador Isidro, Mariz e Barros e Haddock Lobo, a Avenida Maracanã e a Praça Saens Peña, que virou tema do longa-metragem homônimo de Vinícius Reis, lançado em dezembro. Alguns sumiram rápido, feito o Osaka, que abriu as portas em 1973 e fechou em 1975. Outros, duraram décadas, como o agigantado Olinda, de 3.500 lugares, que funcionou de 1940 a 1972. Hoje, sobraram as seis salas do Kinoplex Tijuca, que, apenas entre os dias 1 e 31 de janeiro, somaram 114.000 espectadores. Em 2009, passaram pelo complexo 850.000 pagantes - público que justificaria maior oferta de cinemas no bairro.

- Ao todo, contando os cinemas principais da área, podemos falar em cerca de dez mil poltronas, número que assusta ao compararmos ao que a Tijuca oferece hoje no Kinoplex, 1.810 lugares apenas - diz a jornalista e doutoranda pela Escola de Comunicação da UFRJ Talitha Ferraz, de 27 anos, que vive na Tijuca desde os 10.

Em seu livro, ela mapeia o que aconteceu com cada um dos cinemas da região. Ainda existem resquícios do passado. A galeria onde ficava o Tijuca 1 e 2, que originalmente era o cine Eskye, hoje ostenta um muro coberto por cartazes de filmes, indo de "O assalto ao trem pagador" a "Gallipoli", com Mel Gibson. Igrejas agora ocupam o solo sagrado (para cinéfilos) onde ficavam o Cinema III, o Britânia e o Carioca, considerado uma pérola do art déco brasileiro. Em suas paredes, o reclame "Cinema é a maior diversão" deu lugar a "Jejum das causas impossíveis". Já o pequenino Bruni deu vez a um laboratório.

- Escrevi "A segunda Cinelândia carioca" como uma crítica à desvitalização do espaço cultural urbano. Eu cresci acompanhando o desaparecimento das casas de exibição do bairro. As salas de cinema antes eram componentes das calçadas. Agora, elas são um brinde a quem vai consumir em um shopping - diz Talitha.

Acervo do Metro hoje está na terra da seresta

Quem parar pela Saens Peña para comprar uma aspirina, xarope ou mesmo um xampu na maior drogaria da praça vai se deparar com a fachada outrora pertencente ao América, que inchava de pagantes na década de 1980, exibindo as peripécias do James Bond Roger Moore em "007 contra Octopussy" (1983). Steven Seagal foi o último grande herói de ação a lotar as poltronas da sala com o thriller "A força em alerta", em 1992.

- Há controvérsias em relação à data certa de inauguração do América. Uns apontam para 1915; outros, 1916; e outros, para 1918. No terreno, antes da construção do prédio, bem no início do século passado, por volta de 1910, havia uma espécie de galpão, dos exibidores Irmãos Labanca, que desabou matando pessoas - conta Talitha.

Calças de moletom, camisetas regata e shortinhos de lycra hoje são vendidos no terreno onde ficava o Metro Tijuca, aberto em outubro de 1941, exibindo "Andy Hardy milionário", com Mickey Rooney, e fechado em 1977. Construída por um ex-projecionista, o hoje delegado Ivo Raposo, uma réplica dele, chamada Centímetro, virou pouso obrigatório na rota turística do Sul fluminense, funcionando na pequena Conservatória, a cidade da seresta.

- Fui projecionista no cine Santo Afonso (na Rua Barão de Mesquita) e no Bruni da Saens Peña. Mas eu era alucinado mesmo pelo Metro. No passado, a programação do cinema mudava às quintas-feiras. Toda quinta, eu saía da escola e ia para lá, aproveitar a primeira sessão, desde que a censura permitisse. No primeiro domingo de cada mês, tinha matinê "Tom & Jerry", às 10h e às 11h - diz Raposo, que levou o acervo do Metro para Conservatória, incluindo lustres, tapetes e urna de bilhetes. - O projecionista do Olinda, hoje com 85 anos, já esteve com a gente no Centímetro. É preciso preservar a memória do cinema.

Morando na Tijuca desde 1973, o professor de português Antônio Manuel Lopes Amaral, de 47 anos, dono de uma das maiores coleções de arquivos sobre cinema do Rio, guarda memórias pitorescas das salas exibidoras de sua infância e juventude:

- Um morcego viveu anos a fio num cantinho da tela do América.

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