terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Comitê "privado" ameaça legado da Copa, diz deputado



























Rafael Massimino - São Paulo:

"Temos um comitê que se considera privado e acha que não deve prestar contas", diz Silvio Torres

O deputado federal Sílvio Torres é membro da Subcomissão de Fiscalização da Copa 2014, criada em junho deste ano na Câmara dos Deputados para acompanhar de perto os gastos públicos com a organização do torneio, incluindo as obras de infraestrutura e os empréstimo para a construção de estádios.

No final de outubro, Torres foi à África do Sul conhecer o modelo de organização do país para o Mundial de 2010. Lá, encontrou um comitê “democrático” formado por diferentes setores da sociedade, diferente do comitê “privado” brasileiro que se recusa a prestar contas. “Aqui, temos um comitê que se considera privado e por isso acha que não deve prestar contas a ninguém”, afirma Torres.

Segundo o deputado, a sobreposição de comandos do COL (Comitê Organizador da Copa) e da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), ambos presididos por Ricardo Teixeira, deixa expectativas mínimas de um legado positivo da competição. “O modo como a CBF administra o futebol brasileiro não a recomenda a ter toda essa liberdade de administrar o que vai acontecer na Copa.”

A seguir, confira trechos da entrevista com Silvio Torres, que ganhou reconhecimento nacional como relator da CPI CBF-Nike, em 2001.

Como a África do Sul organizou a Copa?
Eles formaram um conselho com 25 membros. Há representantes da federação de futebol local, do poder público federal, dos estados e municípios que vão sediar os jogos, mas também do setor privado e dos sindicalistas. Eles discutem entre si tudo o que vai acontecer. Lá tem um CEO, que é o Danny Jordaan, responsável pela execução de toda parte esportiva. Há também um membro do governo que responde por todas as obras de infraestrutura em comum acordo com estados e municípios. Com isso, eles conseguem que as decisões sejam menos fechadas. Não é como aqui, em que as coisas são decididas entre duas pessoas sem dar satisfação a ninguém. Lá eles têm que dar satisfação a um conselho.

O COL brasileiro não tem essa responsabilidade?
O modelo sul-africano é muito mais democrático que o nosso. Aqui, temos um comitê que se considera privado e por isso acha que não deve prestar contas a ninguém. É um modelo que não deveria servir para o Brasil.

O governo que vai investir cento e tantos bilhões de reais aceita que a Copa seja compartimentada. O próprio governo não tem até hoje um comitê executivo.

E por que foi adotado?
Porque aceitamos. O governo que vai investir cento e tantos bilhões de reais aceita que a Copa seja compartimentada. O próprio governo não formou até hoje um comitê executivo. Não tem nenhum ministério que seja um interlocutor com os mais diversos setores que queiram falar sobre a Copa. Na Alemanha eram 14 ministérios. O do Interior respondia a todas as questões. O comitê local deles era formado por executivos, tendo o Beckenbauer como presidente, uma pessoa respeitadíssima.

Qual o risco desse modelo “fechado”?
Acho que há um risco maior de termos dificuldades de cumprir os encargos com os quais nos comprometemos. Acho que o comitê organizador é uma extensão da CBF. O presidente da CBF dizia que a Copa era de todos os brasileiros, mas está sendo organizada dessa maneira. E diante disso vemos a fraqueza do governo em não conseguir se impor.

Que modelo seria ideal?
O governo tinha que ter um comitê executivo intergovernamental, com o poder de tomar as decisões em tudo aquilo que for referente à organização da Copa. Como é que alguém investe 130 bilhões e não toma as decisões? Eu defendo o modelo da África do Sul por isso, porque tem gente com competência.

O presidente da CBF dizia que a Copa era de todos os brasileiros, mas está sendo organizada dessa maneira. E diante disso vemos a fraqueza do governo em não conseguir se impor.

Isso pode prejudicar um legado da Copa?
Eu não tenho boas expectativas. O modo como a CBF administra o futebol brasileiro não a recomenda a ter toda essa liberdade de administrar o que vai acontecer na Copa. Esse modo de não prestar contas a ninguém, de tomar decisões supercentralizadas. O futebol brasileiro tem inúmeras mazelas a serem resolvidas que vão se avolumando. A CBF recebe mais de R$ 200 milhões por ano.

Quanto o COL recebe da Fifa?
São U$ 420 milhões, fora o que o COL tem de espaços para comercializar com o evento. E isso só para organizar a Copa do Mundo. Na Alemanha, o comitê teve um lucro de 150 milhões de euros. Recebeu aquela verba e produziu superávit, que depois redistribuiu para as cidades que organizaram a Copa, para clubes, para entidades. No Brasil não sabemos o que vai acontecer.

Depois da escolha do Brasil em 2007, governo federal e CBF anunciaram uma Copa da iniciativa privada. O que vemos agora é o contrário.
Em primeiro lugar, o anúncio de que seria uma Copa da iniciativa privada foi extremamente temerário. Quando eu disse isso para os alemães eles ficaram surpresos, porque até lá o governo teve que investir pesado. No momento desse anúncio havia uma pressão dos Jogos Pan-americanos (que teve orçamento estourado em quase 800%). E depois, foi num período em que a economia mundial estava literalmente bombando. Havia a ideia de que todo mundo ia despejar dinheiro no Brasil. Agora, caíram na realidade.



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